Entrevista/ “O ensino não pode continuar a ser o mesmo, porque a realidade não é a mesma”

Patrick Götz, fundador & CEO da Teckies

Patrick Götz tem uma missão: revolucionar a forma como se aprende e ensina nas escolas portuguesas. O recém empreendedor de 44 anos, que trabalhou durante mais de uma década em ambiente de multinacional, criou a Teckies, uma start-up que pretende levar conhecimento sobre robótica às salas de aula.

“Não podemos ensinar as crianças a competir com máquinas”. Apesar da frase ser de Jack Ma, fundador da Alibaba, o conteúdo assenta como uma luva àquilo que Patrick Götz defende: a necessidade de fomentar competências de soft skills e aliá-las a conhecimentos tecnológicos.

Foi a partir desta ideia que nasceu a Teckies, uma start-up que pretende levar conhecimentos de robótica às salas de aula portuguesas. Este é um aspeto especialmente importante tendo em consideração que o futuro das empresas passará por aliar o aspeto humano à automatização e potencial das máquinas.

O que o inspirou a criar este projeto?
Foram dois os motivos que me levaram à criação da Teckies. Por um lado, sempre tive o sonho de criar um projeto que me permitisse trabalhar com crianças, por outro, enquanto empregador, fui-me apercebendo de que os jovens candidatos não tinham as soft skills necessárias, não tinham determinadas competências-chave que são essenciais para o mercado de trabalho – espera-se, cada vez mais, que os jovens sejam pessoas dinâmicas, multifacetadas e proativas e que, a par disso, saibam lidar com novas tecnologias e aproveitá-las para o seu dia a dia, como um complemento e não como um substituto. E foi neste contexto, e com a vontade de fazer algo diferente e que pudesse ajudar estes jovens, como a minha filha, que surgiu a Teckies.

Deixou um emprego estável numa grande empresa para se dedicar a este projeto. O que esteve na base desta decisão?
Sempre trabalhei em empresas grandes, comecei na PwC e nos últimos 15 anos estive a desempenhar diversos cargos na área financeira e comercial numa empresa do setor automóvel. Acho que, após década e meia, já estava na altura de me dedicar a um projeto meu e que me fizesse sentir realizado. Com o avanço tecnológico e num contexto em que o paradigma do mercado laboral está a mudar achei que seria um bom momento para seguir essa minha vontade.

“(…) é necessário preparar as crianças, os profissionais do futuro, com este conjunto de soft skills.”

Não se sabe quais são os empregos do futuro, mas já é possível prever que muitos vão deixar de existir. O que é preciso fazer para prepararmos as crianças para o futuro incerto que está já à nossa porta?
Já conseguimos antecipar que, daqui a alguns anos, a maior parte dos empregos disponíveis, devido à transformação tecnológica em curso, consistirá em postos de trabalho que não podem ser substituídos por mão-de-obra mecanizada e automatizada. Serão empregos que têm necessariamente de ser exercidos por humanos, sendo que o ponto transversal a todos eles será a procura por talento com competências que as máquinas não possuem, como a criatividade, a resolução de problemas e o raciocínio, entre outros. Por isso, é necessário preparar as crianças, os profissionais do futuro, com este conjunto de soft skills. Nas escolas, a aquisição destas competências ainda está longe de estar a níveis “perfeitos” e as metas curriculares ainda não as promovem, daí ser muito importante mudar a forma como o ensino é estruturado.

A par de desenvolver e potenciar estas competências humanas nas crianças, é igualmente muito importante mostrar-lhes como trabalhar com a tecnologia, porque, certamente, trabalharemos lado a lado com robôs e outros equipamentos em breve. Todas as áreas de trabalho, desde a robótica até à saúde, terão, por exemplo, uma forte componente de cibersegurança.

Dada a evolução tecnológica dos últimos anos, o que é que deixou de fazer sentido no sistema de educação que está atualmente em vigor?
O modelo de ensino não mudou significativamente nos últimos 50 anos. Por muito que a tecnologia seja reconhecida como uma prioridade, os currículos escolares atuais estão desadequados e, por vezes, parece existir pouco espaço para a inovação e criatividade. Existem, de facto, algumas iniciativas pontuais para mudar este panorama, mas não são suficientemente transformadoras. Prova disso é a falta de entusiasmo sentida por muitas crianças relativamente à escola, o que se traduz numa elevada taxa de abandono escolar. Talvez o caminho passe, na minha opinião, pela mudança do foco na memorização de conhecimentos e passe a focar-se no desenvolvimento e aquisição de outras competências e pelo domínio de novas áreas do saber.

É necessário que o corpo docente tenha formação para aprender novas abordagens, mais apelativas, para entusiasmar os seus alunos a adquirirem novos conhecimentos. A tecnologia abre cada vez mais e maiores horizontes de possibilidades e é cada vez mais certo que, em breve, grande parte das profissões atuais irá desaparecer ou sofrer adaptações significativas a um mundo crescentemente tecnológico e onde as máquinas substituirão, cada vez mais, postos de trabalho comuns. É essencial preparar esse futuro, de modo a evitar a repetição de grandes convulsões que processos de transformação como estes provocaram no passado. E essa preparação começa na escola, nos jovens, que já sabemos que, quando ingressarem no mercado de trabalho, vão encontrar uma oferta laboral totalmente diferente da que hoje temos.

“Parece-me que o mais necessário é dar às crianças as competências chave para que possam ser os profissionais que o futuro precisa.”

Diria que, no futuro, a capacitação de um bom profissional – de qualquer área – passa por aliar conhecimentos tecnológicos com soft skills?
Inteiramente de acordo. Parece-me que o mais necessário é dar às crianças as competências chave para que possam ser os profissionais que o futuro precisa. Creio que o mais importante é focarmo-nos nas capacidades que nos tornam mais humanos, às quais chamo de “5 C’s”: critical thinking [pensamento crítico], complex problem solving [resolução de problemas complexos], creativity [criatividade], communication [comunicação] e collaboration [colaboração]. Ainda se poderia juntar mais 1 “C”, que é a curiosidade, qualidade que, na realidade, está na base de todos os “5 C’s” anteriores.

Acredito que só desenvolvendo estas competências é que as crianças de hoje poderão triunfar no mercado laboral das próximas décadas. Concentrar o nosso esforço e atenção no desenvolvimento de aptidões especificamente humanas, na minha perspetiva, torna-se ainda mais decisivo quando sabemos que, em trabalhos que podem ser substituídos por robôs, nós não temos capacidade para competir com eles. Basta recordarmo-nos das estratégias genéricas de Porter: ou nos diferenciamos pelo custo, e aí só conseguimos ser competitivos com as máquinas em mercados de nicho, ou possuímos algum tipo de vantagem competitiva, algo que os outros – neste caso, os robôs – não têm, e é aqui que estas soft skills e a sua importância entram para nos dar essa vantagem competitiva. Paralelamente, acho que os conhecimentos tecnológicos têm necessariamente de se articular com essas soft skills, na medida em que estas de pouco servem se não soubermos como funciona a tecnologia, assim como o conhecimento sobre a forma de funcionamento da tecnologia tem pouca utilidade se não possuirmos essas soft skills fundamentais.

Depois da literacia digital, financeira e mediática, podemos falar de uma literacia nas áreas CTEM [ciência, tecnologia, engenharia e matemática]?
Absolutamente. Os grandes momentos de mudança e evolução devem ser sempre acompanhados por uma contextualização e formação que melhor nos permita adaptar a essas mudanças. E hoje falamos muito da literacia mediática, por exemplo, a propósito das fake news, assim como devemos falar, como refere, de uma literacia nas áreas CTEM, precisamente na sequência de toda esta mutação no mercado laboral iniciada pela tecnologia, uma vez que o mercado de mão-de-obra vai passar a privilegiar – muitas vezes até de forma exclusiva – este tipo de competências associadas às áreas da Matemática, Engenharia, Ciências, entre outros. Creio que essa nova literacia faz todo o sentido e parece-me até inevitável.

“Mais do que vender equipamentos, procuramos auxiliar na sua integração nas aulas e nos currículos, por forma a que essa integração seja o mais adequada possível.”

Qual é o modelo de negócio da Teckies?
A atividade da Teckies assenta fundamentalmente em três pilares: (i) a gestão de projetos “chave-na-mão” na área da robótica, integrando-a nos currículos escolares, aquilo a que eu chamo robotics as a service; (ii) a formação na área da robótica e da programação de forma divertida e inovadora, através de atividades extracurriculares, workshops, academia Teckies, entre outros; e (iii) a comercialização de equipamentos online.

Propomos às escolas a integração de atividades de robótica nos currículos escolares e a ideia é usar os robôs como um complemento no ensino das disciplinas de sempre, seja Matemática, Estudo do Meio, Português ou outra, e de uma forma divertida. Ou seja, mais do que vender equipamentos, procuramos auxiliar na sua integração nas aulas e nos currículos, por forma a que essa integração seja o mais adequada possível. Além disso, a Teckies não só leva os robôs para as escolas como dá formação aos professores, definindo, em conjunto, as melhores formas de integrar estas tecnologias no dia a dia das aulas.

Fora das salas de aula, temos também proposto atividades extracurriculares em escolas, programas de férias e outros workshops, estes últimos dirigidos às famílias, onde as crianças podem aprender a construir e manipular os robôs, ficando a conhecer as bases da robótica e da programação. Para cada faixa etária, e para cada tipo de atividade, temos diferentes equipamentos, garantindo que as atividades de aprendizagem propostas se adequem totalmente ao público-alvo. Neste momento, estamos a fazer uma série de workshops com as bibliotecas de Lisboa, que estão a ter uma aceitação incrível, já que dão oportunidade aos pais e aos filhos de passarem tempo de qualidade juntos, de uma forma totalmente diferente, ao mesmo tempo que têm a sua primeira experiência com robôs e com programação.

Qual é o balanço que faz deste (quase) primeiro ano de existência?
O balanço é muito positivo. Este primeiro ano de operação serviu para testar quais as atividades com maior impacto a nível do desenvolvimento de várias competências e o feedback que tivemos dos alunos e das entidades com que temos vindo a colaborar é muito positivo. É com enorme satisfação que observamos as crianças a interagirem com os robôs, programando-os de forma a concretizarem múltiplas atividades, com resultados muito positivos, não só a nível do domínio da tecnologia, como também com resultados surpreendentes a nível da criatividade e entusiasmo com que desenvolvem os seus projetos.

Já começamos a preparar o segundo ano letivo e estamos a sentir uma boa aceitação, tanto por parte de escolas como dos municípios, o que demonstra que estão, de forma crescente, despertos para a importância deste trabalho.

Já ponderaram estabelecer uma parceria com o Ministério da Educação?
Está, definitivamente, nos planos, porque achamos que faria todo o sentido. Mas sendo um projeto recente, quisemos perceber junto das escolas e outras entidades competentes qual a aceitação, mostrando-lhes o valor do nosso trabalho, para também adaptarmos a nossa oferta e atividades antes de chegarmos ao Ministério da Educação. Mas será um contacto a médio prazo, certamente.

“Queremos consolidar a nossa presença nas escolas portuguesas, para garantir que as nossas crianças ficam preparadas para o que aí vem.”

Prevê a expansão do negócio para outro país?
De momento, e embora a internacionalização se equacione como um objetivo de longo prazo, queremos consolidar a nossa presença nas escolas portuguesas para garantir que as nossas crianças ficam preparadas para o que aí vem. Depois, então poderemos avançar para outros territórios. Espanha e, posteriormente, países como Itália, Alemanha, Áustria e Suíça poderão ser uma aposta, estes últimos pela afinidade que tenho com a cultura, língua e pensamento destes países, dada a minha experiência profissional de 15 anos em todos estes territórios e em virtude da minha ascendência alemã. Mas sei que o desafio é enorme, na medida em que os currículos escolares destes países são diferentes dos portugueses e mesmo entre si.

Quais são os objetivos da Teckies até ao final de 2019?
O grande objetivo passa por “democratizar” o ensino da robótica e da programação e que estas sejam crescentemente integradas nas atuais formas de ensino. A curto prazo, no espaço de um ano, concretamente, queremos chegar às mil crianças participantes nos nossos programas. Seria uma boa meta para 2019, ano em que também prevemos atingir o break-even.

“É urgente que se façam alterações aos programas de educação para que se adaptem ao novo mundo tecnológico em que vivemos e vamos viver”.

Que mensagem gostaria de passar aos responsáveis pelo sistema nacional de educação?
Gostaria que tomassem consciência de que o ensino não pode continuar a ser o mesmo, porque a realidade também não é a mesma. É urgente que se façam alterações aos programas de educação para que se adaptem ao novo mundo tecnológico em que vivemos e vamos viver. Os profissionais do futuro nada têm que ver com os profissionais que existiam há 30 anos, ou até mesmo com os de hoje. É fundamental que exista um reajuste dos programas e que se comece a dar mais importância à tecnologia dentro da sala de aula e à formação de competências, conhecimentos e soft skills necessárias para o futuro que se avizinha. É importante que esses organismos percebam que, atualmente, o facto de 28% dos alunos concluir o Ensino Superior nas áreas CTEM (dados de 2018 da OCDE), embora superior aos 23% da média da OCDE, pode não ser suficiente para evitar potenciais taxas de desemprego elevadas na próxima década.

E é muito importante que percebam que a solução não passa por ter a tecnologia a substituir (pessoas, métodos), mas sim a integrar e complementar. É igualmente relevante lembrar que não basta comprar tecnologia e deixá-la nas escolas – isso não vai resolver os problemas. É preciso usar essa tecnologia e saber utilizá-la para inspirar as crianças a estudar, aprender e a desenvolver as suas competências.

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