Entrevista/ “Acredito que a arquitetura foi uma das profissões que melhor soube adaptar-se ao universo digital”
“Influenciar, para mim, é abrir espaço para o pensamento crítico, para o autoconhecimento e para a criatividade genuína”, defende a jovem brasileira Amanda Ferber, criadora da plataforma Architecture Hunter e uma “Forbes Under 30” que conquistou o mundo da arquitetura.
A brasileira Amanda Ferber fundou a plataforma Architecture Hunter em 2013, quando ainda era estudante de arquitetura e urbanismo no Brasil. Plataforma que hoje conta com uma audiência global de mais de 3 milhões de pessoas. No início de julho, Amanda Ferber esteve em Lisboa, no Beato Innovation District, para participar na 8.ª edição do Archi Summit, um evento dedicado à arquitetura que juntou arquitetos e outros profissionais das áreas de construção.
Reconhecida pelo Feedspot como a principal influenciadora de arquitetura entre os 125 líderes globais no setor, a criadora da Architecture Hunter foi distinguida, em 2018, pela revista italiana Beesness como “a influenciadora dos arquitetos”, e conquistou um lugar na cobiçada lista “Forbes Under 30”, em 2019.
Em entrevista ao Link to Leaders, Amanda Ferber falou da sua experiência na área, do seu projeto de arquitetura, dos desafios que esperam este setor profissional e forma como a tecnologia vai impactar a atividade.
A sua história com a Architecture Hunter começou quando ainda era estudante. O que a levou a criar a página? Tinha a noção do impacto que este projeto poderia ter?
Na época, o Instagram ainda estava no início — a plataforma surgiu em 2010, ficou popular em 2012, e eu criei a Architecture Hunter em 2013. Foi uma das primeiras páginas, no mundo, de curadoria de arquitetura no Instagram. Para ser muito sincera, naquela época ninguém trabalhava com Instagram e nem se falava sobre usar redes sociais de forma profissional. O termo “influencer” sequer existia. Então, eu definitivamente não fazia ideia do que aquilo poderia se tornar.
Criei a página movida por uma vontade muito genuína de compartilhar com o mundo as referências que eu mesma caçava. Era um hobby, algo que eu fazia nos intervalos da faculdade, de forma totalmente espontânea. E o mais curioso é que sempre fui uma pessoa super tímida, então jamais imaginaria que isso se transformaria no que é hoje — o meu trabalho, a minha plataforma e, de certa forma, a minha voz no mundo da arquitetura.
“Nós fomos pioneiros nesse novo jeito de comunicar arquitetura nas redes sociais, mas fazemos parte de um ecossistema formado por muitos outros players brilhantes”.
Como era o cenário digital da arquitetura quando começou e como evoluiu até aos dias de hoje?
Quando comecei, o mundo já estava a dar os primeiros passos rumo à digitalização do acesso à arquitetura. Plataformas como o ArchDaily, o Architizer, o Dezeen, entre outras, já estavam a desbravar esse caminho e tornaram-se responsáveis por tornar o conteúdo de arquitetura muito mais acessível online e, principalmente, gratuito. Antes disso, o acesso dava-se por meio de livros, revistas ou mostras — conteúdos que, muitas vezes, exigiam pagamento. Ou seja, só tinha acesso quem já tinha interesse ou já fazia parte do meio.
Esses sites ajudaram a quebrar essa barreira, oferecendo informação de qualidade para profissionais do mundo todo. Mas ainda assim, o público dessas plataformas era maioritariamente composto por arquitetos e designers. Foi com o Instagram que essa comunicação passou por uma verdadeira revolução. A arquitetura começou a aparecer para quem nem sabia que se interessava por ela — graças aos algoritmos, à lógica de partilha e à espontaneidade da plataforma.
De repente, alguém via um projeto incrível simplesmente porque seguia um amigo arquiteto. O conteúdo deixou de ser algo restrito e passou a fazer parte do dia a dia de qualquer pessoa. Nesse novo cenário, surgiram diversas frentes: arquitetos passaram a divulgar seus próprios projetos de forma mais direta; plataformas editoriais fortaleceram sua presença digital; e páginas de curadoria, como o Architecture Hunter, começaram a ocupar um novo espaço.
Mas é importante destacar que essa transformação foi — e continua a ser — coletiva. Nós fomos pioneiros nesse novo jeito de comunicar arquitetura nas redes sociais, mas fazemos parte de um ecossistema formado por muitos outros players brilhantes. Essa revolução na forma de comunicar arquitetura é um movimento conjunto, e temos muito orgulho de contribuir para ele.
Em 2018 foi reconhecida como “a influenciadora dos arquitetos” e em 2019 integrou a lista Forbes Under 30. O que significaram para si essas distinções?
Sendo bem sincera e transparente, essas conquistas foram muito importantes para mim — não só profissionalmente, mas também pessoalmente. Comecei a Architecture Hunter com 18 anos, e sempre fiz tudo de forma muito intuitiva, movida por uma vontade genuína de compartilhar o que me inspirava.
Na época, eu era uma pessoa super tímida, e a minha autoconfiança foi algo que precisei construir ao longo do tempo. Então, esses prémios tiveram um papel muito especial nesse processo. Ajudaram-se a ver que talvez eu estivesse a contribuir para o mercado de uma forma diferente — e que aquilo que eu fazia com tanta paixão estava, de fato, a gerar algum impacto.
Nem sempre temos a certeza do que estamos a fazer, especialmente quando se está a trilhar um caminho novo, sem muitas referências para se espelhar. Às vezes, o reconhecimento externo também tem esse papel de te fazer olhar para dentro e pensar: “ok, talvez eu esteja no caminho certo”.
E sendo mulher, jovem, num setor ainda bastante tradicional — e mais ainda quando falamos de negócios — esse tipo de reconhecimento foi muito fortalecedor. Claro que também ajudou a trazer mais credibilidade para o projeto como um todo, mas o impacto maior foi mesmo interno: foi no fortalecimento da minha própria confiança, que foi sendo construída ao longo dos anos.
Como é ser uma voz de referência num setor tão técnico e, muitas vezes, tradicional como a arquitetura?
É, ao mesmo tempo, desafiador e inspirador. Justamente por ser um mercado tradicional, existe muito espaço para modernização, para trazer novas abordagens, formatos e formas de pensar. E fazer parte dessa transformação é algo que me motiva muito.
Claro que os desafios existem — muitas vezes é preciso argumentar bastante, mostrar resultados e provar que vale a pena tentar fazer diferente. Nem sempre é fácil convencer de imediato quando você propõe algo fora do convencional.
Mas, por outro lado, sinto que esse cenário também abre oportunidades. Estar entre os pioneiros nesse processo de mudança coloca-nos muitas vezes alguns passos à frente, numa posição de liderança que pode abrir caminho para outros também. Então, é desafiador, sim, mas também extremamente impulsionador. É essa mistura que torna tudo tão interessante.
A Architecture Hunter é hoje uma plataforma com milhões de seguidores. Quem é o seu público e como interage com ele?
O nosso público é incrivelmente diverso, tanto geográfica quanto profissionalmente. Para trazer alguns dados: cerca de 25% da nossa audiência está na Europa, 10% nos Estados Unidos, 9% no Brasil, 7% na Índia, 5% no México, 5% no continente africano e 3% na Oceania. Ou seja, é uma rede verdadeiramente global.
Em termos de perfil, 70% dos nossos seguidores são profissionais atuantes nas áreas de arquitetura, design e urbanismo. Os outros 30% — o que representa mais de um milhão de pessoas — são entusiastas, pessoas que não trabalham diretamente com o tema, mas que se interessam genuinamente por arquitetura e design.
E a diversidade vai mais além. Temos desde estudantes e aspirantes a arquitetos até aos principais escritórios e figuras de referência no setor, como Norman Foster, BIG, MAD Architects, Sanjay Pury, MVRDV e outros nomes que estão a moldar o ambiente construído ao redor do mundo. Por outro lado, também temos seguidores notáveis fora do setor, como o próprio Mark Zuckerberg e até celebridades como Sharon Stone — o que mostra como a arquitetura pode alcançar espaços inesperados e tornar-se uma fonte de inspiração mais ampla.
Um dado que achamos particularmente interessante é que 70% da nossa audiência tem entre 25 e 44 anos, e 13% está na faixa dos 45 aos 54. Ou seja, estamos a falar maioritariamente com um público que já está a atuar no mercado, aberto à inovação e com poder de decisão. Isso é muito significativo, porque reforça o quanto a Architecture Hunter hoje tem influência real no setor — falando diretamente com quem está a fazer a arquitetura acontecer no presente.
Que tipo de conteúdo nota que gera mais impacto e engagement? E como mantém a curadoria com qualidade e relevância?
Hoje, trabalhamos com diferentes tipos de conteúdo — e vemos isso como um funil. Quanto mais amplo e direto for o formato, como uma publicação com uma legenda mais curta, focada em apresentar um projeto, maior tende a ser o alcance. É natural: são conteúdos fáceis de consumir, rápidos, e funcionam como porta de entrada para muita gente.
Mas também produzimos conteúdos mais densos e complexos — como os nossos vídeos editoriais e, especialmente, os webinars que promovemos com especialistas em diferentes temas. Eles atingem um público menor, claro, mas geram um impacto muito mais profundo. São esses que fazem as pessoas pararem, pensarem e, muitas vezes, mudarem seu modo de ver e fazer arquitetura.
Então, para nós, o mais importante é justamente manter esse equilíbrio. Entendemos que conteúdos mais “superficiais” (no bom sentido) também têm valor — porque ajudam a atrair e formar interesse. Eles são a porta de entrada que pode levar alguém a querer aprofundar. E, ao mesmo tempo, temos a clareza de que os conteúdos mais especializados são fundamentais para o legado que queremos construir.
A curadoria da Architecture Hunter parte dessa visão: falar com diferentes camadas do público, com diferentes níveis de profundidade, mas sempre com qualidade, sempre com propósito. Não estamos aqui apenas para “caçar likes”. O nosso foco é criar impacto verdadeiro, em todos os níveis do funil.
“(…) tenho um certo desconforto com o termo “influenciadora”, porque acho que ele se esvaziou muito nos últimos anos”.
Em muitos setores, o marketing de influência é associado à promoção de produtos. No seu caso, tornou-se uma influenciadora que influencia… os próprios profissionais. Como vê este papel?
Para ser bem honesta, tenho um certo desconforto com o termo “influenciadora”, porque acho que ele se esvaziou muito nos últimos anos. Muitas vezes é associado a algo raso, sem profundidade, e isso não representa o que faço nem o que a Architecture Hunter, como equipa, construiu. Na minha visão, a influência deveria ser uma consequência, e não um objetivo. Quando você se torna uma voz relevante dentro de um mercado, quando o seu trabalho gera visibilidade para boas ideias e projetos consistentes, naturalmente você passa a influenciar. Mas isso vem como resultado — não como ponto de partida.
Vejo muitos arquitetos a influenciar o mercado há décadas, simplesmente por fazerem um ótimo trabalho. E o que fazemos hoje é muito semelhante: damos visibilidade para o que consideramos inovador, relevante e transformador. O nosso papel é colocar o foco — a atenção — sobre iniciativas que realmente ajudam a elevar a régua do mercado.
E vale lembrar que a Architecture Hunter hoje é uma empresa, com sócios e uma equipa por trás. Nasceu como um hobby meu, mas tornou-se um projeto coletivo. É claro que, quase como figura pública, acabo por exercer uma certa influência também como pessoa física, mas isso, para mim, continua a ser uma consequência da consistência e do propósito do trabalho que construímos.
Acha que a arquitetura tem sabido adaptar-se ao mundo digital e às novas formas de comunicação?
Sou positiva em relação a isso. É claro que sempre há espaço para evolução, mas acredito que a arquitetura foi uma das profissões que melhor soube adaptar-se ao universo digital — especialmente com a chegada das redes sociais como Facebook, Instagram e Pinterest. Isso acontece, em parte, porque o nosso trabalho tem um resultado altamente visual, e essas plataformas são, por natureza, visuais também. Então, acabam por ser ferramentas quase perfeitas para o nosso setor.
Vejo muitos arquitetos e escritórios a usar o Instagram como portefólio e canal de comunicação já há bastante tempo, até antes de outros mercados começarem a movimentar-se nesse sentido. É claro que ainda há muito a explorar e aperfeiçoar, mas sinto que o mercado de arquitetura, de forma geral, tem sido recetivo às novas formas de comunicação. E justamente por essas ferramentas se conectarem tão bem com a essência do nosso trabalho, a adaptação tende a ser mais natural para nós.
Que tendências vê a surgir na interseção entre arquitetura, tecnologia e comunicação digital?
Considerando que a arquitetura é, no fim das contas, uma ciência humana, feita por e para pessoas, acredito que a comunicação deveria estar cada vez mais intrinsecamente ligada à prática arquitetónica. Um dos desafios que ainda vejo é que, muitas vezes, outras profissões — e até o público em geral — não compreendem com clareza qual é o papel do arquiteto. As fronteiras entre o arquiteto, o engenheiro, o designer de interiores e o decorador, por exemplo, muitas vezes confundem-se. E, embora todos esses campos sejam importantes e complementares, a falta de clareza sobre os limites e responsabilidades de cada um ainda é comum.
É aí que a tecnologia e a comunicação digital entram como uma grande virada. Pela primeira vez, o próprio arquiteto tem nas mãos as ferramentas para comunicar diretamente os porquês do seu trabalho: as suas decisões, as intenções, os raciocínios por trás de cada escolha de projeto. Nada num bom projeto é por acaso — e hoje é possível explicar isso de forma acessível, direta, pessoal.
Antes, esse papel era quase exclusivo dos medias tradicionais. Hoje, está nas mãos dos próprios profissionais. E acredito muito que, nesse novo cenário, o arquiteto também se torna um narrador — alguém que, além de projetar, compartilha sua visão, os seus processos e o seu impacto com o mundo.
Que conselhos daria a jovens arquitetos/as que querem criar impacto?
O meu principal conselho é: procure ser verdadeiro. Não siga fórmulas, não tente copiar outros, e não se prenda a modelos prontos. Existe uma diferença fundamental entre inspiração, referência e cópia. E é muito importante entender isso.
Você pode inspirar-se em qualquer coisa: na natureza, na música, num sentimento, numa conversa, numa viagem. Inspiração é algo sensível, quase subjetivo. Já referência é algo mais técnico, mais concreto — é conhecer o que já foi feito, o que existe como solução, para alimentar seu repertório e ser criativo a partir disso.
Copiar, por outro lado, é justamente o oposto de criar impacto. É esconder-se atrás do que já existe. Por isso, acredito que, se o objetivo é gerar impacto real, o caminho é sempre procurar a sua própria voz, a sua própria abordagem. E isso vale também para a forma como você comunica o seu trabalho. Especialmente no começo, é natural experimentar, testar formatos, inspirar-se em vários estilos diferentes — às vezes até parecer um “Frankenstein” de referências. Mas o importante é ir afinando esse processo e, aos poucos, encontrar a sua autenticidade. Ser autêntico é o que mais conecta. É o que realmente marca. E, no fim das contas, é isso que deixa uma contribuição verdadeira no mundo.
Para terminar, Amanda: o que significa para si “influenciar” no mundo da arquitetura hoje?
Para mim, influenciar hoje deveria ser muito menos sobre oferecer respostas prontas e muito mais sobre provocar perguntas. É sobre inspirar reflexão, gerar questionamentos, instigar as pessoas a encontrarem as suas próprias respostas. Na Architecture Hunter, nunca adotamos uma abordagem do tipo “faça isso desse jeito” ou “essa é a fórmula certa”. Simplesmente porque não acreditamos nisso. Cada contexto é único, cada caminho é diferente, e é justamente isso que torna a arquitetura (e qualquer processo criativo) tão rico.
Vivemos uma era em que, paradoxalmente, o excesso de fórmulas e de conteúdos simplificados está a gerar uma certa homogeneização — e isso não acontece só na arquitetura. Está presente em praticamente todas as áreas: na moda, na estética, no design, no comportamento. Mas a arquitetura também não escapa disso. Estamos a ver uma repetição de padrões, uma certa perda de autenticidade, o que vai completamente contra a ideia de criatividade e originalidade que deveria guiar qualquer campo criativo.
Por isso, acredito que o verdadeiro papel de quem influencia hoje é o de inspirar, não o de ditar. É fazer com que as pessoas se perguntem “por que não?” ou “e se fosse diferente?”, ao invés de simplesmente seguirem um roteiro pré-estabelecido. Influenciar, para mim, é abrir espaço para o pensamento crítico, para o autoconhecimento e para a criatividade genuína.
Respostas rápidas:
Maior risco: Transformar um hobby de faculdade num negócio global, sem nenhuma certeza de que daria certo.
Maior erro: Por um tempo, duvidar do valor do meu próprio olhar.
Maior lição: Confiança constrói-se com o tempo — e às vezes, no início, pode vir de fora para dentro também. E está tudo bem.
Maior conquista: Criar uma plataforma que ajuda a redefinir a forma como a arquitetura é percebida no mundo.








