Opinião
Um grito de morte à liderança: o quiet quitting

Como todos sabem, o quiet quitting não é mais que uma situação, não tão circunstancial quanto isso, em que tu, enquanto colaborador de uma empresa, te desvinculas ou vais desvinculando do teu trabalho, tornando-te cada vez menos comprometido com a organização, o que te faz quase literalmente parar de contribuir de forma efetiva para a mesma e sem formalmente te demitires da mesma.
Em termos práticos, continuas a ter salário, porém, não estás a fazer rigorosamente nada de útil. Estás desvinculado. E, portanto, queira-se ou não, o teu propósito – como hoje se diz – não intersecta com a empresa que te paga. Estás mais do lado do dinheiro fácil que do trabalho com sentido.
O fenómeno, que tem vindo a ser estudado e abordado de várias formas, é claramente prejudicial para as competências de liderança que se pretendem desenvolver em ambientes de trabalho.
Porém, se por um lado queres mais e mais liderança e, por outro, te demites então há qualquer coisa que não está bem. Esquizofrenia para começar. Depois, ou a rematar, o contributo que estás a dar para desagregar por completo a cola cultural da organização. Como se já não bastassem muitas outras bizarrias atuais.
Mas vamos aos impactos negativos para a liderança:
- A perda de produtividade gerada pelo teu quiet quitting é a consequência do desinvestimento no rácio output/input. Se o input é cada vez menor pois é natural que o output venha afetado bem como o rácio como um todo. Se antes investias 1 para ir buscar 2 em output e agora investes 0,5 para ir buscar 1 o rácio mantém-se, mas o teu contributo global para a organização é bem menor em termos holísticos. Como é menor também, tendencialmente, o rácio. Se investes apenas 0,5 é natural que o output caia para 0,7 ou 0,6 ou menos. Isto tem consequências desastrosas numa altura em que a produtividade é fundamental. Essa tua falta de produtividade mina a capacidade de um líder para alcançar metas com a sua equipa e para a organização e tem um impacto obviamente negativo no resultado final. Imagina-te agora do lado da liderança. Como lidarias com o quiet quitting na tua equipa?
- A erosão da confiança: O teu quiet quitting contribui para a erosão da confiança dentro da tua equipa ou organização. Quando te desvinculas silenciosamente, isso conduz a uma quebra de confiança entre os membros da equipa a que pertences e os teus líderes sentem que as tuas preocupações não se ouvem pelo que nem podem ser tomadas em consideração. Queres liderar? Pois imagina o que será quando tiveres alguém em quiet quitting.
- A degradação moral: À medida que começas a testemunhar que também os teus colegas se estão a desvincular e a renunciar silenciosamente, isso afeta negativamente a moral geral da equipa a que pertences. A diminuição da moral leva a uma diminuição na colaboração, cooperação e trabalho em equipa, aspetos críticos para uma liderança eficaz. Põe-te mais uma vez, também, no papel de líder de uma equipa em quiet quitting. Podes imaginar o que seja?
- A comunicação torna-se totalmente ineficaz: Os líderes dependem de comunicação aberta e eficaz para entender as necessidades e desafios das suas equipas. Normal, quando recorres a quiet quitting passas a evitar a comunicação das tuas questões e preocupações, dificultando a capacidade da liderança em fornecer o suporte e a orientação necessários. O feedback. O contributo para o teu propósito.
- O esvaziamento de talentos: Porque o quiet quitting te pode levar à perda do teu próprio talento, do talento coletivo e da construção em conjunto. Se não colocas à organização as tuas preocupações e questões, deixando de as abordar, podes imaginar que quem trabalha ao teu lado te deixa de achar qualquer graça e o teu contributo passa a ser considerado inexistente. É um proxy para que tu vás perdendo talento e os talentos que te circundam vão perdendo a paciência para trabalharem ao teu lado. Nada acrescentas e nada dás. Mais, se estiveres do lado dos que não praticam quiet quitting imagina a frustração de trabalhares com pessoas assim. Imagina então o papel das lideranças quando os liderados estão em quiet quitting?
- As oportunidades de melhoria desperdiçadas: O quiet quitting impede que os líderes identifiquem e abordem problemas dentro de suas equipas ou organizações. E isso obviamente priva os líderes da possibilidade de fazer melhorias necessárias e de fomentarem um ambiente de trabalho mais saudável.
Muito resumidamente, o quiet quitting é fortemente prejudicial para as competências de liderança porque mina a produtividade, a confiança, a moral e a comunicação dentro de uma equipa ou organização. Líderes eficazes devem estar atentos para detetar sinais de quiet quitting, procurando abordar essas questões para manter a equipa motivada, committed e em regime de alto desempenho.
Não digas, pois, que o quiet quitting é uma via para a ambição discreta e reporta o teu desejo e a tua determinação para poderes alcançar objetivos, causar um impacto significativo ou atingir o sucesso, mas de uma maneira contida, modesta e discreta. Isso é deturpar as coisas. Ao quiet quitting não subjazem uma forte motivação e determinação internas sem que sejam acompanhadas por demonstrações externas de ambição ou autopromoção. Se tens uma ambição discreta e trabalhas frequentemente com dedicação e persistência, estabelecendo e perseguindo os teus objetivos com foco e determinação, sem buscar ribalta ou reconhecimento não estás em quiet quitting. Mais depressa estarás em modo de servant leadership. Não confundas, pois, o que não pode nem deve ser confundível.
Numa altura em que nunca se falou e fez tanta formação em liderança das duas uma: ou se faz porque se querem combater estes fenómenos (e talvez não seja a melhor forma, mas isso daria outro artigo) ou se faz porque sim, porque é preciso formar em liderança. E aí entra o que digo há muito tempo: pretendes formação em liderança para que objetivos? E porque o fazes, i.e., diz-me as tua dores? Não basta fazê-lo porque sim. É preciso fazê-lo sabendo o que se faz e porque se faz. Não combatas o quiet quitting com formação em liderança aos que se desvincularam. Será um desperdício de tempo e dinheiro.