Opinião

Século das Luzes quer mudar a forma como as empresas olham para o data science e para IA

Miguel Cabrita, CFO da Século das Luzes

“As empresas começam a estar mais conscientes de que, caso não invistam na modernização, não irão sobreviver neste mundo cada vez mais competitivo e tecnológico”, afirma Miguel Cabrita, CFO da Século das Luzes, em entrevista ao Link To Leaders. O cofundador da consultora especializada em data strategy lembra a cada vez maior importância dos dados no desenvolvimento empresarial.

Sediada em Coimbra e com escritório em Lisboa, a Século das Luzes é a filial portuguesa da marca Enlightenment.AI e trabalha com clientes e provedores portugueses com a missão de ajudar as empresas a capitalizarem os seus dados da forma mais eficaz possível.

Miguel Cabrita, cofundador da Século das Luzes conjuntamente com Manuel Levi (CEO), acredita que as empresas mais competitivas, e as que irão conseguir sobreviver e prosperar, serão aquelas que investem na construção de uma estratégia de dados bem elaborada, e “não as que fazem um ou dois projetos de data science vistosos”.

Pela sua parte, a Século das Luzes está empenhada em ajudar as empresas a compreender como funcionam as áreas de data science e de inteligência artificial e como se constrói uma empresa data driven, ao mesmo tempo que continua a explorar o espaço de web3 com crypto e blockchain, algo em que acredita ser o futuro da internet.

Como carateriza a Século das Luzes?
A Século das Luzes é uma empresa de consultoria em TI, mais especificamente em data science, inteligência artificial, internet das coisas (IoT), blockchain e realidade virtual. Fazemos uma consultoria mais estratégica onde, em conjunto com os decisores, definimos a estratégia de dados da empresa, no nosso programa data strategy.

Quais os pilares da vossa atuação?
Temos uma metodologia própria chamada FORCE que consiste nos cinco pilares que descrevo resumidamente: Foundation, tradução dos objetivos de negócio em métricas e preparação duma estrutura de dados robusta e com qualidade; Observation, monitorização das métricas (OKRs e KPIs) com dashboards; Resilience, desenvolvimentos modulares em micro-serviços e processos para evitar falhas; Competence, análise de processos existentes com vista à sua automatização ou eliminação, reduzindo custos; e Expansion, análises que consigam trazer mais faturação à empresa, normalmente onde brilham vários use cases de data science, machine learning ou blockchain.

Qual a relação da Século das Luzes com a Enlightenment.AI?
A Século das Luzes é a filial portuguesa da marca Enlightenment.AI, sendo que esta última trabalha essencialmente no estrangeiro, nomeadamente para Londres, Singapura e Dinamarca.

“(…) percebemos que o mercado nacional está alguns anos atrasado no que toca a estas áreas de dados”.

Porquê essa distinção de designação?
Resolvemos fazer esta distinção por vários motivos. Um deles é que são mercados diferentes e percebemos que o mercado nacional está alguns anos atrasado no que toca a estas áreas de dados. Outro motivo é que temos na marca nacional Século das Luzes o reconhecimento da ANI (Agência Nacional de Inovação) como empresa idónea em I&DT (Investigação e Desenvolvimento Tecnológico), o que permite o acesso a condições especiais aos nossos clientes nacionais.
Outro ainda é que assim podemos focar o conteúdo e a mensagem em português na marca nacional, e em inglês e, eventualmente, outros idiomas na marca internacional, cujas diferenças vão para além do idioma devido às diferentes maturidades que encontramos tanto nos países como nos setores.

Trabalham apenas com clientes nacionais? Quais os mais emblemáticos?
A Século das Luzes trabalhou com algumas PME ajudando-as, numa fase embrionária na maturidade de dados, a definir e a implementar a sua estratégia de dados e as suas primeiras soluções de inteligência artificial, normalmente no marketing.

Também trabalhamos com grandes empresas como a EDP e o BPI, tendo este último projeto sido distinguido pela indústria com alguns prémios, Prémio para “Best technology initiative – Europe”, no Financial Innovation Awards 2019; Prémio para “Best Digital Strategic Tool” no Portugal Digital Awards 2019; e ainda altamente recomendado nas categorias de “Tech Team of the Year” e “Best Use of Data” do 20º Banking Technology Awards.

O projeto reuniu uma equipa excecional da qual fazemos parte e envolveu várias aplicações de data science, desde modelos de recomendação, análises de churn e automated machine learning (autoML).

Enquanto Enlightenment.AI destacamos o trabalho efetuado com empresas inovadoras como a Kheiron Medical, com quem desenvolvemos o primeiro produto do Reino Unido para deteção de cancro em mamografias com uso de deep learning, e com a Carlsberg com quem trabalhámos, acima de tudo, de forma estratégica a ajudar a direcionar os esforços da equipa de data science para projetos de elevado retorno.

Têm alguma ligação à Universidade de Coimbra?
Eu e o Manuel Levi fomos alunos da Universidade de Coimbra: eu mestre em Matemática Aplicada e Computação e o Manuel mestre em Engenharia Informática. Por esta altura tivemos também uma ligação direta com o Computational Design and Visualization Lab (CDV) e o Ambient Intelligence Lab (AmiLab), ambos pertencentes ao grupo Cognitive and Media Systems liderado pelo professor Penousal Machado.

Com a empresa já formada, coordenámos alguns estágios de verão com alunos da Universidade. Além disso, a FCTUC (Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra) e o CMUC (Centro de Matemática da Universidade de Coimbra) foram duas das quatro entidades do SCTN (Sistema Científico e Tecnológico) que atestaram a nossa idoneidade para projetos de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico perante a ANI, algo que nos orgulha imenso.

O que levou dois alumni da Universidade de Coimbra a fundar este projeto?
Eu e o Manuel já nos conhecíamos mesmo antes de entrarmos na universidade, do tempo do ensino secundário, em que eu estudava no liceu José Falcão e o Manuel Levi no liceu Dona Maria, ambos de Coimbra.

Depois de terminar o curso, o Manuel Levi rumou a Londres e Singapura onde trabalhou como data scientist em vários projetos. Em 2017, e depois de ter visto o potencial disruptivo de data science e inteligência artificial nas empresas, decidiu regressar a Portugal com o objetivo de ajudar as nossas empresas a tornarem-se mais data-driven. Durante este tempo eu estava a trabalhar como junior data scientist numa consultora e a aprender mais sobre esta área, embora no cliente em que trabalhava o meu projeto não estivesse a avançar com desafios de data science com a velocidade que eu gostaria. Decidi abandonar esse projeto e procurar novos desafios. Tive algumas conversas e desenvolvi alguns projetos em mentoria com o Manuel. Percebemos que estávamos alinhados e decidimos começar uma empresa por nós próprios.

“É muito importante perceber que todas as empresas têm as suas especificidades e a solução encontrada por uma nem sempre será a melhor ou mais prioritária para a outra (…)”.

Assumiram a data science e a inteligência artificial como o vosso core. Quais os vossos fatores de diferenciação/ valorização face à concorrência?
A Século das Luzes não se centra num produto ou num nicho específico como é o caso da Feedzai, a Farfetch, a Defined.AI ou a YData. Trabalhamos em quase todos os setores, procurando, explorando e desenvolvendo a solução mais adequada e customizada para o problema de negócio específico do nosso cliente.

Um dos principais fatores de diferenciação e valorização é a nossa abordagem na consultoria de data strategy, baseada na nossa metodologia FORCE. O primeiro investimento numa empresa data-driven deve começar sempre aqui, pois apenas com uma estratégia de dados bem executada conseguimos garantir que todos os investimentos em investigação e desenvolvimento tecnológico irão ser dirigidos a problemas sérios da empresa e que irão trazer o maior retorno possível no investimento feito.

Esta abordagem tem o condão de, entre outras coisas, prevenir os nossos clientes de começarem a investir em projetos de data science com alto risco, que surgem normalmente de ideias de aplicações por parte de outras empresas que leem em artigos ou notícias. É um pouco como ir ao médico com um autodiagnóstico obtido em leituras na internet e levando uma receita que funcionou para outra pessoa.

Dito assim parece absurdo, mas nesta área acontece muito! É muito importante perceber que todas as empresas têm as suas especificidades e a solução encontrada por uma nem sempre será a melhor ou mais prioritária para a outra, ainda que com problemas semelhantes.

Outro fator é que ao fim de três anos de atividade fomos reconhecidos pela ANI como empresa idónea em I&DT em três áreas distintas, TIC nas empresas, TIC na saúde e Internet das Coisas. Este reconhecimento permite  que os projetos de I&DT que sejam desenvolvidos com empresas idóneas para a prática de projetos de I&DT podem candidatar-se ao SIFIDE, que é o Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial, permitindo um desconto de até 82,5% em sede de IRC.

“(…) temos tido a oportunidade de explorar o espaço de web3 com crypto e blockchain, algo em que investimos bastante do nosso tempo e que acreditamos ser o futuro da internet”.

Quais as vossas principais áreas de atuação? Alguma delas é prioritária?
A Século das Luzes é uma empresa focada em áreas de inovação e I&D e isto expõe-nos a uma série de tecnologias diferentes. Historicamente as nossas principais áreas de atuação têm sido no desenvolvimento e implementação de estratégia de dados e inteligência artificial. No entanto, como qualquer empresa de inovação e I&D essas áreas não são estanque.

Temos também experiência com projetos de IoT e andamos a explorar o potencial da realidade virtual em aplicações para empresas. Mais recentemente, temos tido a oportunidade de explorar o espaço de web3 com crypto e blockchain, algo em que investimos bastante do nosso tempo e que acreditamos ser o futuro da internet.

Recentemente foram certificados pela ANI como “empresa idónea para a prática de projetos de I&D tecnológico”. O que significa esta distinção?
Esta distinção foi-nos dada depois de um longo período de trabalhos sucessivos em diversos projetos de I&D de sucesso e é para nós um grande orgulho. Este reconhecimento foi-nos dado depois dum processo longo e exigente, em que obtivemos primeiro o reconhecimento de pelo menos duas entidades do SCTN (Sistema Científico e Tecnológico Nacional) e, posteriormente, a apreciação por parte dum painel de especialistas da ANI dos vários casos de uso nas áreas.

“As empresas nacionais ainda têm um longo caminho a percorrer acima de tudo na compreensão de como funcionam as áreas de data science e de inteligência artificial e como se constrói uma empresa data driven”.

Ao longo dos vossos quatro anos de atividade como analisa a utilização de dados feita pelas empresas nacionais? Na sua opinião, estão a saber tirar o melhor partido desta ferramenta de trabalho?
As empresas nacionais ainda têm um longo caminho a percorrer na compreensão de como funcionam as áreas de data science e de inteligência artificial e como se constrói uma empresa data driven. Algumas empresas, independentemente da sua dimensão, têm a ideia errada de que “a máquina faz tudo” e que é muito simples desenvolver modelos que irão revolucionar o seu dia a dia, menosprezando a necessidade de ter dados bem estruturados e com qualidade, e uma estratégia de dados bem definida.

Outras ainda insistem em desenvolver modelos para os quais a sua infraestrutura ou operações não estão preparadas para utilizar no final, ou em melhorar o desempenho de modelos muito para além do necessário pois não definem bem qual o objetivo que pretendem alcançar, entrando facilmente na armadilha dos diminishing returns. Essencialmente, falta-lhes aquilo que trabalhamos na nossa metodologia FORCE no primeiro módulo, o Foundation.

O que é que o talento nacional tem feito pela inovação e pelo desenvolvimento tecnológico no campo da data science e da IA, entre outras?
É conhecido que Portugal tem uma excelente formação em ciências e engenharia, tanto que a procura pelos nossos profissionais é bastante grande, não só cá dentro como também de fora. Isto leva a que a retenção em território nacional destes profissionais seja cada vez mais difícil, sobretudo na era em que vivemos de cada vez mais trabalho à distância.

No entanto, não é raro encontrarmos empresas portuguesas e portugueses ao leme de projetos nesta área lá fora, tal como foi o caso dos nossos próprios projetos para clientes da Dinamarca, Londres, Suíça, Singapura, etc., e de outras start-ups portuguesas que conseguem atrair e reter esses talentos como a Feedzai, a Critical Software, a Stratio Automotive e a Farfetch.

“(…) as empresas mais competitivas e as que irão conseguir sobreviver e prosperar, serão aquelas que investem agora em construir uma estratégia de dados bem elaborada (…)”

Quais as tendências mais disruptivas se adivinham nesta área da data science e da inteligência artificial?
Saiu recentemente um estudo da Accenture que indica que “mais de 60% das empresas ainda estão numa fase experimental de uso de Inteligência Artificial”. Isto não é novidade para nós pois temos visto e trabalhado com vários clientes nessa fase experimental e a dar os seus primeiros passos.

Estamos convencidos de que as empresas mais competitivas e as que irão conseguir sobreviver e prosperar, serão aquelas que investem agora em construir uma estratégia de dados bem elaborada, e não as que fazem um ou dois projetos de data science vistosos.

É também inevitável olhar para a revolução que a blockchain tem trazido e vai continuar a trazer. Pelo facto da informação na blockchain ser pública e cada vez mais volumosa, pensamos que irá aumentar a procura por serviços de blockchain analysis para gerar insights relevantes, de outra forma dificilmente percetíveis.

E que desafios enfrenta um projeto como o vosso para se implantar no mercado nacional? Enquanto empreendedores, como olham para o caminho percorrido até agora?
Existem algumas características que fazem com que o mercado português seja o mais desafiante com que trabalhamos. Um dos maiores desafios é a falta de escala. Com empresas grandes é mais fácil ver o retorno das nossas soluções e justificar o investimento, porque o nosso trabalho é multiplicativo.

Imaginemos que subimos as vendas de uma empresa 5%. Para uma empresa com um milhão de euros de faturação por ano isto significa uma coisa, para uma empresa como a Carlsberg com mais de mil milhões de faturação anual, isto significa algo bem diferente…

Sentimos também que culturalmente muitas das empresas em Portugal têm um foco muito grande em reduzir riscos e custos, e que por vezes se esquecem de focar no aumento das receitas e da rentabilidade. Isto é contrastante com as empresas dos países mais desenvolvidos com quem trabalhamos na EAI, em que o foco está maioritariamente no investimento para o aumento das receitas.

Finalmente, Portugal tem uma carga fiscal muito elevada relativamente ao resto do mundo o que torna tudo mais difícil não só para os nossos clientes, mas também para as empresas que se sentem sufocadas e com dificuldades para crescerem.

Sentimos, felizmente, que esta situação está a mudar e que as empresas começam a estar mais conscientes de que, caso não invistam na modernização não irão sobreviver neste mundo cada vez mais competitivo e tecnológico. Isto acontece com a entrada de novos gestores, mais informados sobre o valor dos dados, da digitalização e escalabilidade, e que tipicamente têm uma visão mais atualizada e global dos negócios.

Com sistemas de incentivos como o SIFIDE, as empresas têm à sua disposição uma oportunidade excelente para investirem na sua modernização e estratégia de dados com um custo e risco substancialmente reduzido.

Quais os projetos em carteira para reforçar a oferta de serviços/produtos da Século das Luzes?
Estamos a investir na digitalização dos nossos serviços de consultoria estratégica, criando a primeira plataforma do mundo de data strategy. Esta plataforma irá permitir que os utilizadores tirem proveito da nossa metodologia de uma forma mais acessível, intuitiva e escalável.

No mundo de cripto e blockchain temos investido na formação e no desenvolvimento de projetos em web3. Adicionalmente, lançámos recentemente um serviço de mineração de criptomoedas que permite aos nossos clientes a compra de Bitcoin ao preço de custo.

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