Entrevista/ “Ainda há muito espaço para consciencializar os portugueses sobre os benefícios do consumo de microvegetais”

Catarina Santos começou por cultivar microvegetais nos Açores para consumo próprio, mas rapidamente percebeu a sua potencialidade e apresentou o projeto que criou a restaurantes locais. Expandir a rede de distribuição e dedicar-se a 100% ao Legumaria fazem parte dos planos desta engenheira do Ambiente.
Mudou-se há quatro anos de Lisboa para a Ilha de Santa Maria, nos Açores, para desenvolver a Legumaria, um projeto de microvegetais que chegam a ter cerca de 40 vezes mais nutrientes do que uma planta adulta e que ajudam a prevenir as doenças de Alzheimer e Parkinson.
O projeto foi um dos vencedores da edição passada do TalentA, uma iniciativa que decorre de uma parceria entre a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e a Corteva e que, desde 2019, já conseguiu empoderar mais de mil mulheres rurais de 9 países, incluindo Portugal.
Em entrevista ao Link to Leaders, Catarina Santos, engenheira do Ambiente, fala do seu projeto, cuja produção começou para consumo próprio, mas que pouco tempo depois passou a ser disponibilizada a restaurantes locais, do impacto do prémio na sua vida e dos desafios de se ser empreendedora rural.
O que a levou a desenvolver o projeto Legumaria?
A Legumaria é um projeto de uma pessoa só – eu própria, Catarina – em que cultivo microvegetais biológicos e os disponibilizo aos habitantes e restaurantes de Santa Maria, nos Açores. Os microvegetais são alimentos vivos de origem vegetal, cuja semente germinou para formar uma nova planta. Estes jovens vegetais contêm uma elevada concentração de nutrientes, podendo conter até cerca de 40 vezes mais nutrientes que a sua planta adulta! Estamos numa época pós-covid e todos nós estamos mais sensibilizados para o estado da nossa saúde e bem-estar. Os microvegetais são extremamente nutritivos, ricos em proteínas, micronutrientes e anti-oxidantes, sendo assim um alimento que pode ajudar qualquer pessoa que os consuma a melhorar a sua saúde.
Existem estudos que comprovam o impacto positivo na melhoria da diabetes, na redução do colesterol, na perda de peso, a retardar o Alzheimer e até a combater determinados tipos de cancro. Existem medicamentos e suplementos alimentares no mercado que têm estes efeitos. No entanto, podem ter efeitos adversos para o consumidor e são, regra geral, muito caros, tornando-se inacessíveis a alguns de nós. Desenvolvi a Legumaria para disponibilizar estes poderosos “medicamentos” naturais a um maior número de pessoas possível.
Quais têm sido os grandes desafios?
Na ilha de Santa Maria o clima é muito variável – temos um dia de sol intenso seguido de 3 dias de céu nublado, sendo que a amplitude térmica nestes períodos é também variável… Estes são fatores que influenciam o crescimento dos microvegetais. Desta forma, o calendário de colheita fica um pouco difícil de prever, mas é sempre possível recorrer a iluminação artificial e reguladores de temperatura por forma a tentar controlar um pouco melhor estas variáveis.
“Eu produzia microvegetais (cerca de 2 espécies apenas) para consumo próprio há já cerca de três anos”.
Sem experiência ou formação, foi difícil impor-se nesta área?
Eu produzia microvegetais (cerca de 2 espécies apenas) para consumo próprio há já cerca de três anos. Antes de iniciar a Legumaria fiz um curso online sobre a produção e venda de microvegetais, e fiz bastante pesquisa. Ainda tenho muito a aprender, mas foi um passo importante para conseguir produzir em maior quantidade e com o objetivo de venda. Atualmente produzo cerca de 20 espécies com boa aceitação no mercado em que me encontro.
Desenvolveu o projeto só com capitais próprios?
Sim.
Como tem sido a aceitação ao projeto?
Este projeto apresenta diversas valias diferenciadoras, tendo em conta o mercado onde se encontra: após consultar diversas pessoas da Ilha de Santa Maria – chefs de restaurantes, pequenos empresários hortofruticultores, consumidores finais – sobre a chegada ao mercado deste tipo de produto, o feedback que recebo é muito positivo.
“Creio que, por ser necessário garantir alguns cuidados durante a sua produção e colheita, os microvegetais não são um alimento comummente utilizado pelos portugueses”.
Os portugueses estão mais conscientes para o consumo dos microvegetais?
Os microvegetais foram utilizados pela primeira vez na década de 80, por chefs em Nova Iorque e demoraram alguns anos a serem introduzidos na Europa. Creio que, por ser necessário garantir alguns cuidados durante a sua produção e colheita, os microvegetais não são um alimento comummente utilizado pelos portugueses. Sinto que ainda há muito espaço para consciencializar os portugueses sobre os benefícios do consumo de microvegetais.
É fácil ser-se mulher numa área ainda dominada por homens?
Felizmente, não tenho sentido dificuldade.
Quais os desafios das mulheres rurais hoje em dia? E o que é preciso fazer para mudar paradigmas?
Na realidade e no projeto em que me encontro não tenho sentido desafios de maior por ser mulher, mas reconheço que noutras áreas as mulheres rurais enfrentam diversos desafios, podendo estes variar de acordo com a região e as condições específicas de cada comunidade em que se inserem. Sobretudo por ser um mundo ainda muito liderado por homens.
Mudar paradigmas e melhorar a situação das mulheres poderá passar por atuar em diversas áreas, como por exemplo, garantir o acesso equitativo a recursos, crédito e educação para capacitar as mulheres rurais economicamente; promover a conscientização sobre os direitos das mulheres, a igualdade de género e questões relacionadas à saúde e bem-estar; garantir a participação ativa das mulheres em processos de decisão locais, promovendo sua representação em órgãos comunitários e governamentais, entre outras. O envolvimento ativo das comunidades locais, organizações governamentais e não governamentais é fundamental para efetuar mudanças significativas.
Estava a contar em ser uma das vencedoras do programa TalentA?
Acredito no projeto Legumaria e no seu cariz diferenciador, mas há tantos projetos inspiradores de outras mulheres portuguesas. Veja os outros projetos finalistas do TalentA, a Olive Leaf e a Sentidos da Terra, pelo que não estava a contar ser uma das vencedoras. Fiquei muito feliz e, claro, mais motivada, por este projeto chegar a finalista!
“Graças ao prémio TalentA (…), tive oportunidade de fazer mais formação em microvegetais por forma a otimizar a produção e aumentar o número de espécies disponíveis”.
O que mudou no projeto desde que foi vencedora do programa? Qual foi o impacto?
Graças ao prémio TalentA, promovido pela CAP e pela Corteva, tive oportunidade de fazer mais formação em microvegetais por forma a otimizar a produção e aumentar o número de espécies disponíveis. Isto traduz-se numa maior rentabilidade e diversidade de espécies, permitindo-me ajustar inferiormente o valor do produto, por forma a se tornar acessível ainda a mais pessoas.
Como prevê expandir a produção e conseguir ter uma maior rede de distribuição?
Ao traçar objetivos tenho de ter em atenção que, nesta fase do projeto faço tudo sozinha e trabalho por conta de outrem, sendo, assim, a minha capacidade de produção é limitada. No entanto, tenho aprendido a otimizar a produção e aumentá-la. Em termos de rede de distribuição, pretendo expandi-la a um maior número de consumidores individuais de outras ilhas, restaurantes e bares. É possível alargar o número de espécies produzidas (existem espécies lindas mas cujas sementes demoram muito a produzir e são muito caras) e, assim, ter uma gama de produtos premium.
O que mais tem evoluído nesta área?
Na produção de microvegetais tem-se verificado uma melhoria significativa na capacidade de controlo do ambiente de produção (controlo de temperatura, luminosidade e humidade) e na qualidade das sementes biológicas para produção de microvegetais (as sementes para produção de microvegetais não se destinam à produção de vegetais “adultos” – são apuradas para que germinem mais facilmente e não necessariamente para produzir frutos ou vegetais adultos).
Planos para o futuro da Legumaria?
Gostaria de ter a possibilidade de me dedicar 100% à produção de microvegetais, com um maior número de espécies de vegetais e flores comestíveis, estando a estudar e a tentar trabalhar nesse sentido.
O que gostaria de ter feito e ainda não conseguiu?
Montar um contentor de ambiente totalmente controlado para produção dos microvegetais, mas ainda não me foi possível investir financeiramente nesse projeto.
Respostas rápidas:
Maior risco: Investir tempo em novas espécies e dinheiro que depois não têm aceitação por parte do público.
Maior erro: Não ter investido em comunicação logo desde o início do projeto, por forma a dar a conhecer os benefícios dos microvegetais ao meu público potencial (para criar procura).
Maior lição: Com investimento (de tempo, de estudo, de experiências – errar é importante!), tudo se alcança.
Maior conquista: Ter uma base estável de clientes fiéis e satisfeitos!