Opinião
Quando é que a IA faz sentido num produto de start-up?

Nunca foi tão fácil integrar inteligência artificial num produto. E, ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil garantir que essa integração faz mesmo sentido. No universo das start-ups, o entusiasmo é contagiante: modelos pré-treinados acessíveis, APIs versáteis, ferramentas no-code a custo quase nulo. Tudo parece convidar à corrida. Mas para onde estamos, de facto, a correr?
A verdade é que muitas start-ups veem a IA como um atalho, um fator de diferenciação imediato, ou mesmo um sinal de inovação. E, sim, há oportunidades reais: automatização de tarefas, personalização à escala, análise preditiva com impacto direto no negócio. Mesmo sem grandes equipas nem capital abundante, é possível experimentar, prototipar e testar com velocidade. Mas será isso suficiente?
A primeira armadilha está na base de tudo: os dados. Sem dados próprios, estruturados e relevantes, a IA é um tigre de papel. A segunda? A ilusão de que usar uma ferramenta inteligente é o suficiente para tornar o produto inteligente. A terceira? A crença de que os problemas se resolvem com código, quando muitos se resolvem com escuta, empatia e um bom design funcional. E depois vem a parte que poucos querem enfrentar: escalar. Um protótipo com IA impressiona numa demo, mas é na vida real que mostra se vale alguma coisa. Um produto que toma decisões autónomas, interage com utilizadores ou sugere ações tem de ser fiável, explicável e ético. E isso exige tempo, energia, pensamento crítico e, também, humildade.
Humildade para admitir que a IA nem sempre é a resposta,e nem todo o produto precisa de um motor preditivo. Que a complexidade desnecessária mata mais ideias do que a falta de ambição. E que, muitas vezes, a IA só acelera aquilo que já lá estava… para o bem e para o mal.
Por isso, mais do que perguntar se devemos usar IA, importa saber quando a introduzir no percurso de desenvolvimento. A IA não é o ponto de partida mas uma possível consequência. O ideal é testá-la numa segunda ou terceira fase do roadmap, quando já há validação do problema e algum grau de tração. Primeiro vem a utilidade do produto e só depois a sua eficiência. E só então a ambição de escalar, personalizar ou automatizar com IA.
A pergunta certa, por isso, não é “como vamos usar IA?”. É “por que razão vale a pena usá-la aqui?”. Que problema real vai resolver? Vai trazer clareza ou confusão? Vai aproximar o produto das pessoas ou afastá-lo? Vai amplificar o valor ou apenas o ruído?
Start-ups que conseguem responder com clareza a estas questões estão melhor preparadas para fazer escolhas com sentido: que não seguem apenas o hype, mas que nascem de um propósito claro. Porque o futuro dos produtos com IA não pertence a quem corre mais depressa, mas a quem sabe para onde está a correr.
A IA é uma ferramenta poderosa. Mas é só isso: uma ferramenta. E, como qualquer ferramenta, pode construir ou destruir. Depende de quem a usa e, acima de tudo, do que se quer construir com ela.