Opinião

Que se substituam os likes por beijos

Sandra Silva, diretora-geral da Mary Kay Portugal

Será possível definir o ADN tipo de um líder? Que características têm em comum os maiores líderes da história mundial? Serão essas características suficientes para os líderes dos nossos dias? Nas empresas, na política ou nas organizações?

Do que tenho observado e também estudado ao longo dos anos acredito que há características que são comuns aos maiores líderes da nossa história, independentemente da geografia ou do tempo. O que têm em comum Winston Churchill, Alexandre “o Grande”, Nelson Mandela, Cleópatra ou Martin Luther King? Ou no campo empresarial Mary Kay Ash ou Steve Jobs?

Visão. Coragem. Princípios. Comunicação.

Todos sem exceção acreditavam e eram alimentados pela visão. Alimentavam-se primeiro eles próprios da realidade que sonhavam e que acreditavam ser capazes de alcançar, para depois inspirar outros à ação. Acredito que a visão é sem dúvida a característica mais importante de qualquer líder. Seja no caso das lideranças positivas, seja no caso das lideranças negativas. A visão é o super poder de qualquer líder. Todas as restantes características derivam e são possíveis a partir dela.

Se um líder a perde, se deixa de ver a realidade que pode criar passa a ser apenas mais um na sociedade. Sem capacidade para criar, inovar e transformar.

Da visão vem a coragem para saber aguentar todos os embates e pequenas derrotas do caminho que obrigam a ajustes e correções. Vem também a capacidade de comunicar de forma apaixonada que inspira e motiva pessoas a quererem contribuir para construir essa visão. Vem a força e a determinação necessárias para não desistir.

Por fim, um líder que cria visão fá-lo a partir dos seus princípios. Mandela acreditava numa África unida e em paz. Mary Kay Ash, nas mulheres e em todo o seu potencial. Churchill num mundo em paz e democrático.

Um líder tem seguidores, naturalmente. No entanto os grandes líderes não estiveram nem estão preocupados em saber continuamente quantas e que pessoas o seguem. Têm sim a preocupação constante de saber se estão a caminhar e a progredir em relação à visão. Porque ser líder não é ganhar em concurso de popularidade. Ser líder é criar algo maior e melhor que serve a sociedade, um país, uma organização ou empresa e por isso as pessoas seguem-no(a).

Estamos na quarta revolução industrial. Temos a inteligência artificial. A natureza do trabalho alterou-se. Assistimos a nível mundial mais do que a uma revolução industrial a uma crise global num ponto de viragem para a construção de uma nova ordem mundial. Globalização ou regionalização? Inclusão ou políticas de emigração de malha apertada? Democracias ou autocracias? Escalar negócios com ganhos de eficiência ou sustentabilidade económica, ambiental e social?

Estamos num momento de viragem com o pêndulo ora para um lado ora para o outro.

O papel dos líderes do século XXI volta por isso a ser crítico. De que líderes necessitamos? Terão essencialmente as mesmas características ou necessitam de mais alguma?

Acredito que as características dos líderes que necessitamos são essencialmente as mesmas. Mas estão em crise. Líderes visionários. Com princípios. Corajosos e que são exemplo, precisam-se.

Talvez possamos culpar as redes sociais. Os likes, os comentários…

Talvez possamos culpar na política as permanentes sondagens sobre tudo e sobre nada seguido de intermináveis conversas sobre forma e não substância.

Nas escolas, os rankings. A performance técnica, académica e numérica penalizando outras dimensões do ser tão críticas para o desenvolvimento de líderes.

Nas empresas, as medições constantes a empurrar os líderes a serem gestores de curto prazo. Do aqui e do agora. O lucro como propósito último, e não um propósito abrangente que traz ganhos para os colaboradores, ganhos para os clientes que veem as suas necessidades satisfeitas, ganhos para a comunidade, ganhos para o ambiente e naturalmente, lucros.

Vivemos e tentamos liderados aprisionados. E isso é impossível. Enquanto estivermos mais preocupados em gerir gostos e popularidade, a liderança estará em crise. Nunca se falou ou estudou tanto sobre ela como agora. Intelectualmente estamos mais preparados do que nunca. No entanto, é imperativo voltar ao verdadeiro sentido e propósito da existência das lideranças e dos líderes! Um mundo melhor. Não um concurso de popularidades ou egos.

Voltemos verdadeiramente ao ser e não ao parecer! Que se substituam os likes por beijos. Os comentários por discussões e discordâncias profundas, fundamentadas e com respeito. O politicamente correto, pela construção.

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Sandra Silva

Sandra Silva

Sandra Silva é a diretora-geral da Mary Kay Portugal desde 2009, ano em que entrou para a companhia. Desempenhou um papel importante e fundamental tendo sido responsável pelo turnaround da empresa em Portugal. Liderou a importante renovação da estratégia de negócio implementada em todos os departamentos. Também é membro da Plataforma Portugal Agora. Antes de chegar à Mary Kay a experiência profissional de Sandra Silva centrou-se nas áreas das Vendas e Marketing em multinacionais de grande consumo. Começou na Johnson&Johnson,... Ler Mais..

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