Entrevista/ “A vida não acontece se não falarmos com estranhos”
“Os jovens querem ser influenciadores, mas não sabem que tipo de influência querem ter. Dizem `quero ser famoso, ter muitos seguidores´, mas não têm mensagem nenhuma. Isso é perigoso. É o vazio. A influência verdadeira começa na empatia e no impacto real nas pessoas à sua volta”, afirma o escritor britânico Nicholas Boothman que viveu em Lisboa, cantou no hotel Solimar e escreveu o seu primeiro livro em Cascais.
Nicholas Boothman não é o típico especialista em comunicação que conhecemos. Ex-fotógrafo de moda, ex-músico e ex-publicitário, já “viveu mil vidas” antes de se tornar num dos nomes mais influentes da comunicação interpessoal. Com um humor contagiante e uma abordagem prática, é autor do bestseller “Como Fazer os Outros Gostar de Si em 90 Segundos”, que acaba de chegar às livrarias portuguesas. Uma obra que foi escrita em Cascais.
Numa conversa intimista e descontraída, que aconteceu na livraria Bertrand do Chiado, Boothman fala-nos da sua ligação especial ao país, da urgência de reaprendermos a criar ligações humanas e do que realmente importa quando queremos deixar uma marca. “Basta começar com o mais simples: olhar nos olhos, sorrir, adotar uma linguagem corporal aberta, mostrar que está presente. Encontrar um terreno comum”, garante Boothman, que defende que basta apenas um minuto e meio para causar uma boa primeira impressão.
Comecemos com uma pergunta simples: o que o liga a Portugal?
Vivi em Lisboa durante bastante tempo. Tive um estúdio de fotografia aqui no último andar de um prédio lindíssimo e antes disso cantava num hotel chamado Solimar. Depois cantei também na faculdade. Uma das minhas filhas vive aqui e é sempre um prazer voltar. Faço questão de voltar sempre. A alma de Portugal é única! Aliás, quando morrer, quero que as minhas cinzas sejam espalhadas na baía de Cascais.
“Escrevi o primeiro rascunho no restaurante Bijou, em Cascais, que infelizmente já não existe”.
E foi em Cascais que começou a escrever o seu livro?
Exatamente! Escrevi o primeiro rascunho no restaurante Bijou, em Cascais, que infelizmente já não existe. Ouvia conversas à volta, tomava notas em guardanapos e depois, em casa, passava tudo a limpo. Por volta da uma da tarde enviava o texto para Nova Iorque. Foi assim que tudo começou.
Disse que quando fala português se sente uma pessoa diferente. O que quer dizer com isso?
É verdade. Quando falo em português, sou mais divertido, mais espontâneo. É como se fosse aquele miúdo “tolo” da faculdade, a conduzir um 2CV pelas ruas de Albufeira, a anunciar concertos. Em inglês, às vezes sou sério demais.
“Conheci demasiadas pessoas com imenso potencial, mas sem competências sociais”.
O que o levou a escrever o livro “Como Fazer os Outros Gostar de Si em 90 Segundos”?
Conheci demasiadas pessoas com imenso potencial, mas sem competências sociais. Eram como rosas com um elástico à volta — não chegavam a florescer. Como pai de cinco filhos e como fotógrafo que conheceu milhares de pessoas em todo o mundo, achei que tinha de fazer alguma coisa. Comecei a falar com jovens que procuravam emprego, ofereci-me para lhes explicar como comunicar numa entrevista. Três dias depois, já havia 1400 alunos inscritos. Pensei: “Isto é grande. Tenho de escrever um livro.” E escrevi.
O livro ensina a causar uma boa impressão em 90 segundos. Isso ainda faz sentido hoje em dia e num mundo dominado por ecrãs?
Faz ainda mais. Porque o oposto da conexão é a solidão e hoje temos uma geração de pessoas sobreexpostas, mas subestimuladas. Não têm competências sociais. E, a dada altura, vão precisar delas. A vida não acontece sem falarmos com estranhos. Quer ir ver um concerto? Arranjar um emprego? Viver uma boa história? Vai ter de falar com alguém.
Acredita mesmo que decidimos se gostamos ou não de alguém nos primeiros segundos?
Não sou eu que digo. É a ciência. Há estudos que mostram que bastam dois segundos – às vezes menos. Um grupo de alunos viu clipes de dois segundos de professores sem som e chegou às mesmas conclusões que outros que tinham assistido a um semestre inteiro de aulas. Mas, claro, se eu tivesse chamado ao livro “Como Fazer os Outros Gostar de Si em Dois Segundos”, ninguém comprava.
E conseguimos mudar essa primeira impressão?
Sim. Basta começar com o mais simples: olhar nos olhos, sorrir, adotar uma linguagem corporal aberta, mostrar que está presente. Encontrar um terreno comum. Tudo começa por aí.
“Só crescemos quando arriscamos e quando aprendemos algo novo”.
Essa facilidade em criar empatia é algo com que se nasce ou pode ser treinada?
Claro que pode ser treinada. Não existe isso de “ser tímido”. Pode-se ser reservado ou cauteloso, mas não se nasce tímido. Temos é muitas gerações criadas por pais sem competências sociais que dizem: “não fales com estranhos”, “joga pelo seguro”. E sem risco não há crescimento. Só crescemos quando arriscamos e quando aprendemos algo novo.
Falou em “encontrar um terreno comum”. Isso aplica-se também ao mundo dos negócios?
Mais do que nunca. Os grandes líderes que conheci – presidentes de empresas, gestores de topo – encontravam algo em comum comigo nos primeiros 20 segundos. Um dizia “gosto do seu sotaque britânico”, outro falava de Londres. Está feito. Comunicação é isto: empatia, sintonia, observação.
E os jovens líderes de hoje que querem ser mais carismáticos?
Primeiro, precisam de decidir o que é que realmente querem. Não é “quero ser um líder” – isso não é um objetivo. É: “quero levar esta ideia a acontecer”, ou “quero melhorar a vida da minha equipa”. Depois, perceber como está a correr. Mal? Então muda.
KFC: Saber o que quer, perceber o que está a conseguir, mudar o que está a fazer (Know what you want, Find out what you’re getting, Change what you do). E lembrar-se sempre de uma coisa: a vida não acontece se não falarmos com estranhos.
“A influência verdadeira começa na empatia e no impacto real nas pessoas à sua volta”.
Hoje, muitos jovens dizem que querem ser influencers. Qual é a sua opinião sobre o tema?
Os jovens querem ser influenciadores, mas não sabem que tipo de influência querem ter. Dizem “quero ser famoso, ter muitos seguidores”, mas não têm mensagem nenhuma. Isso é perigoso. É o vazio. A influência verdadeira começa na empatia e no impacto real nas pessoas à sua volta.
Há leitores que o tenham marcado com os seus testemunhos?
Muitos. Uma mulher dos EUA escreveu-me a dizer que tinha conseguido o primeiro emprego na Mercedes-Benz depois de ler o livro. Um homem no Texas, sem qualquer confiança, entrou num grupo de teatro e acabou a interpretar o Frank-N-Furter no Rocky Horror Show. Trouxe a família toda para o ver. Outro, dono de uma empresa de apoio a idosos, disse-me: “Sinto-me como se estivesse no fundo de um poço.” A solução? Improviso. Falei-lhe de teatro de improviso como solução. Ele experimentou. Mudou tudo. São histórias que nunca esqueço.
Novidades que podemos esperar em breve.
Sim. Acabei há pouco o meu novo livro. É sobre stress. Chama-se “Less Stress, More Yes“. É um livro simples, direto, que mostra como o stress corrói a nossa energia e nos impede de criar ligações reais. E liga-se diretamente ao tema deste: para muitos jovens, hoje, até fazer um simples telefonema já é um fator de stress. Precisamos de reaprender a comunicar. E isso começa no básico: presença, empatia, curiosidade.
Mesmo com tudo o que sabe, já houve quem tentasse provar que o seu método não funcionava?
Claro. Quando o livro saiu, o New York Times levou-me para a rua e desafiou-me a abordar polícias, empregados malcriados no Carnegie Deli, desconhecidos no metro. Tentaram provar que o método não funcionava. Mas funcionou sempre. Com uma exceção: o Washington Post. Um jornalista desceu do elevador, olhou para mim e disse: “Faz-me gostar de ti.” Respondi: “Tu já decidiste o que sentes sobre mim. E eu também.” Ele só queria detestar-me. Mas no fim, escreveu que o livro era “um clássico”. Ironias da vida.
E se tivesse de resumir o seu método numa frase?
Quando as pessoas gostam de si, veem o melhor em si e procuram razões para dizer que sim. E se quiser que digam “sim”, tem de começar por criar uma ligação genuína.








