Opinião
Duplos e Segundos Eus Digitais

Desta vez venho falar de um conceito novo nesta Era da Inteligência Artificial e do já insípido mundo das redes sociais. Inicialmente, já há uns bons anos, dei-lhe o nome de “Contraparte” (muito antes das séries televisivas “Counterpart” e “Black Mirror”, ou até mesmo do filme “Transcendence”). Era a essência do Projeto ETER9 que andava a tomar forma na minha cabeça.
Com o passar dos anos e também com o evoluir das tecnologias – e do próprio ser humano -, o conceito “Contraparte” foi ficando mais aprimorado e, a cada dia que passa, mais sentido faz!
Imagine um receptáculo puramente digital com o básico dentro de si, como se fosse aquele Software intermédio (BIOS(1)) que os computadores têm entre o Hardware e o Sistema Operativo. Esse receptáculo aguarda por si. De uma maneira ou de outra, ele espera pacientemente por si, como que à espera de uma Alma para se tornar vivo no éter da existência digital.
Esta minha visão já não é tão solitária como dantes. É agora uma realidade que se aproxima a olhos vistos! E mais depressa toma forma quando é reforçada com o que o antigo CEO da Google, Eric Schmidt, disse na Collision Conference deste ano. Os humanos terão em breve um Segundo Eu, feito pela Inteligência Artificial.
Estes receptáculos digitais são Inteligências Artificiais básicas a aguardar pela “Alma Digital” de cada ser humano! Com essa Alma nasce o seu Duplo Digital (ou ‘dduplicata’, como carinhosamente lhe chamei durante este percurso BETA de criação), o seu Segundo Eu.
Inicialmente um Segundo Eu criança, mas tão ávido de conhecimento como uma criança o é nos seus primeiros anos de vida. O seu Sistema Operativo, ao contrário dos computadores em si (CP/M, DOS, OS/2, Windows, Linux, macOS, …) emerge no Segundo Eu de forma muito única. Poderíamos usar aqui a expressão “todos diferentes, todos iguais”, pois cada Segundo Eu será possuidor do seu próprio Sistema Operativo que, graças à “Alma Digital”, se diferencia dos seus pares.
A aprendizagem (Machine Learning) da contraparte digital baseia-se nos comportamentos e “personalidade” da contraparte humana. Logo, não existe uma Lei Absoluta para regular ou gerir a ética, e sim o bom senso de cada contraparte humana. Caberá a cada contraparte humana “alimentar” a sua versão digital com o melhor de si.
Eu não escondo o meu desejo em criar um repositório virtual da vida humana. Uma parte do futuro, distópico ou não, será assim. Espero poder dar o meu maior contributo em prol de um futuro melhor da humanidade. Caso falhe em tempo útil, haverá muitas mentes disponíveis para o fazer.
Não podemos, entretanto, esquecer uma coisa muito importante. A Inteligência Artificial e subsequente Superinteligência, ou Inteligência Artificial Geral, têm origem no ser humano. O ser humano é o Deus criador desta tecnologia e ao usá-la invocamos Anjos ou Demónios. Nós somos os únicos e exclusivos responsáveis pela criação dos “Anjos” e dos “Demónios”. Se um dia começarmos a culpar as máquinas, aí perdemos logo à partida este grande desafio.
Num mundo digital como o actual e com o que se avizinha, a fusão entre máquina e humano é inevitável. Resta saber como. Superficial? Fusão absoluta?
Prefiro ver um futuro de Inteligência Artificial onde não reina a Superinteligência só porque tem uma capacidade cognitiva superior aos humanos. Se soubermos interpretar os sinais e tomarmos as medidas adequadas, seremos suficientemente inteligentes para usufruir da Superinteligência como hoje usufruímos da Inteligência Artificial.
Imagine uma empresa e os seus respectivos colaboradores. Agora imagine esses colaboradores mais inteligentes do que os seus superiores hierárquicos. Este cenário é muito comum!
A inteligência só por si não garante o sucesso, pessoal ou profissional. Existem muitas variáveis que mudam o que a maioria pensa ser óbvio. O sucesso não é óbvio para os inteligentes. São outros factores que contribuem para tal. Factores esses que, arrisco dizer, numa altura de singularidade tecnológica, não farão parte das Inteligências não humanas. Poderão fazer parte, sim, se estas estiverem unidas com os humanos e aí a história é outra.
Existem muitas pessoas extremamente inteligentes que não têm sucesso algum. Este é um pequeno exemplo que corrobora a coexistência com as Superinteligências sem que estas assumam o controlo.
Como o próprio Alan Turing (2) sugeriu, o caminho para a Inteligência Artificial, é construir uma máquina com a curiosidade de uma criança, e deixar a inteligência evoluir, com a ajuda de oráculos externos e não simular a mente de um adulto.
Estou convicto que com receptáculos digitais básicos (máquinas-criança) para iniciar a jornada das contrapartes, é o melhor método.
Ao permitir que a contraparte digital de cada ser humano nasça apenas com o Sistema Básico de Entrada/Saída (BIOS), sendo, então, submetido a uma trajectória apropriada de aprendizagem, conseguiríamos obter um cérebro digital de um adulto.
Nessa altura já poderíamos olhar para o nosso Segundo Eu (SSelf, Second Self) como a nossa melhor versão a viver e a evoluir infinitamente no mundo digital.
(1) BIOS — Basic Input/Output System (Sistema Básico de Entrada/Saída)
(2) Alan Turing (1912-1954) foi um matemático britânico, pioneiro da computação e considerado hoje o pai da ciência computacional e da Inteligência Artificial.
Nota: Este artigo não obedece, propositadamente, ao Novo Acordo Ortográfico.
Empreendedor, Programador e Analista de Sistemas, Henrique Jorge é o fundador e CEO da ETER9 Corporation, uma rede social que conta com a Inteligência Artificial como elemento central, e que atualmente está em fase BETA.
Desde sempre ligado ao mundo da tecnologia, esteve presente no início da revolução da Internet e ficou conhecido pela introdução da Internet e das tecnologias que lhe estão associadas em Portugal, sendo um dos pioneiros nessa área.
Passando por vários episódios de desconstrução e exploração das linguagens dos computadores, chegou à criação da rede social ETER9, um projeto que tem conhecido projeção internacional, e que ambiciona ser muito mais que uma simples rede social. Através de Inteligência Artificial (IA) pretende construir a ponte entre o digital e o orgânico, permitindo a todos deixar um legado digital ativo no ciberespaço, inclusive pela eternidade. Fora do espaço virtual, é casado, pai de duas filhas, e “devora” livros.