Entrevista/ “Um dos erros de quem procura uma franquia é achar que vai ganhar muito dinheiro sem precisar de trabalhar”

Na semana em que se realiza-se mais uma Expo Franchise, a secretária-geral da Associação Portuguesa de Franchising (APF), passou em revista alguns dos desafios do setor. Cristina Matos lembrou que as franquias não estão imunes às crises, mas que ao longo dos anos têm demonstrado uma grande resiliência e constante crescimento.
A cumprir hoje o seu segundo e último dia, a Expo Franchise reuniu em Lisboa profissionais para falar de franchising e das tendências e desafios que o setor enfrenta. Em entrevista ao Link To Leaders, Cristina Matos, secretária-geral da Associação Portuguesa de Franchising (APF), explicou que “o setor de franchising tem-se mostrado cada vez mais consolidado no cenário português, com um crescimento significativo ao longo dos anos, quer em termos de números de franqueadores quer de franqueados, para além de ter uma significativa expressão e importância para a economia portuguesa, com uma forte relevância para a geração de empregos diretos”. Aliás, frisou, as franquias já representam cerca de 6% do PIB nacional. Mas deixa um alerta: “nem todas as franquias servem para todo o tipo de empreendedores”.
O que se pode esperar de uma feira de franchising e empreendedorismo?
Investir em franquias, mesmo num cenário de tantos desafios económicos e políticos, continua a ser uma ótima estratégia de atuação para quem sonha estar à frente do seu próprio negócio. O objetivo da Expofranchise é fazer com que os interessados em iniciar uma empresa tenham a oportunidade de assistir a palestras que explicam o funcionamento do setor do franchising, contactar pessoalmente os responsáveis pelas marcas e conhecer as novidades que chegam ao mercado, facilitando a interação e a escolha do seu futuro negócio.
“As franquias não estão imunes às crises, mas ao longo destes 25 anos têm demonstrado uma grande resiliência e constante crescimento”.
Depois de 25 anos de Expo Franchising quais as mudanças mais notórias neste setor de atividade em Portugal?
O setor de franchising tem-se mostrado cada vez mais consolidado no cenário português, com um crescimento significativo ao longo dos anos, quer em termos de números de franqueadores quer de franqueados, para além de ter uma significativa expressão e importância para a economia portuguesa, com uma forte relevância para a geração de empregos diretos.
Há poucos anos, vimos setores fortes serem afetados com o surgimento de empresas a operar em regime de franquia: o Airbnb rivalizou com os fortes segmentos hoteleiros e de arrendamento de imóveis; e a Uber retirou o monopólio dos táxis, com impacto no setor automobilístico. As franquias não estão imunes às crises, mas ao longo destes 25 anos têm demonstrado uma grande resiliência e constante crescimento.
Atualmente, as franquias já representam cerca de 6% do PIB nacional, quando na década de 90 davam os seus primeiros passos em Portugal. Mais de 65% do setor é constituído por marcas 100% portuguesas, o que denota a adesão dos empresários nacionais a este modelo de negócio. Nos últimos 10 anos vimos grandes empresas portuguesas aderirem ao sistema de franchising, tal como Portugália, Meu Super, Prio, entre muitas outras, que optaram pela entrada no mundo do franchising.
“(…) abrir uma franquia oferece muitas vantagens a quem deseja ser dono do seu próprio negócio e não tem experiência como empresário”.
Empreender com uma franquia pode ser uma boa opção para quem quer começar no mundo dos negócios?
De facto, abrir uma franquia oferece muitas vantagens a quem deseja ser dono do seu próprio negócio e não tem experiência como empresário. Neste caso, irá contar com a credibilidade de uma marca já reconhecida no mercado e receberá suporte técnico constante do franqueador e da sua equipa.
Sendo assim, posso enumerar seis vantagens, apesar de existirem muitas mais. A primeira é a diminuição dos riscos associados à abertura de uma nova empresa. A melhor razão para abrir uma franquia é a diminuição considerável dos riscos associados a um novo negócio, uma vez que o modelo de negócio já foi testado no mercado, o perfil dos consumidores é conhecido e, além disso, o franqueador conhece as melhores estratégias para aumentar as suas vendas. A segunda é a credibilidade de uma marca, porque ao abrir uma franquia, será o representante de uma marca que já tem provas dadas em relação à sua viabilidade e rentabilidade, podendo inclusivamente já ter uma forte presença regional ou, quem sabe, até nacional. A terceira é o suporte operacional contínuo, na medida em que o franquiado não precisará de gerir o seu negócio sozinho, muito pelo contrário, contará com o talento de profissionais experientes que oferecem soluções já testadas e que irão minimizar o seu risco.
Depois, temos ainda as campanhas conjuntas de marketing. Um franquiado terá acesso a uma estratégia de marketing com uma eficácia comprovada e pronta a atrair e fidelizar clientes. Normalmente, essa metodologia é definida antes da inauguração da sua unidade e segue um programa capaz de alavancar a marca na sua zona de atuação, de forma mais eficiente. A quinta vantagem é o programa de formação, porque muitas franquias oferecem aos seus franquiados programas de formação desenvolvidos de forma a garantir que o seu negócio seja bem-sucedido. Por último, o aumento do poder de compra, porque ao estar integrado numa rede de franquias poderá adquirir equipamento, mobiliário, stock de produtos a preços muito mais competitivos, com prazos de pagamentos bem mais alargados do que aqueles que conseguiria caso estivesse a operar de forma independente.
Mas não se engane! Terá de trabalhar com afinco. Mas se o fizer, pode ter certeza de que estará a investir num negócio com elevadas probabilidades de sucesso.
“(…) nem todas as franquias servem para todo o tipo de empreendedores”.
Que dicas sugere a quem abraça um negócio no setor do franchising para que o sucesso seja garantido?
Todos os anos, milhares de pessoas escolhem o sistema de franquias para ter uma empresa própria. Empreender num negócio que já tem conhecimento de mercado, uma marca consolidada e anos de experiência é sem dúvida muito atrativo para os investidores. No entanto, nem todas as franquias servem para todo o tipo de empreendedores. Muitos fatores devem ser analisados antes de o candidato marcar uma reunião com o franqueador, manifestando o seu interesse pela marca.
Muitos investidores acreditam que terão sucesso apenas por comprar um negócio de uma marca já reconhecida no mercado. Esquecem-se que também precisam de participar na atividade da empresa, pois apesar de ser uma franquia, ela não se gere sozinha e a responsabilidade pelo seu sucesso não reside apenas no franqueador. Outro grande erro é escolher uma franquia apenas pela faturação divulgada pela marca. “Pensar apenas no retorno financeiro é um erro. O franquiado precisa gostar do que faz. Precisa apaixonar-se.”
Com isso em mente, existem alguns passos que devem ser seguidos antes de procurar uma franquia:
Afinidade com a atividade: Não adianta investir em algo só porque está em alta ou porque parece dar dinheiro. Um negócio só vale a pena se nos identificarmos com o seu segmento.
O valor a investir é importante. Mas além disso, é necessário saber se o lucro previsto num cenário pessimista é suficiente para pagar as despesas pessoais e não acumular demasiadas dívidas na empresa. A análise detalhada do potencial de mercado na região em que pretende abrir a sua franquia é outro fator relevante.
Experiência e valor que o franqueador pode agregar também devem ser tidos em conta, pois o empreendedor paga pelo saber-fazer do negócio. Falar com os franquiados da rede e testar os seus produtos/ serviços é igualmente relevante para a sua decisão.
Por último, um dos erros de quem procura uma franquia é achar que vai ganhar muito dinheiro sem precisar de trabalhar. Apesar de poder usar uma marca com experiência no mercado, o franquiado terá que trabalhar muito, principalmente no início, para estabelecer o negócio na sua região. Passadas todas essas análises, o candidato a franquiado pode iniciar o processo seletivo.
Qual o impacto e o peso da atividade de franchising na economia portuguesa?
De acordo com os últimos Censos de Franchising divulgados em 2020, o crescimento das franquias ultrapassou 11 milhões de euros, o que corresponde a 5,8% do PIB nacional e 2,3% do tecido empresarial português, hoje com cerca de 15.000 PME em franchising.
A APF prevê também uma maior prosperidade para os franqueados mais fortes e em setores que não foram afetados pela pandemia, tal como a área de supermercados, o setor da imobiliária e alguns serviços, uma vez que a crise económica de 2020 e 2021 enfraqueceu a maioria dos pequenos negócios com principal incidência na restauração e turismo. Os incentivos disponibilizados pelo Estado permitiram manter os postos de trabalhos, atualmente perto de 200 mil trabalhadores diretos, não causando grande impacto nas taxas de desemprego.
Na sua opinião o mercado nacional reúne as condições necessárias para as marcas internacionais entrarem com uma rede de franchising?
Portugal foi eleito recentemente como o melhor país da Europa e o 5.º melhor do mundo para viver e trabalhar. Acresce a essa mais-valia a possibilidade de alavancagem financeira por verbas não reembolsáveis dos Fundos Estruturais Europeus.
O facto de sermos, também, o 15.° país no ranking internacional de competitividade, o 15.º com as melhores infraestruturas e ainda, uma porta aberta para um mercado de 500 milhões de pessoas na Europa, fez com que muitas empresas a operar em regime de franchising tenham vindo a descobrir Portugal, introduzindo as suas marcas, quer pela via direta como franqueadores, quer pela venda da licença de master.
A juntar a tudo o que foi referido acima, posso ainda mencionar os incentivos do Governo – Existem muitos incentivos do governo português para investidores nacionais e estrangeiros; as políticas de apoio favoráveis – Portugal apresenta uma das políticas de apoio aos investimentos diretos estrangeiros mais favoráveis da Europa; a ausência de discriminação – Não há discriminação entre investidores nacionais e estrangeiros na criação de negócios em quase todos os setores da economia; e as deduções em matéria de impostos – Existem também apoios às empresas em matéria de impostos sobre as sociedades e contribuições para a segurança social, além de programas de criação de emprego, como o ATIVAR.
“Não podemos dizer que existe um mercado modelo, pois em muitos casos, a expansão para o país errado e/ ou na hora errada é uma das principais razões para o fracasso das iniciativas de internacionalização”.
Internacionalmente, quais os mercados mais emblemáticos, os mercados modelo, na área do franchising? Porquê?
Essa não é uma resposta simples, pois existem mais de 200 países e territórios diferentes onde podemos encontrar grandes franquias, franquias muito inovadoras e clientes em potencial, caso pretenda optar por expandir a sua marca usando o modelo de franchising.
Os mercados mais reconhecidos, podendo assumir o estatuto de mais emblemáticos no universo do franchising são os EUA, o Brasil e a Coreia do Sul. No entanto, ao considerar a expansão de uma marca, podemos optar por um território relativamente seguro e familiar como o Canadá, ou podemos escolher um grande mercado emergente como a China ou Índia. Mas essas podem não ser opções ideais, pois a dimensão do mercado e/ou os riscos políticos e económicos associados são apenas alguns dos muitos fatores que impulsionam o sucesso nos mercados internacionais.
Não podemos dizer que existe um mercado modelo, pois em muitos casos, a expansão para o país errado e/ou na hora errada é uma das principais razões para o fracasso das iniciativas de internacionalização. Isso inclui alguns fracassos ou desempenhos menos satisfatórios com grandes marcas e em países que tinham tudo para resultar, mas não resultaram. Veja-se o exemplo da Best Buy na Europa, da McDonald’s no Caribe, da Walmart na Coreia do Sul, da Wendy’s no Japão, da Starbucks na Austrália, ou daTaco Bell na China, etc.
Um bom investimento internacional é aquele que faz uma avaliação prévia onde se apresenta um perfil de risco/retorno favorável, ou seja, aquele que maximiza os retornos para um determinado nível de risco e/ou minimiza os riscos para um determinado nível de retorno.
Que tendências se preveem para mercado do franchising para o mercado global e para Portugal, em particular?
Aqui a resposta é rápida, concisa e direta: Um negócio que não se digitaliza tem grandes chances de morrer. Foi desta forma que o empreendedor e especialista em tecnologia Gary Vaynerchuk, um grande conhecedor do mundo das start-ups, começou a sua palestra durante a 59.ª Convenção Anual da International Franchise Association, em Las Vegas, nos Estados Unidos, em 2019, para um público de mais de quatro mil espectadores especialistas em franchising. O tom apocalíptico tinha como objetivo despertar o setor para a transformação digital. A pandemia veio reforçar esta afirmação, não só a nível nacional como internacional.
Entre essas transformações, podemos destacar o delivery, o ecommerce e as dark kitchens, partes desse novo normal do franchising e que continuarão presentes no dia a dia das franquias nos próximos anos.
Além das transformações digitais descritas acima, a economia do metaverso deverá movimentar aproximadamente 8 bilhões de dólares, podendo chegar a 13 bilhões de dólares até 2030. No entanto, apesar deste modelo digital já existir desde 2003 pela Linden Lab, em Portugal, este ainda é um universo bastante desconhecido, mas temos de estar atentos a esta nova tendência e agirmos rapidamente para não ficarmos desatualizados.
As grandes redes de franquias já começam a movimentar-se neste meio, com a McDonald’s a apresentar 10 pedidos de marcas registadas no Escritório de Patentes e Marcas Registadas dos Estados Unidos para a criação de um restaurante virtual no metaverso que entregará comida online e pessoalmente aos clientes.
Qual a missão da APF na dinamização da atividade em Portugal?
A Associação Portuguesa de Franchising é uma entidade sem fins lucrativos, criada em 1987. Hoje, com 35 anos de história, desfruta de um grande prestígio no setor do franchising e de uma imagem consolidada no mercado nacional e internacional.
Possui perto de 150 associados, divididos entre franqueadores, franqueados, parceiros e consultores do setor que, nos últimos anos, têm vindo a organizar e a participar em diversas ações para o desenvolvimento do nosso país. Procura ser, em simultâneo, a entidade reguladora do setor, impondo aos seus associados franqueadores o cumprimento do Código Deontológico Europeu.
Ao longo destes anos temos vindo a ampliar a atuação a nível nacional e internacional. Dedicamo-nos á realização de inúmeras atividades, com o objetivo de beneficiar os associados, promovendo conferências, feiras, palestras, cursos, além de encontros de formação técnica sobre o Franchising. Criámos, em conjunto com a Empresa Internacional de Certificação (EIC), a Certificação em Franchising.
Assinámos diversos acordos com associações internacionais e nacionais que oferecem um melhor relacionamento entre diversos setores de atividade ligados ao empreendedorismo. No cenário internacional, somos membro-do WFC (World Franchise Council), entidade que congrega as mais importantes associações no mundo, bem como da FIAF (Federação Ibero-Americana de Franquias). Integramos ainda, como membro, a Federação Europeia de Franchising e estamos na presidência de uma Task Force do Concelho Mundial de Franchising.