Opinião
Um país em TAP(a) buracos

O tema TAP tem sido de tal forma cabeça de cartaz nos últimos meses – com muitos e longos capítulos – que por vezes nos esquecemos dos sérios problemas macroeconómicos e de competitividade que enfrentamos. É pena que um país que tem tudo para navegar a grande velocidade – e que outrora já o fez, literalmente, por mares nunca dantes navegados – esteja hoje à deriva e a meter água por todo o lado. Ainda haverá boia de salvação?
Resgate, mais de 3 mil milhões de euros, demissões, comissões de inquérito, caso “A. Reis”, BMWs, amigos, maridos e mulheres, amigos dos maridos e mulheres, despedimentos com ou sem justa causa, CEO que não é CEO, bónus e não bónus, greves de pilotos, cancelamentos de voos. Para quem procura emoção e acontecimentos, por aqui não tem faltado. O que tem faltado, por outro lado, é a capacidade de olhar objetivamente e criticamente para o caminho que o país está a tomar, de perceber as causas e consequências disso, e acima de tudo de trabalhar para inverter a situação em vez de tentar colocar remendos.
Em 2022, Portugal foi ultrapassado pelas economias da Estónia e da Letónia em termos de PIB per capita, e é esperado que seja ultrapassado pela Roménia (um dos países mais pobres da Europa) em 2024. Para podermos comparar, desde 2000 o PIB per capita de Portugal cresceu cerca de 8%, enquanto o da Irlanda cresceu 74% e da Letónia cresceu 91%. Entre 2021 e 2022 perdemos também 6 lugares no ranking de competitividade do IMD. Num país que é supostamente tão atrativo para turistas e para estrangeiros, que tem um clima favorável a todos os níveis, que beneficia da proximidade do mar e da sua economia, que tem uma localização geográfica tão apetecível, que é ou pode ser a “Silicon Valley” da Europa, como se justifica que Portugal seja o 7º país mais pobre em PIB per capita na Europa, e esteja a piorar?
Decidi aproveitar as potencialidades do Chat GPT e perguntei-lhe, sem nunca referir nome algum, o que deveria fazer um país a perder competitividade, com um GDP per capita relativo cada vez pior, e num contexto de elevadíssima inflação. Fiquei surpreendido ao verificar que para todas as 7 principais medidas propostas, ou estamos a fazer diferente, ou claramente não estão a surtir efeito. Ora vejamos:
1.“Implementar políticas para atrair investimento estrangeiro – Criar um contexto regulatório e de negócio estável que encoraje o investimento estrangeiro e a entrada de capital, tecnologia e know-how”. Se é verdade que nos últimos anos Portugal até tem melhorado no ranking de investimento estrangeiro, muito à boleia de uma excelente atratividade no setor do turismo e imobiliário, e de muito investimento Chinês na economia, algumas medidas por exemplo de habitação (ex, fim dos Vistos Gold ou alteração do contexto regulatório e tributação) não contribuem para a atratividade de um país que precisa tanto desse investimento estrangeiro, e acima de tudo não demonstram a estabilidade e previsibilidade que um investidor procura.
2.Encorajar a inovação e o empreendedorismo, através de incentivos fiscais, educação e training, bem como suportar R&D em setores chave que possam promover a competitividade. Que Portugal tem, por todas as razões e mais alguma, potencial para ser um destino atrativo para as start-ups de todo o mundo, e para ser o local de eleição para o lançamento de negócios, creio que sobre isso não há dúvidas. Mas para isso tem que haver um contexto regulatório favorável, tanto ao nível das corporate, premiando esse investimento, como o ao nível das start-ups. Relativamente a este último, surgiu a lei das start-ups, recentemente aprovada no parlamento. Depois da promessa da “melhor lei da Europa, talvez do mundo”, não deixa de ser curioso e surpreendente que as principais start-ups portuguesas sejam todas contra esta lei, que desde logo “desconfia” e afasta os fundadores e gestores destas start-ups. Ora do ponto de vista dos fundadores, excluí-los desta lei é não conhecer a realidade do ecossistema, uma vez que tantas start-ups são apenas compostas precisamente por fundadores e gestores, e acima de tudo porque neste tipo de empresas o que é realmente driver de investimento é a equipa que está por trás dela. É caso para dizer que, e desculpem-me a expressão, “a montanha pariu um rato”.
3.Aumentar e melhorar a educação e o training – investir em educação para desenvolver mão-de-obra qualificada para competir no mercado global. Este é para mim dos temas mais sensíveis e que me custa mais a digerir, uma vez que “a educação é a arma mais poderosa que podemos utilizar para mudar o mundo” (Mandela). Portugal investe hoje menos em educação do que há 20 anos, e o que temos vindo a assistir este ano é representativo disso mesmo – não há professores, os alunos não têm aulas, muitas greves, e uma progressiva baixa de exigência. Apesar de tudo, o investimento de muitos privados, principalmente no ensino superior, tem conseguido formar talentos de uma altíssima qualidade, mas que invariavelmente não conseguimos manter, pois emigram para ganhar múltiplas vezes mais. Para os que ficam, não é surpresa que Portugal seja o país da Europa em que os jovens saem mais tarde de casa dos pais.
4. Promover a transparência e reduzir a corrupção. Quando todos os dias vemos que alguns temas nos diferentes contextos da sociedade passam a ser tão normais que a população deixa sequer de questionar, é sinal que infelizmente já tacitamente aceitámos a situação. “É só mais uma”. Portugal aliás está abaixo da média Europeia também no Índice de Perceção da Corrupção. Quando tanta coisa fica impune, quando não há a transparência necessária, e a justiça não funciona com celeridade, como poderá este ser um contexto atrativo e contributivo para a competitividade?
5. Melhorar o sistema fiscal, de forma a encorajar o investimento e o crescimento. Portugal surge no fundo da tabela (36º em 38) no índice de competitividade fiscal, com a segunda maior taxa nominal de impostos sobre o lucro, uma asfixia fiscal sobre as empresas. Se é evidente que os investidores procuram lucro e retorno, se em Portugal penalizamos como ninguém esse lucro, quem quererá investir aqui?
6. Implementar medidas de apoio a PMEs, que são tipicamente a maior fonte de crescimento e emprego. Para dar um exemplo do que não está a ser feito, um estudo mostra que a ajuda do Estado às PMEs durante a pandemia não chegou a um quarto destas empresas. A burocracia, a falta de agilidade, as constantes mudanças e asfixia fiscal não contribuem de forma alguma para o sucesso do tecido empresarial português, que luta todos os dias pela sobrevivência, e por continuar a dar emprego a tantos portugueses. Tínhamos uma oportunidade muito importante no PRR, mas dos primeiros fundos apenas 1% se destinou a empresas e famílias, e agora até é “praticamente impossível” executar tudo até 2026. Enquanto não percebermos que é a iniciativa privada que move o país, vamos continuar a perder competitividade.
7.Implementar medidas de controlo da inflação. Igualmente neste tema estamos pior que a média europeia, com uma inflação acima de grande parte dos outros países. Até têm surgido pacotes de medidas, mas acabam por parecer sempre um pouco “tapa buracos”, e sem uma análise objetiva da génese dos problemas. Por exemplo, primeiro foi a tentativa de fixar preços (contrariando a lei natural da oferta e da procura), depois a retirada do IVA (uma clara ajuda às famílias), mas sem resolver o real problema – a inflação no produtor. Enquanto não atuarmos onde estão os reais problemas, andamos só a colocar pensos rápidos sem nunca tratar realmente as feridas.
Overall, será que é o Chat GPT que está completamente errado? De uma forma ou de outra, os resultados negativos estão à vista – vivemos em modo tapa buracos (e demasiado ocupados com a TAP) e a correr atrás do prejuízo, e a mim pessoalmente custa-me ver o país de que tanto gosto, e no qual vejo tanto potencial, a perder atratividade a nível internacional. Fica a reflexão.