Opinião
Previsível ou inevitável?
Dado o contexto pode estar neste preciso momento a ler este parágrafo tentando perceber se este humilde trecho de texto falará de Covid. Mas não. Não fala. Nem tão pouco tem contextualização ao que se passa hoje, nestes dias.
Centra-se em algo que é permanente e tem a ver com o storytelling de qualquer marca. Aliás, tem a ver com uma grande lição que nós, em Media, aprendemos (sobretudo em ficção) e que deve ser transposta para a narrativa de qualquer empresa junto dos seus seguidores e clientes.
Uma história, para ser bem contada, tem arte. Tem técnica, melhor diria o meu amigo L.A., com quem debatíamos há tempos o tema que deu azo a esta reflexão que titula o artigo e com quem aprendi.
Há uma diferença que pode parecer a olho nu pequena entre previsibilidade e inevitabilidade, mas é a diferença que faz toda a diferença entre abandonar a sala a meio, o vídeo a meio, a palestra a meio, o mupi a meio, o spot de rádio a meio… de nem sequer chegar a ouvir a promessa e porque a nossa relação com aquela marca seria mágica, feérica, feliz, para sempre cintilante. Fomos embora. Adeus. Não chegámos ao fim… Porquê? Porque pior do que ser aborrecido é fazerem-nos de tontos.
Passo a explicar.
Para alguém que venha do mundo da escrita este título pouco tem de misterioso. Aqui o vosso escriba que vos convida a ler o resto do texto já teve lições de humildade na escrita criativa, publicitária, de argumentos de ficção longa e até algumas rubricas de humor e B.D. (também aprendi alguma coisa sobre Relatórios & Contas, mas creio que tal não se aplicará de forma tão sexy). Para qualquer trabalho destes precisaremos construir um enredo que, hélas!, surpreenda no final. Isto é óbvio. Mas ao mesmo tempo não é.
O que muitos interpretam com isto é que do outro lado, quem ouve e quem vê, nem sequer pode imaginar o que se avizinha e temos de ser absolutamente surpreendentes! Qual “Sexto Sentido” ou os “Suspeitos do Costume”! Mas nada disso se trata. O que enreda e prende o outro lado é a permanente tensão de quem acha que sabe e julga saber que está certo do que vai acontecer – e no final, confirmando-se, vê a sua suspeita revelar-se tal como já havia imaginado, dando-lhe o orgulho de ter visto e identificado algo que – acha ele/a – jamais alguém senão ele tinha visto, qual especial Sherlock Holmes.
Ora do que falamos aqui, portanto, não é de surpresa. Mas sim de inevitabilidade. Um conjunto de peças e numa sequência que fazem sentido, mas que não são displicentemente jogadas de camisa aberta, mas antes com arte, com naturalidade, fazendo com que o espectador entre num jogo, onde ele é ativo e não passivo. Mais do que isso, prendendo-o até ao fim, para poder confirmar se o que o que vai acontecer é o que imaginou.
Ora o medo do grande ruído dos dias de hoje abafar toda a atenção ativa tem feito com que muitas marcas comuniquem de forma explícita, sem enredo, enfadonhamente sem rodeios e sem ‘pistas’. Pior – nalguns casos tentando jogar o jogo, mas dando de tal forma os dados que se torna óbvio onde querem chegar… ao ponto da previsibilidade parecer tão óbvia que chegamos a duvidar dela (!).
Aquilo que é importante não é o QUE vai acontecer. O que é importante surpreender é muitas vezes o COMO vai acontecer. Era inevitável que ficassem juntos, que ela ficasse mais bonita e que ele conseguisse aquele feito. Esse desenlace “estava na cara”, nós percebemos as pistas e fomos perspicazes para lá chegar. A surpresa está na forma como tudo se desenrolou.
Por isso não confunda naquilo que conta de si, da sua marca, da sua empresa. Fuja da previsibilidade e também da inverosimilhança. Queremos ser surpreendidos na forma, mas que o inevitável aconteça. Porque o inevitável foi uma criação “nossa”, chegamos a acreditar que antevemos algo que só nós vimos. Portanto, regozijando-nos pela “nossa” incrível “descoberta”.
Por isso, já sabe – jogue o jogo. Dê as pistas. Não sendo óbvio, mas sendo lógico. Inevitável, meu caro Watson!








