Opinião

O valor das pessoas

José Manuel Fonseca, investigador

Um dos problemas mais fascinantes da moderna vida organizacional consiste na determinação do “valor” dos recursos humanos. Valor do desempenho, valor potencial do seu desenvolvimento.

Claro que poderíamos dizer que os rituais de “avaliação de desempenho” são, apenas, mais uma forma de proteção que encontrámos, para evitar ter conversas normais e vulgares com os que nos rodeiam, por forma a estabelecermos relacionamentos satisfatórios, simples, eficazes e produtivos.

Mas não. Parecemos preferir evitar completamente ter de enfrentar o “outro”, mormente em aspetos em que a dissensão pode emergir, com todo o cortejo de coisas desagradáveis e viscosas, como emoções, que daí, em geral, advêm.

O valor das pessoas é de geometria variável, aumentando com circunstâncias e coincidências, como ser amigo de um chefe de gabinete do ministro, e baixando quando a saída das pessoas parece inevitável ou desejável.

Se as pessoas saem por sua iniciativa, existe um fenómeno de rejeição sentido por quem fica, traduzido num processo de dissonância cognitiva que só pode ser resolvido pela desvalorização da pessoa que sai, ao fim e ao cabo um inútil ou um “desgraçado” que só já mantínhamos por mera caridade.

Se a pessoa que sai era importante para a organização, trata-se, adicionalmente, de um “mal-agradecido que estávamos à beirinha de promover a diretor-geral de sistemas transversais e que, afinal, saiu como um “traidor”, por vezes sem “escrúpulos”…

Sempre achei extraordinários os diálogos de separação, quer nas relações pessoais, quer nas relações de trabalho. Curiosamente, nos últimos tempos, o valor das pessoas não está associado ao seu passado. O valor da pessoa não apresenta correlação com os desempenhos anteriores, mas sim com uma noção de “potencial”.

Reenquadrando tudo no “potencial”, fazemos depender do futuro, sempre deslizante, uma opinião sobre o valor de qualquer pessoa.

Poderemos sempre argumentar que ainda não “vimos” nada de extraordinário, colocando sistematicamente tudo em questão, nomeadamente gerando na pessoa uma angústia sempre renovável pela necessidade de “provar” de novo e, sempre no futuro, o que vale, o que, mormente em contextos voláteis com os do presente, se torna um exercício de aceitação da incerteza e de insegurança verdadeiramente notável. Isto tem a vantagem de desgastar bastante as pessoas, cujo património de vida, de experiência e de bom trabalho numa qualquer organização será sempre desvalorizado e sem relevo.

Criam-se organizações sem memória, sem lealdades nem cumplicidades duradouras entre os seus habitantes, mas aos quais será, necessariamente, exigida uma dedicação e comprometimento organizacional unilaterais.

É talvez por isso que, a muitos de nós, pensando nas relações e “contratos psicológicos” de trabalho com algumas organizações, ocorre a memória da figura imortalizada pelo Bordalo Pinheiro.

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