Expansão dos cursos profissionais melhorou o emprego e impulsionou o empreendedorismo em Portugal

A expansão dos cursos profissionais desde 2006 teve efeitos positivos no emprego e no empreendedorismo, revela um novo policy paper da Fundação Francisco Manuel dos Santos, divulgado hoje. O estudo aponta, contudo, a necessidade de haver um maior alinhamento entre a formação e o mercado de trabalho.

Em vésperas das matrículas para o 10º ano de escolaridade, o novo policy paper da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) analisa, com recurso a microdados, os efeitos da forte expansão dos cursos profissionais no ensino secundário português desde 2006. O estudo, da autoria de Pedro S. Martins, Luís Catela Nunes, Pedro Reis e Teresa Thomas, investigadores no Centro de Economia da Educação da Nova SBE, demonstra que esta transformação do sistema educativo teve um impacto positivo no emprego e impulsionou a criação de novas empresas e o empreendedorismo.

Na sequência do aumento significativo da oferta no ensino e formação profissionais registado em Portugal a partir de 2006, o país passou de apenas 28% dos alunos do ensino secundário inscritos em algum tipo destes cursos em 2000/2001 – muito longe da média europeia da altura, que era de 52% –, para um máximo de 45% em 2013/2014. Atualmente, essa percentagem situa-se próxima dos 40%, avança o paper.

Com base neste crescimento, este policy paper responde a duas questões: será que a expansão dos cursos profissionais teve impacto no emprego nas profissões específicas a que se destinam? E que impacto teve essa expansão na criação de empresas e no empreendedorismo?

Os autores começam por analisar os dados disponíveis para Portugal, que sugerem que esta expansão contribuiu para a melhoria dos resultados escolares e para uma maior inclusão social. Entre 2000 e 2023, a taxa de retenção e abandono escolar caiu de 39% para menos de 10%, acompanhada por um aumento significativo na conclusão do 12.º ano, especialmente entre alunos oriundos de contextos socioeconómicos mais desfavorecidos.

Além disso, entre os jovens que concluíram o ensino secundário pela via profissional e não prosseguiram estudos, 72% conseguiram emprego no prazo de um a dois anos, superando os 56% registados entre os oriundos do ensino geral. Também se destaca que, em 2023, a taxa de inatividade dos jovens entre os 25 e os 34 anos que completaram o ensino secundário pela via profissional foi de 5,6%, consideravelmente mais baixa do que a dos jovens provenientes do ensino geral (10,6%) em Portugal, e abaixo das médias da UE e da OCDE (cerca de 11%).

O estudo conclui que houve impactos positivos, ainda que moderados, no emprego nas profissões para as quais os cursos profissionais estão orientados: três anos após a conclusão de um novo curso profissional, registou-se um aumento médio de 20% no número de trabalhadores na profissão correspondente. No entanto, este crescimento é menos expressivo no município específico onde o curso foi criado.

Apesar de os cursos serem concebidos para profissões específicas, muitos alunos acabam por trabalhar em áreas pouco ou nada relacionadas com esses cursos, o que sugere que a procura do mercado de trabalho nem sempre está alinhada com a formação que fizeram. Este facto aponta para um desfasamento entre as competências proporcionadas pelo ensino e formação profissionais e as competências procuradas pelos empregadores.

Em contraste, o efeito da expansão dos cursos profissionais sobre a criação de empresas e o empreendedorismo revela-se mais expressivo: decorridos três a cinco anos após a formação, regista-se um crescimento significativo no número de novas empresas nos setores relacionados com os respetivos cursos, refletindo o papel destes percursos na dinamização do tecido empresarial.

Tendo em conta estas conclusões, mas também o atual contexto europeu, os autores deixam várias recomendações, tais como: conceber os programas dos cursos profissionais de forma equilibrada, integrando competências académicas essenciais com formação técnica especializada e reforçando a adaptabilidade dos alunos às exigências do mercado de trabalho e às mudanças tecnológicas; estimular uma maior integração dos cursos oferecidos com o tecido económico da região em que se inserem, com o apoio das estruturas regionais intermunicipais existentes; partilha de infraestruturas entre municípios; aumentar a oferta de cursos profissionais em regiões atualmente com menos oferta; estabelecer parcerias formais entre as instituições de ensino e formação profissional e os empregadores; reforçar os estágios e os programas de formação em ambiente de trabalho, através da coordenação entre autoridades regionais e empresas; ou ainda promover o empreendedorismo através de programas de mentoria, financiamento inicial e acesso a incubadoras, fomentando a criação de empresas alinhadas com a área de formação. As recomendações incluem ainda, como combate à sazonalidade de setores como o turismo ou a agricultura, que se aposte em competências transferíveis e que fomentem a aprendizagem interdisciplinar com disciplinas do ensino geral, promovendo a empregabilidade ao longo do ano.

Por último, os autores sugerem a criação de estruturas sólidas de avaliação do ensino e formação profissional, bem como ações para melhorar a imagem pública deste percurso educativo, designadamente através da divulgação de casos de sucesso. “Isto porque, apesar dos resultados positivos alcançados, persiste ainda uma perceção pública pouco favorável relativamente ao ensino e formação profissional”, referem.

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