Opinião

Repensar a Lusofonia: E se geríssemos os nossos países como start-ups?

Adulai Bary, fundador e CEO da BIGTechnologies SARL

A política tradicional falha em dar respostas. E se a solução para as crises no mundo lusófono viesse de um sítio inesperado? Neste artigo, defendo que devemos gerir os nossos países como start-ups: com agilidade, foco no cidadão e coragem para inovar.

De Lisboa a Luanda, de São Paulo a Bissau, um sentimento de urgência paira sobre o mundo lusófono. Enquanto o planeta enfrenta crises globais de uma complexidade inédita – das guerras cibernéticas e comerciais à ascensão da inteligência artificial avançada –, os nossos países parecem enredados em problemas do século passado. Vivemos um paradoxo brutal: estamos na era da deep tech, mas governados com a mentalidade da burocracia.

A fotografia de meados de 2025 é desoladora e estranhamente simétrica. No Brasil, a polarização contínua alimenta infindáveis crises entre os poderes judicial e político, minando a confiança e adiando reformas económicas cruciais. Em Portugal, a instabilidade governativa crónica e as crises de coabitação tornam quase impossível a execução de estratégias de longo prazo. Em Angola e Moçambique, os ecos de processos eleitorais contestados alimentam a revolta popular, expondo a fratura entre os governantes e um povo que anseia por ver a riqueza do solo convertida em bem-estar. Em Timor-Leste, a hercúlea tarefa de construir um Estado sustentável debate-se com a gestão do seu fundo soberano e com tensões políticas que retardam o progresso. Na Guiné-Bissau, em São Tomé e Príncipe e em Cabo Verde, impasses constitucionais recorrentes e uma corrupção endémica sufocam o potencial de nações que poderiam ser exemplos de desenvolvimento.

Os diagnósticos são conhecidos. As soluções propostas são, quase sempre, mais do mesmo: comissões, reformas legislativas complexas, planos quinquenais rígidos e um apelo vago à “vontade política”. E se o problema não estiver nas leis ou nos planos, mas na própria “tecnologia” de gestão do Estado? E se a solução for gerir os nossos países não como impérios burocráticos, mas como start-ups?

A ideia pode soar disruptiva, mas a sua lógica é pragmática e assenta em princípios que revolucionaram indústrias inteiras. Adotar uma mentalidade de start-up na governação não significa privatizar tudo ou desmantelar o Estado social. Significa, sim, importar a sua filosofia de agilidade, eficiência e foco obsessivo na resolução de problemas.

Vejamos como isto se traduziria na prática:

  1. Mentalidade (Mindset): Da Aversão ao Risco à Experimentação Controlada. O Estado atual penaliza o erro de forma desproporcional, o que gera inércia. Um Estado-Startup cria “laboratórios” de políticas públicas, onde novas soluções (na saúde, educação, justiça) são testadas em pequena escala. Se funcionarem, são expandidas. Se falharem, aprende-se com o fracasso de forma rápida e barata, sem comprometer todo o sistema.
  2. Equipas Reduzidas e de Alto Impacto: Em vez de ministérios paquidérmicos e hierarquias lentas, o foco estaria em equipas pequenas, multifuncionais e com autonomia para resolver um problema específico. Imagine uma “squad” de 10 pessoas – engenheiros, médicos, gestores, juristas – com o único objetivo de reduzir as listas de espera para cirurgias em 50% em seis meses, com métricas claras e poder de decisão.
  3. Agilidade e Processos Simplificados: As metodologias ágeis, que permitem a empresas de tecnologia criar produtos em semanas, seriam aplicadas à administração pública. Em vez de esperar anos por uma nova lei de licenciamento de empresas, o governo lançaria um “Produto Mínimo Viável” (MVP) – um processo digital ultra-simplificado para um setor específico. O feedback dos utilizadores (os cidadãos e empresários) seria usado para melhorar o sistema em ciclos curtos e iterativos.
  4. Digitalização Radical e Foco no Resultado: A digitalização não é ter um portal do governo; é repensar cada processo a partir do zero, centrado na experiência do cidadão-utilizador. As decisões deixariam de ser baseadas em intuições políticas para serem guiadas por dados em tempo real. O sucesso de um ministro não seria medido por inaugurações, mas por indicadores de performance (KPIs) claros e públicos: a taxa de alfabetização subiu? O tempo para abrir um negócio diminuiu? A perceção de corrupção melhorou?

Encarar a nação como uma start-up é substituir o debate ideológico estéril pela execução focada. É trocar a promessa pela entrega. É, acima de tudo, uma questão de sobrevivência. O mundo não vai esperar que a lusofonia resolva as suas crises de identidade e os seus impasses constitucionais. Ou nos adaptamos às exigências do século XXI, com agilidade e coragem, ou nos tornamos irrelevantes.

A transformação não é fácil. Exige uma liderança visionária e uma cidadania exigente. Mas os nossos desafios são demasiado grandes para as velhas ferramentas. É tempo de deixar de gerir o passado e começar a programar o futuro. A Nação Start-up não é uma utopia; é uma necessidade premente.


Adulai Bary é gestor e empreendedor com mais de uma década de experiência em engenharia informática, inteligência empresarial, telecomunicações e consultoria internacional. Licenciado em Métodos de Tecnologia e Matemática Aplicados à Gestão, possui um MBA em Empreendedorismo & Negócios e certificações em gestão de projetos, incluindo a qualificação COPC.

Liderou a área de Inteligência Empresarial (BI) numa multinacional de telecomunicações e coordenou iniciativas estratégicas para o Governo da Guiné-Bissau, como os projetos Guiné-Bissau 360 e a participação na Expo 2023 em Doha. É presidente da GwIX, promovendo a infraestrutura digital no país.

Cofundador de várias empresas tecnológicas e de impacto, como a BIGTechnologies (Fundador & CEO), InnovaLab (Cofundador & PCA), Orik Capital, Ubuntu Green Energy e Inunde, tem também colaborado com organizações como a ONU e o Banco Mundial em projetos de desenvolvimento económico e digital. Foi reconhecido como um dos 100 jovens mais influentes da África Ocidental e é Embaixador da Guiné-Bissau pelo One Young World e pelo Next Einstein Forum.

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