Entrevista/ “Se queremos reter o talento, temos de perceber se as pessoas vêm trabalhar com um sorriso ou por obrigação”

Em janeiro deste ano começou por dar as tardes de sexta-feira aos colaboradores. Quase um ano depois, Nuno Neves, CEO e partner da Precise, faz um balanço positivo da medida que não só contribuiu para um melhor equilíbrio entre a vida profissional e pessoal dos funcionários, como também levou a que estes se tornassem nos principais recrutadores. E adianta que, em 2023, a estratégia pode passar pela adoção da semana de quatro dias de trabalho.
“Se queremos reter o talento nas nossas empresas, temos de estar próximos da operação e perceber se efetivamente as pessoas vêm trabalhar com um sorriso ou apenas por obrigação. Para tal, temos de perceber se o volume de trabalho e a carga de stress não estão a contribuir para um desequilíbrio nesta balança”, afirma Nuno Neves, CEO e partner da Precise, empresa especializada em recrutamento, seleção e outsourcing, nas áreas da Saúde e Tecnologias de Informação, em entrevista ao Link To Leaders.
A empresa implementou há cerca de um ano o conceito de Blue Friday que consistiu em dar as tardes de sexta-feira aos colaboradores, uma medida que, segundo o responsável, levou ao aumento da produtividade, à otimização dos processos e a taxas de absentismo e turnover na ordem dos 0%.
E pode não ficar por aqui em 2023. Em cima da mesa está a possibilidade da Precise avançar para a semana de quatro dias de trabalho, uma estratégia que ainda está a ser analisada.
O que faz a Precise?
A Precise é uma empresa de gestão e consultoria na área de Recursos Humanos, com especial foco na área da saúde e nas tecnologias de informação.
Com que tipo de clientes trabalha? E quais os de maior peso na faturação da empresa?
Na área da saúde trabalhamos quer com instituições do SNS, mas também com grupos privados de saúde; na área das tecnologias de informação cerca de 80% dos nossos clientes são empresas estrangeiras de core tecnológico que escolhem Portugal para implantar os seus hubs de desenvolvimento na área das TI.
Devido à tipologia do negócio, evidentemente que o maior peso no que respeita à faturação da empresa encontra-se na área da saúde, uma vez que aqui realizamos serviços de outsourcing onde efetuamos o processo de A a Z, desde o recrutamento dos candidatos até ao pagamento dos seus honorários mensais, enquanto na área das TI, focamo-nos exclusivamente no processo de recrutamento e seleção dos candidatos.
Quando representa o mercado internacional para a empresa?
Na área das TI, o mercado internacional tem vindo a crescer consideravelmente nestes últimos dois anos e já representa atualmente cerca de 80% dos nossos clientes, com tendência a aumentar. Na área da saúde, a grande maioria dos clientes são exclusivamente nacionais.
“Com o crescimento significativo do volume de negócios, principalmente nestes últimos dois anos, agora são as empresas que têm de atrair o trabalhador, apresentando as melhores condições possíveis”.
Quais os maiores desafios que a Precise encontrou nos últimos anos e que estratégias implementou para os ultrapassar?
Dois dos maiores desafios nestes últimos anos foram, sem dúvida, e primeiro de tudo, a adaptação rápida e forçada à realidade do teletrabalho e, em segundo, a crescente dificuldade em recrutar profissionais na área dos recursos humanos, algo que mudou com a pandemia.
Com o crescimento significativo do volume de negócios, principalmente nestes últimos dois anos, agora são as empresas que têm de atrair o trabalhador, apresentando as melhores condições possíveis. Para tal, não basta apenas o pacote salarial, também serão necessários outros benefícios que estimulem o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, assim como iniciativas que promovam o convívio e o bom ambiente dentro da empresa. Como exemplos, temos a implementação, em janeiro de 2022, da Blue Friday e das aulas de Yoga uma vez por mês.
Qual o balanço Blue Friday que implemetaram há um ano?
Sem dúvida, bastante positivo. Se queremos reter o talento nas nossas empresas, temos de estar próximos da operação e perceber se efetivamente as pessoas vêm trabalhar com um sorriso ou apenas por obrigação. Para tal, temos de perceber se o volume de trabalho e a carga de stress não estão a contribuir para um desequilíbrio nesta balança. Este tipo de iniciativas e benefícios são a nossa tentativa para equilibrar essa mesma balança.
Como foi acolhida a iniciativa pelos funcionários?
Este benefício foi sugerido inicialmente pelos colaboradores em posições de liderança dentro das várias equipas. A direção analisou e decidiu implementar a medida em janeiro de 2022. A recetividade dos restantes colaboradores foi fantástica e unânime. Imediatamente foi visível que a iniciativa iria trazer mais motivação junto das equipas. Ressalvo também, o espírito de abertura que é necessário existir dentro de uma organização para que os seus colaboradores se sintam ouvidos e que iniciativas como esta e outras possam ser implementadas.
A redução de horário implicou uma redução proporcional de salário?
De todo. Se tal acontecesse, a Blue Friday nunca poderia ser referida como um verdadeiro benefício.
“Indiretamente prestamos um serviço público ao colocarmos os nossos profissionais em hospitais e centros de saúde. Assim, tivemos de ajustar os pares de colaboradores, para que os clientes nunca ficassem sem resposta imediata à suas necessidades”.
Que mudanças implicou na estrutura da empresa?
O único ajuste que teve de ocorrer para a implementação da Blue Friday foi na área da outsourcing uma vez que a área da saúde é bastante sensível. Indiretamente prestamos um serviço público ao colocarmos os nossos profissionais em hospitais e centros de saúde. Assim, tivemos de ajustar os pares de colaboradores, para que os clientes nunca ficassem sem resposta imediata à suas necessidades.
Que vantagens trouxe para a empresa e para os funcionários?
As vantagens foram a vários níveis. A motivação junto dos colaboradores foi notória, pois contribuiu para um melhor equilíbrio entre a sua vida profissional e pessoal, o que por sua vez fez aumentar a produtividade e comprometimento para com a empresa e com o projeto. Isto levou a uma redução clara do absentismo e do turnover.
Onde também pudemos verificar o sucesso desta iniciativa, foi o facto dos nossos próprios colaboradores serem os principais recrutadores sempre que a empresa precisa de alargar os seus quadros de pessoal interno. Os funcionários transmitem uma ideia bastante positiva da Precise a pessoas conhecidas e que poderão fazer o match com o nosso ADN corporativo. Isto ajuda de sobremaneira nestes processos de recrutamento, uma vez que o mercado de recursos humanos está mais competitivo do que nunca em Portugal.
Em que é que se inspiraram para lançar esta estratégia?
A inspiração veio sobretudo dos nossos clientes. Mais precisamente dos clientes internacionais na área das TI. Muitos trouxeram a sua cultura de work-life balance para o nosso país, onde a redução do horário semanal de trabalho já é uma realidade bem presente.
Considera que as empresas que resistirem a mudanças como esta podem mesmo ficar para trás pelo facto de se tornarem menos atrativas?
Sem dúvida. Cada vez mais com a competitividade no mercado de trabalho, em geral, e na área de recursos humanos, em particular, a cada nova geração de pessoas que chegam a este mesmo mercado, estes conceitos estão cada vez mais presentes. Cada vez mais, os colaboradores é que escolhem a empresa onde querem trabalhar e não o contrário. Olhar para o lado e não assumir isto como uma realidade e tornar a nossa empresa mais competitiva na aquisição e retenção de talento é, automaticamente, ficar para trás.
“No contexto atual de crise, penso que alguns dos setores de atividade poderão atrasar um pouco a implementação destes novos modelos de trabalho”.
O contexto atual de crise será um travão para adiar o debate de novos modelos de trabalho?
Não creio. No contexto atual de crise, penso que alguns dos setores de atividade poderão atrasar um pouco a implementação destes novos modelos de trabalho. Todavia, estou em crer, que esta mudança veio para ficar. Um pouco à semelhança do que acontece com o fim dos motores de combustão no setor automóvel, as marcas/empresas que não se adaptarem rapidamente irão forçosamente ficar menos competitivas e atrativas ao consumidor/mercado de trabalho.
Portugal lida também com um enorme problema demográfico e os decisores têm abordado esta questão sobre variados ângulos, entre eles a conciliação entre a vida profissional e familiar. O modelo que a Precise e outras empresas implementaram como a redução de dias de trabalho pode ser uma das chaves para resolver esse problema?
Na minha perspectiva, pode ser importante, mas por si só não chegará para conseguirmos combater o problema do envelhecimento da população. A questão terá de ser abordada a vários níveis. É certo que as empresas devem contribuir com o que está ao seu alcance para o referido equilíbrio entre a vida profissional e familiar, mas sem uma verdadeira política de incentivo à natalidade, como já acontece em vários países do norte da Europa, e uma política fiscal que reduza o peso efetivo dos nossos impostos no rendimento mensal das famílias portuguesas, acho difícil invertermos o rumo da tendência atual.
Que outras iniciativas podemos esperar da Precise para o próximo ano? Semana de 4 dias de trabalho?Em virtude dos resultados obtidos, é algo que está efetivamente em cima da mesa, mas não quero ainda adiantar muito sobre o tema, uma vez que estamos a estudar a questão. E naturalmente, isso pode implicar ajustes adicionais na nossa operação. Mas diria que as perspectivas são boas.
Quanto faturaram em 2023 e quais as previsões para 2023?
Relativamente a 2022, o ano ainda não está fechado, mas prevemos chegar aos 9 milhões de euros de faturação. No que respeita a 2023, o nosso budget ainda não está fechado, mas obviamente que queremos que seja de crescimento.
“Durante 2023, esperamos também apostar em novas ideias para oportunidades de negócio”.
Objetivos para 2023?
Queremos, sobretudo, consolidar o nome da Precise no mercado, continuando a apostar e a expandir a nossa presença em clientes internacionais na área das TI, e simultaneamente, consolidamos e diversificamos o nosso negócio da área da saúde. Durante 2023, esperamos também apostar em novas ideias para oportunidades de negócio, mas para já não posso revelar mais. Nestas coisas como diz o ditado, o segredo é a alma do negócio.
Respostas rápidas:
O maior risco: Não correr riscos.
O maior erro: Todos os erros são uma possibilidade de melhoria.
A maior lição: O investimento em pessoas é retorno garantido.
A maior conquista: Ser a empresa nº1 no mercado de outsourcing da saúde em Portugal.