Opinião

Neuroempreendedorismo na tomada de decisão

Isabel Neves e Isabel Moço, diretoras da Pós-Graduação em “Empreendedorismo e Inovação” da Universidade Europeia

Entendamos “empreender” de um ângulo diferente e aqui assumido como o permanente exercício de decisão, nem sempre com variáveis controladas. Lançar um negócio, investir recursos, formar equipas, definir preços e margens, ou mesmo abandonar um produto/serviço, são decisões com impacto elevado, frequentemente tomadas com informação incompleta e sob pressão.

Se na equação colocarmos “saber e experiência”, os impactos da tensão provocada por estas decisões que pode ser relevante, poderá ser progressivamente atenuada, mas não há dúvida que nem todos temos essa capacidade de decisão “na linha de fogo”. A neurociência oferece contributos valiosos para compreender os mecanismos que operam no cérebro, nessas condições, a que agora chamaremos de neuroempreendedorismo.

A ideia central é simples, mas disruptiva, eventualmente até polémica: as decisões, sobretudo em contexto profissional/empresarial não são apenas racionais ou estratégicas, mas transversalmente marcadas por uma componente biológica e emocional. Emoções, stress, memória, enviesamentos cognitivos e hormonas, influenciam, de forma decisiva, a forma como avaliamos pessoas, riscos e oportunidades. O córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisão lógica e planeamento, mas também prelo processamento emocional e o comportamento social, interage permanentemente com o sistema límbico, onde se processam emoções como medo, euforia ou frustração.

Estudos com recurso a ressonâncias magnéticas revelaram que empreendedores experientes ativam áreas cerebrais distintas, em comparação com gestores tradicionais ou iniciantes. Uma investigação publicada no Journal of Business Venturing[1] concliu que empreendedores treinados e experientes apresentavam maior ativação na região do córtex, associada à flexibilidade cognitiva e capacidade de alternar entre pensamento exploratório e decisório. Isto pode explicar a aptidão para lidar com ambiguidade, prototipar soluções, e tomar rapidamente decisões seguras. Claro que o risco associado à tomada de decisão, pode ser distinto e isso ter efeito, pois na realidade, não estamos a referir-nos a “decisões de moeda ao ar”.

Abordemos agora o “flow empreendedor”, visto como o estado mental de foco profundo, em que o indivíduo perde a noção do tempo e da autoavaliação, experimentando uma sensação de desempenho ótimo, tantas vezes revelado pelo empreendedor como um “entusiasmo eufórico” com o seu empreendimento. Este estado parece mais frequente em empreendedores nas fases de criação ou negociação, o que pode ser crítico pois este estado parece acarretar uma redução da autocrítica, embora permita maior criatividade.

O cérebro está longe de ser uma máquina perfeita, e em situações de elevado stress ou incerteza extrema, com uma maior produção de cortisol (a hormona do stress), o empreendedor pode “cair” num estado de paralisia decisional ou, em sentido contrário, de impulsividade. Da mesma forma, os chamados “enviesamentos cognitivos”, como o viés de confirmação, ancoragem ou excesso de confiança, podem afetar negativamente decisões importantes. A única salvaguarda do empreendedor é reconhecê-los.

Conjugando estas duas abordagens, defende-se que a formação para empreendedores não descure a capacitação/literacia emocional, o trabalho aprofundado de autoconsciência e o domínio de ferramentas de gestão neurocognitiva. Um passo importante, pode ser ajudar o empreendedor a “localizar-se”, apurando perfis, por exemplo perfis mais resilientes ou inovadores, embora não sejamos indiferentes a que esta abordagem pode implicar desafios éticos, como por exemplo, no acesso a oportunidades, ou mesmo financiamento.

O neuroempreendedorismo pode oferecer um novo ângulo de desenvolvimento do empreendedor, reconhecendo que a tomada de decisão é influenciada por processos complexos e podemos (mais, devemos) desenvolver abordagens mais humanas, personalizadas e eficazes na formação, apoio e desenvolvimento dos mesmos e dos seus projetos.

[1] Laureiro-Martinez, D. (2014). Cognitive control capabilities, routinization propensity, and decision-making performance. Organization Science25(4), 1111-1133.

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