Entrevista/ “Os desafios são enormes para as sociedades”

Teresa Violante, diretora das Conferências do Estoril

Depois de ter trazido a Portugal o Nobel da Paz Rajendra Pachauri, para participar numa das suas mais recentes iniciativas, a Conferências do Estoril quer continuar a sua “missão” de trazer a debate alguns dos temas mais pertinentes da atualidade.

A conferência “Alterações Climáticas: Preparar o Futuro”, realizada na semana passada, em Cascais, e que trouxe a Portugal o Nobel da Paz e presidente do World Sustainable Development Forum, Rajendra Pachauri, foi o ponto de encontro para análise das transformações ambientais que afetam o planeta e em particular a Europa. Teresa Violante, diretora das Conferências do Estoril, entidade responsável pela iniciativa, partilhou com o Link To Leaders algumas das conclusões do evento e antecipou algumas das próximas conferências em agenda.

Rajendra Pachauri, vencedor do prémio Nobel da Paz, esteve presente conferência “Climate Change: Preparing for the Future”. Quais as principais ideias defendidas por Pachauri?
Rajendra Pachauri viaja pelo mundo inteiro com um objetivo único: alertar as pessoas para a realidade das alterações climáticas, a suas principais causas e os seus efeitos sobre a humanidade. Temos de estar preparados para lidar com esta situação e isso implica atuar em duas frentes principais: temos de nos adaptar, enquanto comunidade e enquanto indivíduos, e temos de mitigar os efeitos, adotando um estilo de vida compatível com o equilíbrio do planeta. Se não conseguirmos inverter rapidamente o rumo tomado – e temos aqui uma janela de oportunidade muito estreita – então o mundo como o conhecemos, e particularmente em zonas do globo que estão muito expostas, como é o caso português, será irremediavelmente alterado nos próximos 20/30 anos. A redução de emissões é a prioridade maior e isso implica profundas transformações, não só ao nível das políticas públicas, mas também dos comportamentos privados e pessoais de cada um de nós.

Que outras conclusões e recomendações saíram dos outros painéis da conferência?
Rajendra Pachauri foca-se essencialmente nos jovens, sente neles a força capaz – quiçá a única – de conseguir a mudança paradigmática de que necessitamos. Alertou os jovens para a importância de terem um estilo de vida mais simples, com menos consumos, o que, na verdade, se torna um desafio existencial. Este é um apelo mais profundo, que evoca o modo como cada um se vê no mundo. Claro que numa sociedade organizada em torno do consumo, um apelo à redução do mesmo levanta toda uma série de outras questões. A sua mensagem foi, sobretudo, moderada e tolerante: é possível mudar, temos de mudar, mas não é necessário radicalizar. Por exemplo, basta que se consuma menos carne, não é necessário eliminá-la totalmente da alimentação. Reduzir o seu consumo já traria enormes benefícios em relação ao impacto da cadeia de produção no nível de emissões.

As Conferências do Estoril têm vindo a acolher um dos temas mais sensíveis e inflamados presentemente a ser discutido em todo o Mundo: Migrações Globais. Que balanço faz da iniciativa deste o seu lançamento?
Conseguimos projetar a importância do debate independente e policêntrico quando está em causa o fenómeno migratório que representa, em simultâneo, uma realidade intrinsecamente humana e um drama que é preciso enfrentar com coragem. Sempre houve fenómenos migratórios e esse lado de naturalidade e normalidade foi o primeiro ângulo de análise que lançamos. Mas as migrações atualmente trazem padrões historicamente ímpares, pelos fluxos concretos, pelos números de pessoas que envolvem e pelos fatores com que estão relacionadas. Os desafios são enormes para as sociedades, mas, tal como sucede com as alterações climáticas, não podem ser varridos para debaixo do tapete. Conter fluxos migratórios através de muros ou operações marítimas é não só desumano como estúpido, sabemos que é impossível parar quem foge da guerra, da perseguição ou da fome. Conseguimos passar esta mensagem de complexidade e frontalidade no que toca a este tema. Desenvolvemos a nossa própria proposta para uma solução concreta de uma parte difícil dos problemas dos migrantes forçados: o Global Safety Passport, enquanto mecanismo de tutela do direito de passagem segura que está já reconhecido internacionalmente. Estamos a detalhar a estrutura de um regime jurídico que possa acolher este mecanismo e esperamos que depois os atores responsáveis chamem a si o dever de garantir que as pessoas possam viajar em segurança quando são forçadas a partir da sua terra natal. Não se trata de um privilégio e sim de garantir condições mínimas de segurança.

Qual a importância das Conferências do Estoril para Portugal e para o mundo?
As Conferências do Estoril foram concebidas com dois objetivos: o primeiro, colocar Cascais e Portugal no mapa dos grandes eventos internacionais, e esse já está largamente atingido.
Repare que as Conferências do Estoril foram criadas em 2007, num período de profunda angústia e falta de esperança coletivas. Não se ousava então sonhar para Portugal um lugar de destaque no plano internacional. Mas Cascais teve esta ambição pioneira e, felizmente, o futuro veio dar razão a quem projetou tanta esperança inovadora. Portugal está hoje na moda, e no roteiro dos grandes eventos internacionais, e é com orgulho que reconhecemos, nesse aspeto, o pioneirismo das Conferências do Estoril.
O segundo objetivo é criar impacto, projetar ação, lançar a escada entre o diálogo e o debate e a mudança no mundo que nos rodeia. Este objetivo concretiza-se através do apoio que prestamos, pelos nossos prémios, a agentes de mudança que têm um trabalho notável, como é o caso da Refood, e da ação que desenvolvemos com jovens dos nossos parceiros académicos e das escolas de Cascais. Trabalhamos também áreas específicas com parceiros de renome, como é o caso do POP Movement (Protect Our Planet Movement), focado nas alterações climáticas, da Yazda (dedicada à causa dos Yazidi, uma das minorias mais afetadas pela ação do Estado Islâmico), ou da Amnistia Internacional Portugal.

Estas conferências têm tudo a ver com dinamizar os jovens e encontrar um espaço em que eles consigam pensar os grandes problemas do mundo. A mensagem tem chegado aos mais jovens?
Sim, absolutamente! O primeiro dia de Conferências do Estoril é inteiramente preenchido com a Youth Summit, organizada e planeada por jovens, não por nós. Não é só propaganda e, para demonstrar o poder performativo que estas iniciativas podem ter, e para inspirar ainda mais os nossos jovens, na última edição trouxemos um orador que esteve connosco na 1.ª edição, em 2009, era ainda aluno de liceu. Trabalha agora na Comissão Europeia e não só pôde partilhar com os jovens o seu track-record em Conferências do Estoril (uma vez que foi participando nas várias edições, como jovem aluno de liceu e, mais tarde, estudante universitário), mas falou também na sua capacidade profissional. E para nós é emocionante ver testemunhos vivos da inspiração que experiências como as Conferências do Estoril podem trazer às pessoas e aos jovens. Porque, mais do que um palco de debate, é toda uma experiência que está em causa: os oradores circulam livremente, são abordados diretamente pelas pessoas, almoçam e jantam com o público. Há um nível de proximidade enorme e de grande naturalidade. Não dividimos o espaço em função do valor dos bilhetes pagos, porque o acesso aos oradores não é, para nós, uma commodity. Apontamos para os jovens e queremos tê-los connosco, envolvidos, e por isso suportamos o seu acesso e, para os mais empenhados, proporcionamos alojamento e um bootcamp de trabalho, onde preparam as suas próprias intervenções.

De que forma, e num contexto em que o mundo se fecha e em que uns não falam com os outros, as Conferências do Estoril criam um espaço de tolerância e de confiança que começa a ser raro noutros países do mundo?
Promovemos um debate livre e não filtrado, onde todos os ângulos de um mesmo problema se discutem. Isso implica, por vezes, dar voz àqueles com quem não nos identificamos e que podem ter posições que até nos causam alguma antipatia. Há condições mínimas de validade do discurso – por exemplo, nunca acolheríamos um criminoso – mas acreditamos que um debate racional e corajoso é condição essencial para uma democracia saudável. É neste “espaço público”, próprio de uma sociedade livre e democrática, que nos posicionamos, sem filtros, mas abraçando, com convição, os valores de uma sociedade livre e profundamente empenhada na defesa e promoção dos direitos humanos.

Os prémios de Comunicação “Pela Diversidade Cultural” reconheceram o vídeo de apresentação da edição do ano passado das Conferências do Estoril. O projeto venceu o galardão Diversidade nos Guiões, apoiado pelo Alto Comissariado para as Migrações. O que contribuiu para esta distinção?
Creio que terá sido a simplicidade: esse vídeo espelha muito bem a nossa matriz. Sem grandes preocupações com os filtros de uma mensagem politicamente correta (repare que quando saiu, Trump estava ainda na corrida para as primárias e Sarkozy era potencialmente presidenciável) mas apostando no poder da verdade, demonstrámos aquilo que somos e que criámos, um mundo misturado (we live in a blended world). Porque é que, enquanto seres humanos, somos tão facilmente impressionados com a simplicidade da própria realidade? Se calhar porque, na nossa corrida quotidiana neste mundo tão acelerado, somos levados muitas vezes a esquecer e a negligenciar o essencial. Esse vídeo pôs o dedo na ferida: somos uma espécie sem fronteiras, por mais que insistam em mantê-las vivas.

O que podemos esperar da próxima edição? Que nomes pode adiantar?
Podemos esperar a melhor edição das Conferências do Estoril – a próxima será sempre a melhor! Celebraremos 10 anos o que merece uma comemoração especial e estamos já a trabalhar nisso. Os nomes começarão a ser divulgados em breve, sem spoilers…

Respostas rápidas:
O maior risco: Falhar.
O maior erro: Não tentar.
A melhor ideia: Normalmente, é a mais louca.
A maior lição: Não há limites para o que podemos ser e alcançar.
A maior conquista: Serenidade.

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