Opinião
Qual é o espanto?
Nos últimos tempos alguns assuntos têm alarmado as redes sociais e a imprensa. O caso dos estudantes portugueses em Espanha e o caso das joelhadas em Canelas. Mas então, qual é o espanto?
Qual é o espanto, quando é a própria comunicação social que afirma, sem medida, que os nossos jogadores de futebol representam todos os portugueses?! Que afirma que são um exemplo para os jovens!
Qual é o espanto, quando essa mesma imprensa dedica programas do tipo “Tempo Extra” ao domingo, “O Dia Seguinte” à segunda, o “Dia Seguinte ao Dia Seguinte” à terça e o “Tempo Extra do Dia Seguinte” à quarta?!
Qual é o espanto, quando esses programas são corridos por supostos adultos que se insultam, se esforçam por berrar, se desrespeitam e, por vezes, acabam num triste espetáculo de falsos beijos e abraços.
Qual é o espanto, quando uma classe política que apregoa sacrifícios, exigência e transparência, uma classe política que afirma que um dos graves problemas da nossa economia é a sustentabilidade do nosso sistema bancário, mas, ao mesmo tempo, se coloca em bicos de pés para aparecer e se senta pomposamente ao lado de grandes dirigentes desportivos que representam uma proporção gigantesca das dívidas ao próprio sistema bancário.
Qual é o espanto, quando se promovem como referência e bajulam atletas, treinadores e dirigentes sem escrúpulos, que utilizam violência e que não apresentam um pingo de ética em cada passo que dão dentro de um qualquer campo de jogo.
Qual é o espanto, quando aqueles que lideram “tribos de apoio”, lideram também tráfegos de droga e promovem violência.
Qual é o espanto, quando um jovem de hoje descobre que há políticos com licenciaturas falsas, currículos alterados e ligações promíscuas.
Qual é o espanto do comportamento dos mais novos, se os mais velhos não se sabem comportar.
Portugal tem muito mais do que isso. Tem muito mais do que se mostra e promove.
Ainda esta semana se noticiava que os golfinhos apareceram no Tejo. De imediato surgiram vozes ofendidas, porque no Sado também há golfinhos e ninguém disse nada.
E que raio! Porque não ficamos todos contentes porque há golfinhos no Sado, no Tejo, nas Berlengas, em Vila do Conde, na Arrifana e em Portimão?
Da mesma forma, porque não ficamos todos contentes quando o Benfica ganha ao Barcelona, o Sporting ao Real Madrid e o Porto ao Bayern?
Porque não ficamos todos contentes por Lisboa estar extraordinária e o Porto magnífico e Lisboa está magnífica e o Porto extraordinário.
Todos dizemos que queremos um país em grande, mas continuamos com cabeças pequenas.
De Cacela Velha a Lanhelas e de Sagres a Bragança temos, certamente, muito mais que nos une do que nos separa, muito mais bons exemplos do que maus.
Que raio! Perdemos demasiado tempo com coisas pequenas e com (des)exemplos.
Porque não falamos mais dos nossos cientistas, investigadores, artistas, médicos, surfistas e outros “istas” que marcam pontos a sério por este mundo fora? E marcam pontos a sério sem vedetismos, mediatismos, lirismos e protagonismos. Marcam pontos a sério com ética, trabalho, mérito, dignidade e exemplo.
É isso, talvez seja mesmo tudo uma questão de exemplo.
Mas então qual é o espanto, quando o exemplo não vem de cima?