Opinião

Quando “bem-comportado” vira “empresários desorganizados”

Randy M. Ataíde, CEO da StealthGearUSA

À medida que a parte final de 2017 se aproxima, Portugal está a experimentar uma recuperação pós-crise surpreendente em quase todas as medidas.

Escorado nos dois polos da aceleração do crescimento económico e da queda do desemprego, que se situa perto da média das nações da União Europeia, Portugal também experimentou um boom turístico impressionante, um respeito global e novos mercados para os seus produtos de alta qualidade e, claro, a sua reconhecida ascensão empresarial. Os portugueses têm muito para se orgulhar, mas há nuvens escuras em formação que requerem atenção.

Durante a crise económica de 2008-2015, os líderes políticos de Portugal esforçaram-se para preservar a reputação de membro não combativo da UE, afirmando-se frequentemente como “anti-Grécia”. Nos primeiros anos da crise, conforme relatado na edição de 22 de abril de 2010 do The Economist, a reputação de Portugal como membro “bem-comportado” da União era claramente uma prioridade nacional fundamental.

No Modern Portugal, um livro de António Costa Pinto publicado em 1998, a secção de economia do livro conclui com “À vista da comunidade internacional, Portugal surgiu como uma economia ordenada e bem-comportada e como uma nação que tinha cumprido rigorosamente as medidas que lhe foram impostas”. Surpreendentemente, tal como Pinto descreveu a imagem de Portugal na EU há quase vinte anos, a mesma frase aparece novamente nos textos que descrevem a crise económica mais recente: Portugal é “bem-comportado”.

Nas minhas frequentes viagens a Portugal nos últimos quinze anos, achei que esta descrição era imperfeita e também pouco precisa. Mas isso corresponde mais à verdade no período até 2011-12; foi então que eu vi pela primeira vez os “green shoots” (sinais positivos) de uma revolução empresarial, onde houve um compromisso significativo entre os jovens para permanecerem em Portugal, em vez de emigrarem para outros países, como tinham feito os meus antepassados no século passado. Desde 2012, a criação do ecossistema empresarial português e a sua atração para os jovens portugueses pode muito bem ser um dos grandes acontecimentos históricos da UE. É profundo, robusto, criativo e de grande alcance e, o mais importante de tudo, ocorreu quase sempre para além das atividades governamentais e universitárias (interferência?), que normalmente (e na generalidade das nações), são por regra os últimos dois bastiões da sociedade para ser disruptiva.

Disruption. Nenhuma palavra descreve o empreendedorismo contemporâneo tão bem como esta. Na minha opinião, apesar do seu amplo uso para descrever produtos disruptivos, é de maior relevância quando implica modelos disruptivos. A disrupção de um produto em particular, embora aparentemente muito significativa à primeira vista, está sob a pressão contínua da concorrência, replicação e melhoria. Assim, produtos disruptivos são geralmente temporários. É muito mais complicado quando a disrupção chega aos modelos e sistemas, pois eles estão mais inseridos na sociedade do que um mero produto.

Os empresários são desleixados. Simplesmente não há como evitar isso. Eles movem-se rapidamente, subestimam expectativas e normas, estão dispostos a falhar e falham muito. Isso não é nada de novo: Aristóteles disse que “nunca existiu uma grande mente sem um toque de loucura” e pesquisas recentes indicam que os indivíduos criativos são geneticamente mais predispostos para doenças mentais, incluindo défice de atenção (ADD), hiperatividade (TDAH), distúrbios bipolares, etc. Como, muitas vezes, as pessoas mais criativas se tornam empresárias, vemos esse “desleixo” dentro da área. “As pessoas que são enérgicas, motivadas e criativas são mais propensas a serem empreendedoras e mais propensas a terem estados emocionais fortes”, observa Michael A. Freeman, da Universidade da Califórnia.

A disrupção como conceito genérico para agitar conferências empresariais, fóruns e eventos de networking é geralmente benigna e é muitas vezes mais fácil de constatar do que de explicar. Mas, como temos visto nos últimos anos, quando ocorre uma rutura sistémica, é muita a confusão. A disrupção nos sistemas dos fabricantes de automóveis de transporte pessoal, os motoristas de táxi, os sindicatos e clientes políticos opõem-se. Quando a interrupção ocorre em cuidados e tratamento de saúde, cirurgiões, hospitais, as grandes empresas farmacêuticas procuram a proteção do status quo. Quando o modelo clássico de educação é prejudicado por novos métodos de ensino, são apresentados todos os argumentos em apoio do sistema existente, em vez da renovação. Talvez, ainda mais chocante, possamos estar agora prestes a fazer a disrupção dos sistemas políticos e dos modelos de liderança? Como será isso entendido? Até que ponto isso será confuso?

À medida que o empreendedorismo aumentar em importância, influência e aceitação em Portugal, sem dúvida que isso vai entrar em conflito com a imagem de Portugal como uma nação “bem-comportada”. Certamente, não vemos comportamentos erráticos e tumultuosos entre os portugueses como vemos noutros lugares, mas é claramente óbvio que os tempos de pessoas “bem-comportadas” (implicando subserviência) acabaram. E quando os empresários portugueses tropeçam, falham e caem, assim como quando, com a mesma frequência, conseguem e triunfam e minam os velhos caminhos, o ecossistema empresarial “desorganizado” precisará de resistir à crítica social, política e educacional e à pressão histórica para se adaptar. Esta não é uma tarefa fácil e será a prova de que a revolução empresarial que ocorreu em Portugal é verdadeiramente sustentável.

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