Opinião
#Sorria, mesmo que não goste da sopa.
No início da minha carreira, o meu chefe disse-me que eu tinha de “aprender a sorrir, mesmo quando não gostas da sopa”. O tema surgiu porque, quinzenalmente, tínhamos de apresentar soluções para questões de negócio que nos eram lançadas e eu deixava os meus gostos e preferências bem claros, mesmo sem dizer nada.
Quando gostava do tema, defendia as minhas ideias de forma entusiasta, investia no design dos slides e explicava a estratégia de forma apaixonada. No entanto, passava levemente sobre o plano de negócio e a viabilidade financeira das ideias (por vezes loucas) que apresentava e se o tema não era do meu agrado, mantendo a qualidade dos conteúdos, aparecia “sem brilho”, com slides mais simples e tentava despachar o assunto o quanto antes. Os meus interlocutores “toparam-me” rapidamente e ouvi até à última apresentação que devia ter explorado mais o plano financeiro da solução…
Dez anos e vários chefes depois, continuo a gostar da minha sopa bem passada e a fazer má cara quando há couves a boiar no prato. Talvez seja uma questão de personalidade, de teimosia, ou de geração, mas a verdade é que não há inteligência emocional que me valha quando não acredito num projeto, ou quando tenho de agarrar temas que não vão de encontro ao meu sweet spot. Sempre que reajo a uma destas situações e sou confrontada com a reação, habitualmente negativa, de terceiros, questiono-me se serei eu quem já devia ter aprendido a sorrir quando não gosto da sopa, ou se serão as empresas, projetos e chefes por onde fui passando que já deviam ter aprendido que eu gosto da sopa bem passada?
Todos ambicionamos, de forma mais ou menos consciente, actuar no tal sweet spot, aliando a nossa paixão às nossas competências, num contexto com o qual nos identifiquemos, e recebendo as recompensas adequadas. No entanto, como líderes, tendemos a esquecer-nos de o promover nas nossas equipas e não valorizamos os colaboradores que expressam a vontade de se aproximar da sua função ideal. No meio empresarial português, cultivamos a ideia de que quanto mais funções desempenhamos, quanto mais projetos abraçamos, quanto mais sopa temos no prato, mais competentes somos (ou parecemos). Pelo contrário, se recusamos um novo projeto ou se partilhamos que consideramos não ser a pessoa indicada para uma função, as empresas não o interpretam como um sinal de inteligência, mas antes de desinteresse e inércia.
Se é verdade que num mundo cada vez mais VUCA, a polivalência e elasticidade são “competências” importantes, também sabemos que as pessoas são mais produtivas quando são recompensadas por serem muito boas a fazer aquilo que gostam, num contexto agradável. Isto não significa que deixemos de realizar algumas tarefas menos prazerosas ou que deixemos de aceitar desafios que nos levem para fora da nossa zona de conforto e nos ajudem a ganhar novas competências e experiência. Quer apenas dizer que precisamos olhar para as nossas equipas como os seres orgânicos que são e perceber que uma das formas que temos de as rentabilizar e reter é encontrando as funções certas para cada um.
Temos de conhecer as pessoas, saber o que as motiva e apaixona, em que áreas se sentem confiantes e o que fazem muito bem, sem nos esquecermos que garantir apenas um destes pilares não chega. Por exemplo, uma pessoa pode adorar matemática e não ser excelente em Excel. Assim como pode ser um óptimo marketeer e não ser apaixonado por compras. Ou ainda ter um excelente desempenho como técnico, mas não ser capaz de gerir essa mesma área. O importante é atingir um equilíbrio entre os diferentes pilares.
Por isso, da próxima vez que um colaborador fizer má cara quando vir a sopa na mesa, em vez de o ensinar a sorrir, aproveite para aprender de que sopa é que ele gosta, que sopa é que ele é bom a fazer, em que cozinha gostava de a preparar e quanto ele pensa que vale essa sopa.