Entrevista/ “Precisamos sempre de inovações em biotecnologia para tratar das doenças”
Ciro Spedaliere fala em entrevista ao Link To Leaders da Claris Ventures, a única empresa de capital de risco italiana focada em start-ups de biotecnologia, que quer agora ajudar a encontrar soluções eficazes de combate ao Covid-19.
Chama-se Claris Ventures e é uma das mais recentes empresas de capital de risco – a primeira em Itália – focada exclusivamente em start-ups de biotecnologia.
Pietro Puglisi e Ciro Spedaliere, ambos engenheiros (o primeiro biomédico e o segundo gestor), decidiram dar vida a este projeto após dez anos de experiência em inovação e investimentos de capital de risco, e de trabalho para os principais fundos de investimento nascidos na Itália nos últimos anos – desde a Innogest, LVenture Group, Invitalia Ventures até à Vertis. Agora querem identificar e apoiar as inovações no campo farmacêutico, investindo em novas empresas que desenvolvam medicamentos capazes de revolucionar o cenário atual de tratamento.
Em entrevista ao Link To Leaders, Ciro Spedaliere, cofundador da Claris Ventures, fala das consequências da pandemia do Covid-19 no ecossistema empreendedor italiano, mas também no europeu, e da sua empresa de capital de risco que investiu na Kither Biotech, uma start-up nascida nos laboratórios de pesquisa da Universidade de Turim, que atualmente trata da doença da fibrose cística, e que procura encontrar soluções eficazes para o vírus SARS-Cov-2.
De que forma o novo coronavírus está a afetar o ecossistema europeu de start-ups, no geral, e o italiano, em particular?
Infelizmente, e obviamente, o ecossistema europeu de start-ups será afetado negativamente pelo surto de coronavírus. Já testemunhámos o colapso dos mercados públicos, que caíram mais de 15% nas últimas semanas, e os mesmos fatores por trás desse colapso provavelmente atingirão empresas privadas e start-ups. Olhemos para os dois lados do mercado de start-ups: oferta e procura. Olhando para a procura por inovação, que constitui o mercado para empresas inovadoras, provavelmente veremos uma forte contração.
As grandes empresas estão a mudar as suas estratégias para garantir a sua liquidez e a procura dos consumidores está a entrar em colapso em diferentes setores devido às políticas de bloqueio. Se olharmos para a oferta de inovação, sabemos que está constantemente correlacionada com os capitais disponíveis. No entanto, os investidores europeus estão a ser atingidos por uma contração dos retornos e estarão menos dispostos a “derramar” dinheiro no mercado privado.
Mesmo que seja cedo para ver os dados deste primeiro trimestre de 2020, espero uma contração no total de dinheiro arrecadado pelos fundos de capital de risco e, consequentemente, no volume total investido em negócios. Assim, como destacado pela Sequoia na sua carta aos seus CEO, a start-up deve “preparar-se para a turbulência”, especialmente observando os seus fluxos de caixa.
Olhando para o ecossistema empresarial italiano, já estamos a observar uma contração no número de negócios. Precisamos de esperar e ver se isto é temporário e se afetará fortemente os meses e o ano seguinte também. Certamente, não é o melhor período para os nossos empreendedores, mas com a estratégia certa, eles podem usar este momento difícil para consolidar os seus negócios e reduzir gastos desnecessários, ficando aptos para arrasar nos próximos meses e anos.
Quais indústrias que serão mais afetadas em Itália?
Estamos a ver que quase todos os setores estão a ser atualmente afetados pelo surto de coronavírus. As últimas políticas do governo italiano determinaram o encerramento completo de todas as atividades de produção não consideradas estratégicas ou essenciais. Por exemplo, os setores de saúde e transporte estão atualmente a fornecer serviços essenciais aos cidadãos e não estão a ser afetados pelo atual bloqueio. Existem também poucos setores que estão a experimentar um crescimento na procura. Falo do comércio eletrónico e entrega de alimentos ao domicílio.
“Para mitigar as perdas, o apoio do governo aos fundos de capital de risco e ao arranque será crucial. Esperamos que os investidores institucionais e públicos forneçam fundos que de outra forma seriam perdidos”.
Como mitigar perdas? Existem janelas de oportunidade “positivas”?
Do ponto de vista dos empreendedores, isto pode representar uma oportunidade para entrarem em forma e para se adaptarem, reduzindo gastos desnecessários e concentrando-se nos negócios principais e nos fundamentos da criação de valor. Do ponto de vista do ecossistema, este “encerramento” forçado pode representar um impulso para digitalizar muitas indústrias e serviços que operam de forma antiquada. Mesmo que não voluntariamente, todos estamos a ser levados a viver e a trabalhar remotamente, e isso pode consciencializar os consumidores sobre as muitas possibilidades que acompanham a digitalização. Pensemos nas compras de supermercado online. Estou curioso para ver como a procura também mudará após este período.
Para mitigar as perdas, o apoio do governo aos fundos de capital de risco e ao arranque será crucial. Esperamos que os investidores institucionais e públicos forneçam fundos que de outra forma seriam perdidos. Existe a necessidade de apoiar os fundadores nestes tempos difíceis e ter a possibilidade de acompanhar as start-ups mais promissoras nas carteiras de fundos é fundamental. Existe o risco de perder inovações construídas incansavelmente nos últimos anos. As políticas fiscais também terão um papel importante na redução da pressão de liquidez sobre investidores e empreendedores.
“Na Itália, pouco antes da explosão do Covid-19, foi criado o Fondo Nazionale Innovazione para apoiar o ecossistema de inovação italiano com um bilião de euros”.
De acordo com as previsões da CB Insights, o financiamento desacelerará durante os próximos trimestres, com alguns a mostrarem um “desinvestimento” mais frequente nos países mais atingidos. Qual a sua visão sobre isto?
Infelizmente, concordo com as previsões da CB Insights. A intervenção do governo para interromper o surto de coronavírus impôs a muitas empresas o encerramento temporário. Essas empresas enfrentarão pressão de liquidez num futuro próximo e isso provavelmente enfraquecerá o mercado de saídas. Existem muitas pesquisas académicas que mostram como o desempenho do mercado público está intimamente ligado ao mercado de saídas para empresas empreendedoras.
Especialmente na Itália, não temos um mercado forte para saídas, mesmo quando o mercado público é otimista. Mais uma vez, a intervenção pública será fundamental para apoiar empreendedores e fundos de capital de risco. Na Itália, pouco antes da explosão do Covid-19, foi criado o Fondo Nazionale Innovazione [Fundo Nacional de Inovação, em tradução livre] para apoiar o ecossistema de inovação italiano com um bilião de euros. Este fundo pode operar através de investimentos diretos em start-ups e através de investimentos indiretos, estimulando a criação de novos fundos de VC. Portanto, esperamos que esse fundo desempenhe um papel crucial na Itália para equilibrar os efeitos negativos do Covid-19 no ecossistema nacional de start-ups.
“Construir um ecossistema biotecnológico florescente é mais do que nunca um ativo importante”.
As empresas de saúde e biotecnologia encontrarão uma oportunidade durante esta pandemia?
Construir um ecossistema biotecnológico florescente é mais do que nunca um ativo importante. Um ecossistema desenvolvido pode fornecer soluções eficazes em prazos mais curtos, o que pode ser crítico para lidar com essas emergências. Ao mesmo tempo, não devemos esquecer que os tempos de desenvolvimento de tratamentos e vacinas também são fortemente influenciados por etapas regulatórias, que existem para manter as pessoas e os pacientes seguros. Ao mesmo tempo, se houver uma oportunidade para as empresas desenvolverem soluções para o SARS-Cov-2 (o nome científico para Covid-19), também haverá riscos para as outras empresas de biotecnologia, que verão os seus processos de desenvolvimento desacelerados pelas atuais medidas de bloqueio.
Qual é a sua opinião sobre a indústria de biotecnologia nos dias de hoje?
Ainda acredito que representa um setor interessante, cheio de oportunidades e onde resultados bem-sucedidos podem salvar vidas. Essa emergência deve-nos levar a refletir sobre a importância do setor. Precisamos sempre de inovações em biotecnologia para tratar doenças que hoje não possuem terapêutica aprovada.
Fale-nos da Claris Ventures. Quantos investimentos têm e qual o vosso foco?
Somos uma empresa jovem de capital de risco com grandes ambições. Estamos focados em doenças com uma forte necessidade clínica e que atualmente não possuem tratamentos disponíveis. Para dar um exemplo, já investimos na Kither Biotech, uma start-up nascida nos laboratórios de pesquisa da Universidade de Turim, que atualmente trata da doença da fibrose cística. Hoje, infelizmente, mais de 70 mil pessoas em todo o mundo sofrem de fibrose cística, com graves consequências na sua vida, e atualmente não há tratamento disponível. O nosso objetivo é desempenhar um papel importante e esperamos ter um impacto positivo na vida dessas pessoas.
“Atualmente, estamos a avaliar duas oportunidades de investimento a nível internacional. Estamos a trazer de volta à Itália um professor reconhecido de uma universidade de topo nos EUA para lançar sua start-up aqui e também estamos a considerar outra oportunidade no Reino Unido”.
Quais são as estratégias da Claris Ventures para os próximos meses?
Em primeiro lugar, forneceremos forte apoio aos nossos empreendedores em todos os aspetos dos seus negócios. Paralelamente, iremos concentrar-nos nos negócios que temos em carteira. Atualmente, estamos a avaliar duas oportunidades de investimento a nível internacional. Estamos a trazer de volta à Itália um professor reconhecido de uma universidade de topo nos EUA para lançar sua start-up aqui e também estamos a considerar outra oportunidade no Reino Unido.
Dos projetos nos quais esteve envolvido ou a que está ligado, qual deles lhe dá mais dores de cabeça e o que mais o preocupa?
Neste momento, estamos a tentar dar nossa contribuição para enfrentar a emergência do coronavírus. Estamos a aproveitar a nossa rede e o nosso conhecimento das inovações biotecnológicas para encontrar soluções eficazes para o vírus SARS-Cov-2. Atualmente, estamos a ajudar dois projetos na captação de recursos e na obtenção de apoio para desenvolver os seus tratamentos inovadores. Mesmo que estejamos em fase pré-clínica, estamos confiantes de que o processo de desenvolvimento pode ser acelerado para enfrentar a emergência atual. Esta não é uma tarefa fácil, mas estamos a tentar desempenhar o nosso papel e a dar a nossa contribuição.
A que países devem os business angels e os venture capitalists estar mais atentos face às oportunidades de negócios que representam nos próximos meses?
A resiliência é uma das características mais valorizadas dos empreendedores. Nos países mais atingidos pelo vírus, encontraremos empreendedores corajosos, qualificados e criativos, capazes de enfrentar este momento difícil. Eles representarão uma tremenda oportunidade de investimento para criar valor para a sociedade.
“Concordamos que existe atualmente uma lacuna entre os cientistas italianos de biotecnologia e o ecossistema empreendedor”.
O que o levou a entrar na atividade de venture capitalist?
Tanto o Pietro Puglisi (o meu sócio) como eu, temos experiências relevantes nos maiores fundos de capital de risco da Itália e, durante os anos de procura, organização e gestão de investimentos, partilhamos da mesma opinião. Concordamos que existe atualmente uma lacuna entre os cientistas italianos de biotecnologia e o ecossistema empreendedor. A Itália é realmente um dos primeiros países do mundo em termos de produção de pesquisa científica, mas está fortemente atrasada em termos de cultura empreendedora. Faz parte da nossa missão reduzir esta lacuna no setor de biotecnologia. Sem esquecer que alguns dos fundos de maior sucesso na Europa estão realmente focados em biotech.
Quais são as maiores necessidades de uma start-up, além de investimentos, é claro, neste momento difícil?
A orientação estratégica é de valor fundamental. Os empreendedores devem ser consistentes com a sua visão, concentrando-se nos objetivos de longo prazo e nos seus negócios principais. Uma gestão eficaz do fluxo de caixa será crucial para sobreviver e continuar a crescer e a criar valor.