Opinião
The great resignation: a certeza da incerteza

Há dois meses escrevia que a grande demissão tinha sido produto da pandemia mas tinha sido potenciada por três fatores, entre os quais o fator económico, na medida em que, em fases de crescimento económico, a tendência dos trabalhadores, em mercados flexíveis como nos EUA, é demitirem-se para poderem procurar novos empregos com salários mais elevados.
Era o que tinha ocorrido desde o ano passado nos EUA onde até abril, e pelo décimo mês consecutivo, acima de 4 milhões de americanos por mês, tinham deixado seus empregos. Também mostramos o paradoxo de, só em fevereiro, terem sido contratados mais de 6.7 milhões de trabalhadores, o que mostrava a dinâmica de um mercado laboral flexível, onde as demissões e contratações são normais e rápidas, mas em contexto de crescimento económico.
Inclusive mostramos que os salários por hora em fevereiro tinham aumentado em 5.1% em relação ao ano anterior. Já em abril este ganho médio tinha sido de 0.3%.
E agora? O que mudou? Bem….. agora….., sabe…, é que…….
O fator económico que estava a favor dos trabalhadores alterou-se, radicalmente, um mês para outro. Algumas causas foram:
Primeiro, foi a disrupção na cadeia de abastecimentos internacionais; fruto indireto da grande demissão (ligada aos confinamentos) as cadeias de produção e abastecimentos internacionais viram-se privados de mão de obra e de matérias primas, provocando escassez de vários produtos e consequente aumento de preços;
As empresas viram-se em situação de penúria de recursos humanos, pois como já referimos nos artigos anteriores, os trabalhadores se deram ao luxo de se autodemitirem porque havia garantia de novos empregos e melhor renumerados. Os dados estatísticos de Departamento do Trabalho nos EUA e no Reino Unido mostram aumentos salariais nominais no primeiro semestre. Por exemplo, os ganhos médios salarias em junho foram de 5.1% nos EUA. Manter talentos e recrutar novos tornou-se muito caro para as empresas.
Segundo, a guerra na Ucrânia foi outro fator que reforçou a disrupção na cadeia de abastecimentos internacionais provocando novo aumento de preços nas matérias primas e na energia. Esses aumentos foram repassados à economia, tendo a inflação, nos EUA atingido os valores mais altos em quatro décadas. Este aumento de preços é mundial.
Terceiro, este aumento de preços a níveis sem precedente na história recente, despoletou uma ação mundial no sentido de os bancos centrais aumentarem as taxas de juros para, supostamente, combaterem a inflação, provocada pela escassez da oferta (a tal disrupção na cadeia de produção e distribuição internacionais), e não pelo aumento da procura. O banco central dos EUA aumentou a sua taxa de referência duas vezes consecutivas, enquanto que o banco central Europeu já fez o primeiro aumento em mais de uma década, seguido por muitos outros bancos centrais.
E o resultado: com este cenário, muitos economistas e organizações internacionais já preveem uma recessão em 2023. Ou antes, pois os EUA já tiveram dois trimestres com crescimento negativo, o que, tecnicamente, define uma recessão, não obstante ainda o mercado laboral (o último a reagir) dar sinais de algum vigor.
Perante cenários de recessão, significa que as empresas produzirão menos, pelo que terão de redimensionar as atividades e reduzir custos. A mão de obra é sempre sacrificada, pelo que acabam por demitir os trabalhadores mais recentes ou pelo menos, não contratar novos colaboradores.
Foi o que fizeram as grandes empresas tais como Tesla, Gopuff, Re/Max, Coinbase e Microsoft. Outros como Apple Goldman Sachs congelaram novas contratações. Nem o sector tecnológico escapou, pois de acordo com o Insider, mais de 30.000 trabalhadores do sector perderam seus empregos em julho.
Com empresas a não contratarem, os demissionários que queriam mais flexibilidade, mais salários e teletrabalho, ficaram, repentinamente, desempregados e arrependidos.
E foram essas alterações que ocorreram, repentinamente, e que alteraram a situação do mercado laboral a ponto da Grande Demissão se transformar em Grande Arrependimento. Sim, muitos empresas já se arrependeram de ter contratado tanto, ao mesmo tempo que muitos trabalhadores se arrependeram de terem entregue a sua carta de demissão. Mas isso será para o próximo artigo, se Deus quiser, pois por agora a única certeza é a incerteza.
* As opiniões são apenas do autor e não vinculam nenhuma instituição.