Opinião

O valor da integridade

Eugénio Viassa Monteiro, professor da AESE-Business School*

O Dr. Sreedharan foi convidado a presidir ao Delhi Metro Rail Corporation, DMRC. Era bem conhecido por isolar os projetos que dirigia, das pressões políticas; e de conseguir compromissos para premiar nos casos de antecipação das obras.

Fora presidente do Konkan Railways, uma linha férrea na costa ocidental, em terreno montanhoso e irregular nos Gates, começando perto de Mumbai, atravessando Goa e indo a Karnataka. O Konkan R., com 740 kms de extensão, tem duas mil pontes e 91 túneis e foi construído em sete anos.

O Metro de Delhi
É admirado pelo rigor da execução: a 1.ª fase terminou 2,75 anos antes do prazo e dentro do orçamento. Conta com 231 Kms das duas primeiras fases. E, ao terminar a 3.ª em Dezembro de 2018, e a 4.ª em 2022, terá 456 Kms.

A evidência de que na Índia se podem fazer grandes obras, sem atrasos e dentro dos custos, quando dirigidas por pessoas íntegras, foi um enorme alívio e motivo de decisão para os Governos Estaduais se lançarem a fazer os metros de Mumbai, Bangalore, Chennai, Hyderabad, Jaipur, Ahmedabad e Kolkota, todos eles com as primeiras fases já em funcionamento e hoje em grande expansão.

Com o socialismo indiano logo após a Independência, para engolir o travo amargo do colonialismo – que só destruiu e espalhou a fome – e para evitar os novos “exploradores”, criaram-se apertados controlos e a burocracia resultante originou um ambiente de favoritismos e de suborno.

Nesse ambiente, a primeira fase do metro de Delhi foi um respirar de alívio e ganhar confiança. Para a movimentação nas grandes cidades, o metro é o meio ideal. Ao ser, em parte, subterrâneo, dá frescura; com uma via dedicada, dá previsibilidade na hora de chegada; com uma frequência bem estudada, minimizam-se os tempos de espera. E com o espaço interior das estações e das carruagens bem cuidado, faz com que os cidadãos adiram à limpeza.

Nos países ditos ricos ou evoluídos, não há menos corrupção. Algumas empresas não entram nos concursos, para não terem de se sujar; ou, entram para saírem limpamente, sem trabalho, marcando uma posição de verticalidade, que mesmo os colegas manchados não deixam de admirar.

O Dr. Sreedharan empenhou-se em criar um meio de transporte ao serviço do utente. E isso nota-se também na informação que o utilizador obtém da internet: é completa e exata! Num “metro” tão extenso, mais de seis vezes o de Lisboa (virá a ser em breve mais de 10 vezes, com mais de oito linhas a funcionar), basta indicar a estação de entrada e o local onde se pretende ir. Dá logo as estações de cada linha a percorrer, onde mudar para a linha seguinte, e depois para a terceira, etc; dá o tempo total da viagem, a distância e o custo.

As carruagens têm indicações das estações, que são anunciadas em hindi e inglês. A 1.ª carruagem é reservada para senhoras e em cada uma das outras, a bancada tem dois lugares para pessoas necessitadas. O pagamento é por cartão recarregável.

A cidade sofreu o impacto da construção, tão extenso é. Mas os trajetos alternativos para os automóveis foram estudados e sinalizados para minimizar os incómodos. Todas as obras do metro são de uma “instituição com dono”, pois desde o primeiro momento Sreedhara “agarrou” todo o processo: as adjudicações, o controlo dos custos, e que cada obra estivesse bem acabada. Ele “criou escola” que se mantêm ativa, com eficácia reforçada e imitada pelos outros “metros”.

O “DMRC” constituiu-se em 3 de Maio de 1995, com igual participação do Governo do território da capital, Delhi, e do Governo Central, com o fim de criar um sistema de transporte em massa, rápido. O DMRC inaugurou o primeiro corredor em 25 de Dezembro de 2002. A primeira fase, com 65 Kms foi terminada muito antes do prazo, em 2005. A partir daí, o metro completou outros 125 Kms da segunda fase, em apenas 4,5 anos, três anos antes do prazo programado. Assim, hoje o sistema conta com 231 kms e 173 estações. Tem em funcionamento 314 composições de 4, 6 ou 8 carruagens cada, conforme as linhas e a afluência.

O metro faz também ligação às cidades satélites de Noida, Gurgaon, Faridabab e Ghaziabad. Os comboios fazem uma média diária de 3 000 viagens e em 2016/17 transportaram 2,76 milhões; servem 1.000 milhões ao longo do ano. A frequência nas horas de ponta é de 1 a 2 minutos, passando para 5 a 10 nas horas de menor movimento. A velocidade típica de circulação é de 50 kms/h, com uma paragem de 20 segundos em cada estação.

Integridade pessoal e consequências sociais
Mais de 3500 “seguranças” estão disseminadas pelo sistema para fazerem respeitar as disposições de ordem e segurança. Cada estação tem à entrada detectores de raios-X e cães treinados para inspecção da bagagem. Mais de 5,200 câmaras CCTV cobrem os pontos de confluência e recantos perdidos da estação. Uma estação subterrânea tem cerca de 50 câmaras, mais de três vezes das estações à superfície.

Proibido comer, beber, fumar ou mastigar pastilha elástica em todo o sistema, o que é rigorosamente feito cumprido. Tem um bom sistema de alarme para aviso das emergências; usa materiais retardadores de combustão nos comboios e estações.

Dada a alta performance do Dr. Sreedharan, aliada à sua personalidade e valores, a decisão de construir outros metros e obras de envergadura acelerou-se. Ter pessoas íntegras e dedicadas a dirigir projetos/instituições, manejando elevados orçamentos, são um descanso pela certeza de que as finalidades serão eficazmente alcançadas.

Faz falta fortalecer e generalizar uma cultura de serviço, de fazer sempre muito bem, pensando nos milhões de beneficiários. O Dr. Sreedharan foi um dos impulsionadores da Foundation for Restoration of National Values. Ela pretende “restaurar os valores nacionais e culturais que individual ou coletivamente encontram abrigo na mente e na persuasão, como sendo verdadeiros, éticos, patriarcais e da sociedade, tanto nas aspirações como nos objetivos”.

 

[1] Professor da AESE-Business School  e do IIM-Rohtak (Indian Institute of Management), dirigente da AAPI.

 

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Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro, cofundador e professor da AESE, é Visiting Professor da IESE-Universidad de Navarra, Espanha, do Instituto Internacional San Telmo, Seville, Espanha, e do Instituto Internacional Bravo Murillo, Ilhas Canárias, Espanha. É autor do livro “O Despertar da India”, publicado em português, espanhol e inglês. Foi diretor-geral e vice-presidente da AESE (1980 – 1997), onde teve diversas responsabilidades. Foi presidente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-India e faz parte da atual administração. É editor do ‘Newsletter’ sobre temas da Índia,... Ler Mais..

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