Pressão social e redes digitais fazem os portugueses “esconder” o seu feitio, indica investigação

Um estudo exploratório da CATÓLICA-LISBON revela como os portugueses equilibram traços de personalidade e expectativas sociais. Do “mau feitio simpático” às pressões silenciosas das redes sociais e do trabalho, o estudo mostra que muitos ajustam ou reprimem a sua autenticidade para se sentirem aceites.
Um estudo exploratório conduzido pela Behavior Insights Unit da Católica Lisbon School of Business & Economics, cujo objetivo era estudar as diferenças entre o que os consumidores consideram ser feitio e defeito, lança uma reflexão sobre a forma como os portugueses experienciam — e muitas vezes reprimem — o seu feitio nos dias de hoje.
Através deste estudo promovido por Limiano, os investigadores traçaram um retrato comportamental revelador, que expõe uma tensão crescente entre autenticidade e aceitação social. A análise qualitativa permitiu identificar padrões comuns de comportamento e discurso: a maioria dos participantes sente-se forçada a ajustar ou esconder traços da sua personalidade para se adaptar aos contextos sociais — em particular nas redes sociais, no local de trabalho, na escola e até em ambiente familiar.
Segundo a equipa de investigadores da Behavior Insights Unit da CATÓLICA-LISBON, “hoje, tanto adultos como crianças estão expostos a um tipo de pressão muito silenciosa, mas altamente eficaz: a de parecerem certos, aceitáveis, encaixados. As redes sociais reforçam essa pressão com padrões implícitos de comportamento, imagem e sucesso, que vão sendo interiorizados de forma quase automática. Com o tempo, o que vemos é uma tendência clara para o apagamento da espontaneidade e da autenticidade — e isso tem consequências emocionais sérias, como ansiedade, insegurança ou cansaço identitário”.
“O regresso à rotina, ao trabalho e à escola é, para muitas pessoas, um momento em que se volta também a vestir uma personagem social. Um dos dados mais significativos do nosso estudo foi perceber que muitos entrevistados associam o início do ano laboral ou letivo à necessidade de ‘voltar a esconder o feitio’ para não gerar conflito ou para facilitar a aceitação. Isto levanta questões relevantes sobre como estamos a educar — e a ser educados — para a conformidade”, acrescentou.
Outro dado relevante do estudo é que a esmagadora maioria dos participantes considera que todas as pessoas têm feitio — ou seja, uma forma própria de ser, uma expressão da personalidade individual. E essa característica é vista como algo estável, abrangente e, muitas vezes, inato.
Por outro lado, o “defeito” é interpretado como algo mais negativo, específico e, em alguns casos, até modificável. O limiar entre um e outro, no entanto, é fluido, relacional e contextual. Muitos participantes referem que certos traços — como teimosia, frontalidade, sensibilidade ou timidez — são vistos como defeito num contexto e como valor noutro.
Há também uma leitura interessante sobre como a maturidade, a experiência e o autoconhecimento podem transformar a perceção sobre esses traços ao longo da vida.
“Ser frontal pode ser lido como sinceridade ou como agressividade. Ser reservado pode ser visto como timidez ou como discrição. O que o estudo nos mostra é que estamos sempre a negociar os nossos traços com os contextos à nossa volta”, explicam os investigadores.
Um dos blocos mais leves — mas muito identificável — do estudo explora como os portugueses vivem o feitio nas suas relações mais próximas. O “mau feitio” matinal, o resmungão que afinal é afetuoso, ou a sogra que é mais bem-disposta do que parece, são exemplos que surgem de forma espontânea nas entrevistas.
Os participantes reconhecem traços como teimosia, impaciência ou rabugice, mas associam-nos frequentemente a pessoas queridas, próximas, e até com algum carinho. O chamado “mau feitio simpático” é valorizado por muitos como sinal de autenticidade — desde que haja empatia, coerência e bons valores.