Consultoria de investimento via inteligência artificial: os riscos associados e a necessidade de regulação

Qual o impacto da utilização de ferramentas de inteligência artificial na consultoria de investimentos e quais as preocupações que rodeiam esta realidade são questões recorrentes na atualidade. Bernardo Vasquez Tavares, advogado associado do Departamento de Direito Bancário e Financeiro da Fieldfisher Portugal, esclarece alguns aspetos.

A utilização de ferramentas de inteligência artificial encontra-se cada vez mais disseminada pela população e o seu uso estende-se a uma quantidade crescente de questões e temáticas. Embora o recurso à inteligência artificial fosse visto, numa fase inicial, com desconfiança pela generalidade dos seus utilizadores, facto é que aumenta o uso de plataformas como ChatGPT, Deepseek, CoPilot, entre outros, e os seus utilizadores predispõem-se a desenvolver uma confiança progressiva relativamente ao rigor e qualidade das respostas apresentadas por plataformas daquele tipo.

Assim, aquilo que era visto como um meio para simplificar tarefas, tornou-se, para alguns e em cada vez maior número, uma fonte principal de obter informação e aconselhamento sobre diversos temas, em particular, aconselhamento sobre opções de investimento, o que poderá vir a ser qualificado como consultoria para investimento nos termos da regulação financeira e certamente, convocará a aplicação de determinadas regras e cuidados especiais.

É neste ponto que se abordam algumas preocupações sobre esta realidade, pois apurou-se existir a possibilidade de determinadas plataformas, mediante recurso a inteligência artificial, conduzirem à recomendação personalizada de investimentos financeiros, de acordo com os dados e informações que sejam introduzidos pelo seu utilizador (por exemplo, preferência quanto ao tipo de valores mobiliários, rendimentos anuais, apetência pelo risco, entre outros) e que muitas vezes é parca para que possa recomendar-se determinado investimento.

Ora, o Código dos Valores Mobiliários, no artigo 294.º, n.º 2, estabelece que existe aconselhamento personalizado e por consequência, consultoria para investimento, quando seja feita uma recomendação de determinado investimento a uma pessoa, ainda enquanto investidor potencial, resultado da ponderação de circunstâncias pessoais do sujeito ao qual se destina o investimento. Deste modo, poderá vir a entender-se que os conselhos resultantes da utilização das plataformas mencionadas se qualificam como consultoria para investimento.

Embora, possa não ser certo qual a entidade que presta a atividade da consultoria de investimento no âmbito das plataformas de inteligência artificial, é seguro afirmar que deverão implementar-se medidas que permitam assegurar que os seus utilizadores estão informados sobre as cautelas que devem ter quanto aos resultados apresentados por estas ferramentas.

Note-se que a consultoria de investimento, enquanto aconselhamento personalizado, requer, antes de ser prestado algum conselho, a recolha de informação sobre o investidor, a avaliação do seu perfil e, entre outros, a avaliação da adequação do investimento proposto de acordo com a caracterização do investidor e em particular, com o seu nível de apetência pelo risco e a sua capacidade de suportar perdas.

Na situação atual, é desconhecida a forma como as plataformas de inteligência artificial ponderam a informação obtida relativamente ao perfil do investidor e em que cenários poderá esta desaconselhar ao utilizador certa decisão de investimento. Pouco transparente será também a forma como aquelas optam por propor ao utilizador, então investidor, um investimento em detrimento de outro. E muito menos se poderá apurar como é formulado o juízo de adequação a que a lei obriga no âmbito de uma relação de consultoria de investimento, o que se manifesta como um sério risco para o investidor.

Por estes motivos e atendendo à novidade da matéria, crê-se poder equacionar dois caminhos alternativos para conter os riscos em causa:

(i) proibir a prestação de aconselhamento financeiro, de qualquer tipo, através de plataformas de inteligência artificial atendendo ao risco de aconselhamento desadequado ou (ii) regular o modo como esse aconselhamento é prestado pelas plataformas e ferramentas de inteligência artificial, exigindo-lhes o cumprimento de um conjunto de deveres, na sua maioria, decorrentes de legislação europeia e que atualmente não se encontram assegurados.

Os conselhos dados pelas plataformas ignoram as condições financeiras do investidor, a sua tolerância ao risco e objetivos de investimento, mas acabam por indicar qual o investimento que se julga mais apropriado, o que induz o investidor em erro e pode gerar problemas de responsabilidade civil pelos danos causados.

Note-se também que, de acordo com as regras vigentes, o investidor não qualificado pode afastar ou ignorar, por sua vontade expressa e declarada, os avisos de desadequação relativamente a determinado investimento, mesmo que isso acarrete riscos e decisões inapropriadas em face da sua real vontade e da sua realidade económica e financeira. Esta eventualidade é promovida por basear a sua decisão em recomendações obtidas a partir de ferramentas de inteligência artificial desprovidas de um juízo de adequação do investimento relativamente àquele investidor e simultaneamente, estimulada pela confiança que é gerada pelas respostas oferecidas pelas ferramentas de inteligência artificial.

Somam-se assim vários riscos que não devem ser ignorados pelas entidades reguladoras, pelas empresas que desenvolvem as ferramentas de inteligências artificial, nem pelos investidores. Por um lado, convive-se num ambiente em que se torna possível favorecer certos produtos ou opções de investimento, por efeito de marketing agressivo por parte de algum emitente de valores mobiliários ou intermediário financeiro, com risco elevado e eventualmente desadequados face ao perfil dos investidores.

Por outro lado, concebe-se que investidores não profissionais, em modo free-riding, possam tomar decisões de investimento, arriscadas e desadequadas e venham, no futuro, imputar àquelas plataformas os danos ou prejuízos decorrentes da desvalorização ou menor valorização dos ativos relativamente às expectativas, possivelmente infundadas, que foram construídas pelo próprio.

Nenhum dos cenários é favorável ao funcionamento saudável do mercado de valores mobiliários, por isso, impõe-se discutir o problema e contrapor as vantagens e desvantagens que cada uma das soluções acarretam.

Deste modo, não se quer que este texto seja apenas interpretado como alerta para os utilizadores que baseiem decisões relevantes da sua vida financeira na inteligência artificial. Pretende-se que as ideias aqui vertidas sirvam como advertência para os riscos e para a necessidade de regulação da utilização de inteligência artificial, no âmbito da consultoria de investimento, quer no sentido de salvaguardar os direitos dos investidores não qualificados, quer da perspetiva da proteção do mercado contra manipulações ou falta de transparência.

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