Bookshop: a start-up que está a enfrentar a Amazon

As vendas digitais e os pagamentos dos afiliados da plataforma sem fins lucrativos Bookshop estão a ajudar livrarias de pequena dimensão a sobreviver durante a pandemia. E a desviar vendas da gigante Amazon.
Quando em abril de 2019 Noelle Santos lançou a Lit. Bar, a única livraria independente no Bronx (EUA), tinha a intenção de reunir a comunidade através dos livros. Dez meses depois a Lit. Bar fechava as portas, assim como o resto da cidade de Nova Iorque. Agora, preocupada com a saúde dos clientes e funcionários, Noelle Santos pretende adiar a reabertura – graças aos 500 mil dólares (42 mil euros) que obteve dos mais de 1,5 milhões de dólares (1,3 milhões de euros) em vendas entre maio e junho na nova plataforma Bookshop.
“Por causa desta organização sem fins lucrativos sediada em Nova Iorque não estou preocupada com a nossa viabilidade. Posso prosperar em vez de apenas sobreviver”, diz Noelle Santos à Inc.com.
As livrarias independentes são um negócio em perigo. Embora as vendas do segmento tenham aumentado 7,5% entre 2014 e 2019, a Amazon continua a fazer mossa. O gigante online controla mais de 50% do mercado de impressão, percentagem que está a crescer.
A lenta adoção do comércio eletrónico pelo segmento faz parte do problema. Em 2018 “só cerca de 200 livrarias [independentes] tinham mais de 10 mil dólares em receitas anuais online”, explica Andy Hunter, fundador e CEO da Bookshop. “Eu não queria viver num futuro em que estas 200 lojas fossem as últimas e a Amazon tivesse esmagado todas as outras”, acrescenta.
O objetivo original de Andy Hunter era tirar 1% das vendas anuais de livros impressos da Amazon, que estima em 4,5 mil milhões de dólares (3,8 mil milhões de euros). Recentemente a Bookshop, com oito funcionários a tempo inteiro, tem estado a vender entre 300 mil e 500 mil dólares (entre 255 mil e 425 mil euros) em livros todos os dias, o que a coloca no caminho para atingir cerca de 3% das vendas da Amazon antes do final do ano.
Dinheiro a circular
A Bookshop apoia os independentes de duas formas. Primeiro, fornece na sua plataforma – gratuitamente – visibilidade e atendimento de comércio eletrónico, apoiada pela grande distribuidora de livros Ingram. Se quiser comprar “How to Be an Antiracist” (atual best-seller da Bookshop) e quiser que seja a Lit. Bar a beneficiar, só tem de encomendar na página desta. “Em vez de vender livros apenas do meu stock, agora tenho acesso a todo o catálogo da Ingram”, diz Noelle Santos, especializada em livros sobre justiça social e racial.
A Lit. Bar recebe 30% do preço de capa na compra, que fica entre 10% e 16% menos que a venda em loja. (A Bookshop define os preços na plataforma: normalmente, um desconto de 8 a 10%.) Mas Noelle Santos – que antes da Bookshop não tinha presença no comércio eletrónico – poupa na manutenção do website, inventário, atendimento ao cliente, embalagem e transporte. Ela pretende investir o dinheiro poupado em sistemas de back-end, eventos e programação quando a loja reabrir.
Um benefício ainda maior é o programa de afiliados da organização. Se procurar um título na Bookshop através de um artigo nos media, um post num blog ou outra recomendação, o autor, o influenciador ou a publicação que o enviou recebe uma taxa de afiliação de 10% do preço de compra. (A Amazon paga 4,5% aos afiliados). Cerca de 10% do preço de tabela de qualquer venda de afiliado vai para uma pool que é dividida pelas lojas físicas independentes. Até agora a Bookshop tem mais de 8 mil afiliados.
As livrarias nem precisam de ter presença no site para receber o pagamento. Os membros da ABA – American Booksellers Association só têm de levantar as mãos; cerca de 120 participantes não têm página na Bookshop. “Nem precisa de gostar de nós para fazer parte do grupo que lucra”, diz Andy Hunter. A Bookshop fará pagamentos a cada seis meses.
Adlai e Jill Yeomans, proprietários da White Whale Bookstore em Pittsburgh, entraram para a Bookshop em meados de fevereiro. Nos primeiros três meses venderam cerca de 50 livros por dia, ganhando entre 5 e 10 dólares (4 a 8 euros) com cada venda. Agora que a White Whale reabriu, o número caiu para cerca de 25. Mas é a pool de afiliados que irá mudar o jogo, diz Adlai Yeomans: “é dinheiro grátis. Não vejo por que alguém seria contra. A Amazon ganha uma quantia extraordinária em vendas de afiliados. Poder atacar isto é enorme”.
A Bookshop também permite que as livrarias publiquem listas de livros e seleções dos funcionários, e que direcionem as vendas de títulos específicos para instituições de caridade. Durante várias semanas a White Whale canalizou as vendas de livros infantis anti-racistas para o movimento Black Lives Matter, gerando cerca de 2 mil dólares em donativos.
Das montras para os ecrãs
Andy Hunter trabalhou anos em projetos de software para empresas como a Disney e a MGM, até que decidiu aplicar as competências na sua paixão por livros. Durante duas décadas lançou ou dirigiu uma série de empreendimentos literários e de edição online, como a editora digital sem fins lucrativos Electric Literature, e o Literary Hub, um agregador de conteúdo relacionado com livros online.
O empreendedor acreditava que os consumidores preferiam apoiar as livrarias locais em vez da Amazon – se as livrarias facilitassem a coisa. Mas a conveniência é cara. Muitas pequenas empresas não podem dar-se ao luxo de criar e manter sites de comércio eletrónico. E, com inventários limitados, podem ter de encomendar títulos, o que pode levar semanas.
Andy Hunter imaginou então uma plataforma de comércio eletrónico que funcionaria como um hub para os livros, enquanto atendia os pedidos à velocidade da Amazon, com o lucro a beneficiar as lojas independentes. E apresentou a ideia à ABA. Mas esta, enquanto associação comercial, não pôde envolver-se. Mas pôde investir.
Andy Hunter passou os nove meses seguintes a angariar fundos adicionais – num total de 750 mil dólares (637 mil euros) – junto de um grupo de bibliófilos generosos, como William R. Hearst, presidente da empresa de media Hearst, Terry McDonnell, antigo editor da “Sports Illustrated” e da “Esquire”, ou Morgan Entrekin, presidente da editora Grove Atlantic.
A Bookshop foi lançada a 28 de janeiro de 2020, seis semanas antes de as lojas físicas começarem a encerrar. A participação na Bookshop triplicou rapidamente de 250 livrarias para 750. “Centenas conseguiram permanecer no mercado porque os clientes estão a apoiá-las ao comprarem na Bookshop”, garante Andy Hunter.
Mas a organização é mais que um salvador digital durante a Covid-19. Para Allison Hill, CEO da ABA, a Bookshop “chamou a atenção para o canal de livrarias independentes e para a mensagem de que estas são vitais para os livros e para as comunidades”. Também “trouxe novos consumidores, alguns dos quais procuravam alternativas aos grandes retalhistas online”. A Bookshop faz parceria com outros concorrentes da Amazon – a Libro.fm em audiolivros, e a Hummingbird nos e-books.
Ainda assim, há independentes que permanecem cautelosos em relação a qualquer grande livreiro digital. Para amenizar os seus receios, Andy Hunter incluiu nos estatutos a promessa de que a Bookshop nunca irá vender para a Amazon ou qualquer outro grande retalhista. Três membros com direito de voto, num conselho de sete, são proprietários de livrarias independentes. “Queremos garantir a todos que nunca vamos virar o jogo ou apertá-los”, afiança o empreendedor.