Opinião

Sou livre, sou mãe!

Susana Duro, Senior Marketing Manager na Coca-Cola Europacific Partners

Estamos a comemorar os 50 anos da Revolução dos Cravos, 50 anos sem ditadura, 50 anos de Liberdade. Em 50 anos tantas coisas mudaram, a evolução foi exponencial, principalmente a evolução tecnológica. E as mentalidades? Evoluíram?

Eu diria que sim, não ao ritmo da tecnologia, não ao ritmo que muitos de nós gostariam, mas houve uma evolução. No entanto, ainda há muito para fazer a este nível e cabe a cada um de nós fazer a sua parte.

A comemoração do 25 de Abril cola-se ao 1 de Maio, Dia do Trabalhador, e ao dia da Mãe, que se comemora sempre no primeiro fim de semana de Maio. Estas três datas levaram-me a pensar no tema da Liberdade de ser Mãe, na Liberdade de ser uma Mãe trabalhadora. Será que somos assim tão livres? E se não somos, o que é que nos prende? Os filhos, os maridos, as empresas, a sociedade?

Para falar sobre este tema gostava de partilhar convosco um pouco da minha história.

Quando era criança sempre desejei ser mãe, queria ter dois filhos, mas havia uma premissa muito especial, queria ser mãe nova. Eu nasci quando a minha mãe tinha 34 anos, o que há umas décadas era muito tarde… e eu era a menina que tinha a mãe mais velha dentro do meu grupo de amigas e eu odiava isso…

No entanto nem sempre os nossos planos, desejos, sonhos se concretizam. Entre aquilo que planeamos e aquilo que realmente acontece há uma montanha-russa de acontecimentos e o resultado final pode ser bem distinto. E comigo foi assim. Realizei o meu desejo de ser mãe aos 38 anos, ainda mais tarde do que a minha mãe.

Casei relativamente cedo, tinha 25 anos e casa própria, aos 26 anos entrei para a Nestlé, uma grande empresa com excelentes oportunidades de desenvolvimento e onde tive um percurso sólido . Do ponto de vista do espetador que está sentado na sua cadeira a ver o filme, estavam reunidas todas as condições para que um jovem casal apaixonado pudesse alargar a sua família. E como isso não acontecia no tempo considerado “normal, o espetador começava a dar sinais de inquietação e a tentar entrar na trama e dar o seu contributo.

– Ai, ainda não tem filhos porque não deve querer abdicar das viagens! – Se calhar é por causa da carreira! – Provavelmente deve ter medo de engordar!

Mas o espetador, sentado na sua cadeira a comer umas pipocas quentinhas e a beber uma Coca-Cola fresquinha não consegue ver (nem tem de conseguir) o que se passa nos bastidores. A verdade é que existia uma razão muito profunda e íntima que impedia este sonho de se tornar realidade.

Por muito forte e poderoso que fosse o meu desejo de ser mãe, não conseguia superar a barreira que a morte da minha mãe tinha criado. Inconscientemente eu sentia que me faltava colo, aquele colo especial, então como poderia eu dar colo?

Havia sempre os “psicólogos amadores” e bem-intencionados que diziam: “Ter um filho será muito bom para ti e vai ajudar-te a superar tudo isso, vais ver…”.

E eu só pensava, ter um filho não é um remédio que se toma para nos ajudar a melhorar, ter um filho deve ser o melhor acontecimento da vida de alguém e ao tomar essa decisão tenho de estar totalmente disponível para ela. A pressão era imensa, mas sempre fui fiel ao que sentia e eu sabia que um dia seria o dia. E assim…esse dia chegou… o sentimento do é agora, estou preparada!

Fiquei grávida no final do verão de 2014 e percebi logo que estava grávida, não sei explicar como mas senti-me diferente, ainda andei uns dias a pensar que não era verdade que tinha sido muito rápido, mas o teste veio confirmar. O que não sabia era que o destino tinha outros planos e acabei por ter um aborto retido às oito semanas e só descoberto na ecografia das 12 semanas. O mundo desabou, eu que nunca tinha imaginado que isto me poderia acontecer nem o impacto que poderia ter…

Este aborto foi o início de uma grande mudança. Acabei por sair da Nestlé porque ser mãe era a minha maior prioridade. Engravidei novamente pouco tempo depois e em novembro 2015 nasceu o Tomás. Na altura tomámos a decisão que eu me iria dedicar à maternidade a full time. Ser mãe pela primeira vez aos 38 anos fez-me ver tudo numa perspetiva diferente. Senti que queria aproveitar os primeiros anos do meu filho a tempo inteiro (ou quase) e felizmente tive essa oportunidade.

Fiquei em casa até o Tomás fazer dois anos, não totalmente fora da vida profissional porque ia fazendo uns projetos em part-time e tirando algumas formações, mas o focus era ser a mãe do Tomás.

Mais uma vez o espetador, instalado confortavelmente na sua cadeira continuava a emitir as suas opiniões:

– Tanto tempo em casa com o filho, fica completamente fora do mercado de trabalho.
– Nem imagino o que deva ser tanto tempo em casa, só deve falar de fraldas.
– Nem sei como irá voltar ao trabalho!

Mas independentemente das opiniões e julgamentos alheios, a ação continuou a desenrolar-se e quando olho para trás sinto que foi uma das melhores decisões da minha vida.

É engraçado como a nossa perspetiva muda. Antes achava horrível quando nas escolas tratavam as mães apenas por mãe, parecia que havia uma perda de identidade. Iria deixar de ser a Susana e passaria a ser a mãe do Tomás. Mas eu adoro quando me chamam a mãe do Tomás, não deixei de ser eu, não perdi a minha identidade, aliás eu sinto que a completei.

Quando voltei a full-time ao mundo do trabalho percebi que já não era a mesma pessoa, eu tinha mais um papel na minha vida, além de mulher, esposa, filha, irmã, tia, amiga, profissional, era MÃE. E este novo papel encheu-me a alma! No coração de cada mãe reside um amor inabalável, uma conexão que transcende o tempo e as circunstâncias, um elo que se fortalece a cada sorriso, a cada lágrima e a cada momento compartilhado.

Ser mãe é um ato de amor incomparável, mas também é um desafio que exige equilíbrio, autonomia e coragem. É necessária coragem para enfrentar os julgamentos constantes, ora porque damos demasiada atenção aos filhos, ora porque nos dedicamos demasiado ao trabalho, ora porque tiramos algum tempo para nós, ora porque não tiramos nenhum.

Se vou numa viagem com amigas é porque não quero saber do meu filho, se não vou à viagem com as amigas é porque sou uma mãe obcecada que não deixa o filho respirar, se deixo de ir a uma reunião no trabalho para assistir a uma aula de música na escola é porque não sei gerir as prioridades profissionais, se falto à aula de música para ir à reunião é porque sou uma mãe desnaturada que prefere o trabalho ao filho. Cada um dos papéis que desempenhamos exige atenção e dedicação. Ao longo destes anos senti este peso em cima, parecia que nenhuma das minhas escolhas era a acertada aos olhos dos outros e quando falo dos outros, falo de outras mulheres, umas mães outras não, dos colegas de trabalho, das chefias, da família…

Partilhei um pouco da minha história e cada mãe tem a sua e não há duas iguais. Cada uma de nós deverá ser livre para construir o seu caminho, definir prioridades, fazer escolhas, de perseguir sonhos, de traçar o próprio destino, sem pressão, sem julgamentos, sem os espetadores a darem as suas opiniões e a interferirem nas nossas vidas.

Uma das coisas que senti muito cedo, mas só percebi muito tarde, é que se as mães não forem felizes os filhos também não o serão. E para sermos felizes temos de ser livres e só sendo livres poderemos ser nós próprias e nutrir os nossos filhos com todo o amor e cuidado que merecem.

Uma mãe livre não está limitada por expetativas, por convenções, por tradições, por receios. Uma mãe livre é guiada pelo que é melhor para ela e para a sua família. Ser livre é um direito fundamental que deve ser protegido e promovido. É uma questão de justiça, de igualdade, de respeito pela autonomia e dignidade de cada mulher.

Uma mãe que tem liberdade é uma mãe mais realizada, mais capaz de enfrentar os desafios que a vida apresenta e todos beneficiam, as crianças, a família, os amigos, o trabalho e até a sociedade como um todo. Uma mãe deve ser livre de escolher dedicar-se integralmente à maternidade, ou equilibrar a sua vida pessoal e profissional de acordo com as suas próprias prioridades.

Uma mãe livre é uma mãe mais forte, mais resiliente, mais capaz de transformar o mundo com o seu amor e a sua sabedoria.

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