Opinião

Regressar à essência

Isabel Jonet, presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome

A vida é feita de altos e de baixos e, sobretudo, da aprendizagem e das ilações que possamos e consigamos fazer e retirar de cada um desses momentos. Para que, em média, a qualidade de vida possa ser melhor no futuro e de forma a que, de cada vez, consigamos reduzir o espaço para que o imprevisível nos consiga surpreender ao virar da esquina.

Trago propositadamente esta reflexão sobre a recente crise económica e financeira para um plano pessoal, que é por definição a unidade económica mais micro da economia, para evitar discutir a questão teórica do modelo económico em que vivemos e da naturalidade, ou mesmo necessidade, que as crises tenham lugar e se sucedam. Sou economista, acredito nas qualidades da economia de mercado, embora carente de uma regulação apropriada, e sei que as crises, embora cruéis para muitos daqueles que as experimentam e lhes sofrem as consequências, são necessárias e trazem no seu âmago o elemento regenerador e a mola percursora do desenvolvimento que faz as sociedades pularem, avançarem e criarem mais riqueza e emprego.

À crise sempre sucede uma nova bonança. E aquilo que se nos pede a todos nós, uns mais responsáveis do que outros, com maior ou menor capacidade de intervenção, enquanto decisores ou meros agentes económicos ou políticos, mas todos imbuídos do mesmo dever cívico, é que sejamos capazes de apresentar e de propor soluções que lhe ponham fim rapidamente e que, sobretudo, preparem um advir em que seja menor a probabilidade de recorrência de situações desta natureza.

A minha experiência profissional expôs-me à evidência que os recursos são ainda mais escassos do que aquilo que suspeitamos, apesar da cultura de esbanjamento e do “faz de conta” que grassa nas nossas sociedades, que, por isso mesmo, nos obnubila na capacidade de discernir a realidade. E que, decerto ainda mais grave, estão ainda pior distribuídos do que pensamos.

E mostraram-me também que é possível fazer melhor. Acredito com convicção que a crise que vivemos constituiu uma oportunidade para refletirmos naquilo que vimos fazendo erradamente e para retificarmos um curso que, mais tarde ou mais cedo, nos conduzirá certamente ao abismo enquanto sociedade e civilização. Estou sinceramente convencida, que uma parte da receita para resolver a crise económica e financeira, e para limitar a probabilidade de uma recorrência tão impactante como a que vivemos, passa por entendermos todos, nos planos coletivo e individual, que necessitamos de fazer um esforço para regressar à essência das coisas.

A nível mundial, nos países menos desenvolvidos, com a existência de grandes setores da população mundial já muito abaixo do limiar da pobreza, as crises têm consequências devastadoras. Há milhões de pessoas em todo o mundo que se encontram impossibilitadas de adquirir alimentos para a sua sobrevivência. Não é possível aos Governos esquecerem essa realidade e o potencial de enorme disrupção que pode resultar de uma respetiva incapacidade em a enfrentar de modo adequado.

Esse é o papel insubstituível do Estado, que deve, contudo, ser exercido de forma comedida e sob vigilância. E nós, sociedade civil, qual é o papel que, individual e coletivamente, podemos desempenhar? Não creio que esse papel seja despiciendo, antes pelo contrário. Passa por recusar a facilidade e o facilitismo. Significa alterar hábitos instituídos e, sobretudo, “cair no real”, reeducando comportamentos e readquirindo sobriedade na forma de viver, nas opções pessoais. Há que voltar a incutir valores, nomeadamente o respeito pelos outros e pela natureza, a verdade, a justiça, a tolerância, a partilha, e invertendo o espírito consumista e imediatista que impera nas sociedades atuais, de forma transversal, sem medir consequências nem efeitos a nível individual ou coletivo. Valores que são absolutos e não relativos, como tudo parece ser hoje em dia, valores que são a pedra basilar de todas as sociedades e que parecem hoje ter desaparecido, com as consequências à vista.

Estou convencida que é na combinação e ponderação apropriadas entre o papel inevitável do Estado e necessário da sociedade civil e da iniciativa privada na ultrapassagem desta crise económica e financeira que está a grande oportunidade que já referi atrás – e que não podemos deixar passar em claro, sob pena de desperdiçar uma oportunidade única, deitando muito a perder.

Em resumo, a chave está, em meu entender, em sermos capazes de regressar à essência das coisas para podermos ser capazes de preservar o essencial da capacidade do modelo em que temos vivido para promover o desenvolvimento e a redução das desigualdades a nível mundial. Está nas nossas mãos contribuir para superar esse desafio!

 

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