Opinião
Que ensino produz melhores líderes?
Quando entrei para a universidade era um número. As aulas eram em anfiteatros a perder de vista. Os professores, saber-lhes o nome, era por vezes uma aventura. Não havia qualquer relação docente-aluno.
Lembro-me de umas caixas de madeira dos docentes, no pavilhão central do Técnico, onde se podiam depositar, em papel escrito, dúvidas e/ou questões que tivéssemos, não referentes a matéria, mas a aspetos administrativos.
Não havia emails.
Ninguém sabia qualquer telefone de qualquer docente.
Não havia plataformas onde se colocam materiais, não havia slides, não havia nada disso. Havia, sim, um conjunto de sebentas e cadernos escritos por alunos de anos anteriores. E ninguém sabia se estavam corretos.
O ambiente era de total desenrasca. E era hostil.
No final do curso fiz uma oral, que trago de memória, onde dois docentes, no verão, bebiam uma cerveja à minha frente.
O cenário, todo o cenário de um Técnico dos anos 80, me cheirava a cenário de um filme americano onde as tropas tratam da “saúde” aos seus recrutas. De forma que a nossa imaginação tão bem conhece.
“I’m recruiting soldiers
For Jah army
Recruiting soldiers
Jah time is now
…/…”
Enquanto aluno, não gostei do modelo. É um facto, porém, que este ensino fazia emergir capacidade de trabalho, resiliência e uma força de vencer obstáculos como se estivéssemos precisamente num filme americano de guerra onde maltratam recrutas. “Ai é? Pois vamos ver se conseguimos ou não”.
Hoje não.
Entra-se na universidade e elevam-se as expetativas.
Somos todos os melhores e todos uma espécie de última bolacha do pacote.
Só não vamos a Marte porque ainda não há meio de transporte.
Só não vamos mais longe porque esbarramos em alguns obstáculos que não eram merecidos.
De resto, o ensino é voltado totalmente para o aluno e para o serviço.
Este ensino, porém, tem que ter algumas balizas caso contrário, ao elevar imenso as expetativas, traz também enormes frustrações.
Os professores prestam, efetivamente, um serviço aos alunos e devem estar porque têm uma vocação.
Devem esclarecer dúvidas, devem ser abertos ao relacionamento, devem acolher, compreender, ajudar a crescer e ao desenvolvimento dos participantes. Sempre. Devem disponibilizar contactos, devem dispor de tempo e munir-se da resiliência que noutros tempos se pedia aos alunos. Devem trabalhar ao lado dos alunos.
Isto dito, o que este modelo traz é um aligeiramento de alguns obstáculos e da carga de trabalho. E com o epíteto de que todos somos o máximo. Que não é verdade. Aliás, ninguém é o máximo.
Sou adepto, muito adepto, do trabalho. E muito trabalho. Disponibilidade total do docente para ajudar a trabalhar. Os alunos, os bons alunos, devem distinguir-se pela capacidade de se entregarem, de trabalharem, de fazerem o extra-mile. E de mostrarem curiosidade intelectual e paixão pelo que fazem. Não se lhes deve medir o QI. Deve avaliar-se a sua atitude, a sua vontade, a sua construção, a coragem com que abraçam e se entregam a novos desafios. Que, no final, e ao olharem para trás e se com a atitude correta sabem que venceram.
Isto dito e a grande questão é saber que modelo de ensino fabrica melhores líderes? O primeiro há muita gente que o viveu na pele. O segundo, há também muito quem o vive, nos dias que correm, mas sem grandes balizas e sem grande entrega e esforço. Entre ser “mau” e ser “o melhor” vai talvez a distância entre a psicologia (psicopatologia) e a psicologia positiva. O que serve melhor a construção de lideranças?