Opinião

Quando é que a IA faz sentido num produto de start-up?

Gabriel Augusto, diretor da FLAG

Nunca foi tão fácil integrar inteligência artificial num produto. E, ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil garantir que essa integração faz mesmo sentido. No universo das start-ups, o entusiasmo é contagiante: modelos pré-treinados acessíveis, APIs versáteis, ferramentas no-code a custo quase nulo. Tudo parece convidar à corrida. Mas para onde estamos, de facto, a correr?

A verdade é que muitas start-ups veem a IA como um atalho, um fator de diferenciação imediato, ou mesmo um sinal de inovação. E, sim, há oportunidades reais: automatização de tarefas, personalização à escala, análise preditiva com impacto direto no negócio. Mesmo sem grandes equipas nem capital abundante, é possível experimentar, prototipar e testar com velocidade. Mas será isso suficiente?

A primeira armadilha está na base de tudo: os dados. Sem dados próprios, estruturados e relevantes, a IA é um tigre de papel. A segunda? A ilusão de que usar uma ferramenta inteligente é o suficiente para tornar o produto inteligente. A terceira? A crença de que os problemas se resolvem com código, quando muitos se resolvem com escuta, empatia e um bom design funcional. E depois vem a parte que poucos querem enfrentar: escalar. Um protótipo com IA impressiona numa demo, mas é na vida real que mostra se vale alguma coisa. Um produto que toma decisões autónomas, interage com utilizadores ou sugere ações tem de ser fiável, explicável e ético. E isso exige tempo, energia, pensamento crítico e, também, humildade.

Humildade para admitir que a IA nem sempre é a resposta,e nem todo o produto precisa de um motor preditivo. Que a complexidade desnecessária mata mais ideias do que a falta de ambição. E que, muitas vezes, a IA só acelera aquilo que já lá estava… para o bem e para o mal.

Por isso, mais do que perguntar se devemos usar IA, importa saber quando a introduzir no percurso de desenvolvimento. A IA não é o ponto de partida mas uma possível consequência. O ideal é testá-la numa segunda ou terceira fase do roadmap, quando já há validação do problema e algum grau de tração. Primeiro vem a utilidade do produto e só depois a sua eficiência. E só então a ambição de escalar, personalizar ou automatizar com IA.

A pergunta certa, por isso, não é “como vamos usar IA?”. É “por que razão vale a pena usá-la aqui?”. Que problema real vai resolver? Vai trazer clareza ou confusão? Vai aproximar o produto das pessoas ou afastá-lo? Vai amplificar o valor ou apenas o ruído?

Start-ups que conseguem responder com clareza a estas questões estão melhor preparadas para fazer escolhas com sentido: que não seguem apenas o hype, mas que nascem de um propósito claro. Porque o futuro dos produtos com IA não pertence a quem corre mais depressa, mas a quem sabe para onde está a correr.

A IA é uma ferramenta poderosa. Mas é só isso: uma ferramenta. E, como qualquer ferramenta, pode construir ou destruir. Depende de quem a usa e, acima de tudo, do que se quer construir com ela.

Comentários

Artigos Relacionados

Luís Madureira, partner da ÜBERBRANDS
Alexandre Meireles, presidente da ANJE