Opinião
O sonho comanda a vida
Pode ser nostalgia da canção que enchia os ares na década de 70 e 80 do século passado; mas o dito tem conteúdo forte e mobilizador, que impacta em nós.
Nesta linha, ocorreu-me comentar quatro situações, numa interpretação muito pessoal sobre o valor do sonho no plano individual e quanto importa fomentá-lo no plano coletivo, para o progresso do país:
1. Nas nossas últimas eleições legislativas, um partido fez finca-pé no trabalho que tinha realizado. Da sua campanha, parecia deduzir-se: ‘vocês sabem o que fizemos, arrumámos a casa…’ como quem diz: vamos fazer mais do mesmo, pôr as finanças em ordem; relaxar a austeridade, ao ritmo que a situação permitir… Dava tranquilidade aos instalados e a quem tinha posses. Contudo, parecia pouco ousado e inspirador, sem chispa, sem sonho, para quem queria melhorar a sua situação com rapidez; podia reduzir, mas não prometia sair da austeridade… e não se viam esforços para ‘descobrir’ caminhos que trouxessem ‘uma réstea de esperança’ aos mais vulneráveis.
Um cidadão isento veria isso como servir um alimento requentado… Talvez com uma ponta de arrogância, sempre detestável em qualquer ser humano: ‘conhecem o que já fizemos’, sem apresentar novidades, nas quais o votante visse ‘empenho’, ‘trabalho de casa’, a pensar no bem dos cidadãos…
2. Outro partido exibiu uma equipa que compôs um documento base da futura ação. Talvez os responsáveis nem o tenham lido em pormenor, nem entendido todas as implicações, mas havia um ‘documento’, ainda que hermético, referido à saciedade, remetendo ao seu autor para as explicações necessárias. Quem o produziu não parecia confiar nele, era mortiço e hesitante o entusiasmo com que o proclamava.
Contudo, houve esforço, um grupo que se pôs a pensar e deu à luz o documento! Criou expetativa, incendiou as mentes, como ao recebermos uma carta que, em princípio, tem surpresas positivas, mesmo que depois se revele uma deceção.
3. O ‘sonho’ levou-me para outras paragens: Singapura. Nas mãos dos ingleses, era uma cidade-estado miserável, desfeita, como outras colónias inglesas, como a Índia. Mas teve dirigentes que fizeram sonhar a sua população com um marco democrático de promessas e realizações, muito musculado, a impor uma ordem férrea e um ritmo implacáveis, com a transparência de processos que criam a confiança do povo. Fortaleceram a livre iniciativa e os resultados mostravam que era o caminho a continuar. E acabou por trazer bem-estar e riqueza. Com poucos recursos, mas bem orientados, desenvolveu a massa cinzenta, a capacidade de trabalhar bem, com seriedade. Precisa de uma boa equipa de projetos de aeroportos? Quer saber de portos, da sua logística, de carga e descarga rápidas? Quer hospitais de alta qualidade? Singapura é a resposta para conhecimentos especializados, um país de ‘corrupção zero’, típico dos que se fizeram com o esforço de pensar e planear, e de ouvir ideias e muito trabalhar. É um dos países mais ricos, a contrastar com a miséria em que os ingleses o deixaram.
4. E levou-me a Cuba. Também Fidel tinha e alimentou um sonho ao longo da vida. No início, foi o sonho que incendiou as mentes jovens que fizeram a revolução, derrubando um ditador. Mas foi pena que depressa se tenha feito, ele próprio, um reacionário e um ditador. Estagnou no sonho e não perguntou ao povo se esse era também o seu sonho; não o levou às urnas; não reconheceu o direito de livre discussão na imprensa; impô-lo, mesmo que não o quisessem. Quem não pensasse como ele, não tinha lugar na sociedade; não se abriu ao direito de sonhar diferente, acabando por esmagar os sonhadores, bem como à sua liberdade. É a trajetória típica de um cruel ditador que usa os outros para conseguir os seus objetivos em nome da liberdade, mas depressa dá um ponta-pé na própria liberdade! Tenho de reconhecer que o país não terá, provavelmente, pobreza extrema; dá acesso a cuidados de saúde a todos, mas é todo ele um monte de grande pobreza!