Entrevista/ “Por enquanto, o nosso plano é dominar o mercado americano”

Açoriano de gema, Nuno Teixeira deixou São Miguel para voos maiores. Cofundador da CYQIQ, hoje está nos Estados Unidos onde a sua start-up integra o Berkeley SkyDeck, o acelerador de start-ups afiliado da UC Berkeley. Ao Link to Leaders explica como tudo aconteceu.
Quando deixou os Açores para fazer a licenciatura na Nova SBE, em setembro de 2017, Nuno Teixeira estava longe de imaginar a reviravolta, de sucesso, que a sua vida profissional teria nos anos seguintes. Com dois colegas do programa de mestrado que fez na HEC Paris, em França, criou a CYQIQ (pronuncia-se “psíquico”), já nos Estados Unidos. A partir daí o projeto, que permite implementação de inteligência artificial generativa na prática de consultadoria estratégica e financeira, tem conquistado o seu espaço, a começar pela integração no acelerador Berkeley Skydeck e pelo investimento de 200 mil dólares.
Agora, e depois de concluída a ronda de investimentos “pre-seed”, Nuno Teixeira confidenciou que está a “começar conversas com novos investidores”. Tem como objetivo fechar a próxima ronda, agora “seed”, em setembro ou outubro deste ano e angariar entre 2 e 3 milhões de dólares. Revelou ainda que, por enquanto, “o plano é dominar o mercado americano”, contudo, quando se focarem no desenvolvimento de negócio internacional, o mercado europeu está na lista porque “é de facto o mercado em que temos mais contactos e uma relação mais forte”.
O que significa para a CYQIQ estar integrada no acelerador de start-ups Berkeley Skydeck?
Estar integrada no acelerador Berkeley Skydeck significa que a CYQIQ conseguiu angariar fundos numa fase de “pre-seed”, através de um investimento de $200.000 dólares, por 7.5% das ações, atribuindo uma avaliação de $2.67M à empresa, três meses depois da sua criação em fevereiro deste ano.
Para além disso, significa que CYQIQ tem acesso a todos os recursos do acelerador, nomeadamente, espaço de escritório privilegiado em Silicon Valley, acesso a uma rede de contactos extensa de potenciais clientes, investidores, e especialistas e consultores na área de empreendedorismo, desenvolvimento de software, estratégias de venda de software a grandes empresas, e em muitas outras, e integração no programa de aceleração de start-ups através de workshops e atividades que aumentam a capacidade das empresas de se prepararem para a próxima ronda de investimento entre 1 a 5 milhões de dólares (fase “seed”) que irá decorrer em setembro e outubro.
Finalmente, a entrada no Berkeley Skydeck representa uma admissão de menos de 2%, num concurso em que mais de duas mil empresas participam internacionalmente.
Como surgiu esta oportunidade de investimento?
Esta oportunidade surgiu no contexto do programa de mestrado que fiz na HEC Paris, em França. Trata-se de um Masters in Management Grande Ecole com especialização em empreendedorismo através do programa X-HEC Entrepreneurs, uma parceria entre HEC Paris e Ecole Polytechnique, uma das mais prestigiadas escolas de engenharia de França. Este programa de especialização trouxe a oportunidade de participar num incubador em University of California, Berkeley.
No final de janeiro de 2023 fui então com os meus cofundadores para Berkeley, Califórnia, e foi aí que começamos a desenvolver CYQIQ. Durante o programa que fizemos na UC Berkeley, chamado Learn2Launch, tivemos a oportunidade de conhecer Berkeley SkyDeck, o acelerador de start-ups afiliado com UC Berkeley, mas com um fundo privado de investimento que investe em start-ups em fase de “pre-seed” com um cheque de $200.000. Como coincidiu com a altura das candidaturas para o acelerador, decidimos tentar a nossa sorte e candidatámo-nos. O nosso objetivo era chegar à primeira ronda de entrevistas, porque a partir daí podíamos ter feedback e melhorar o nosso “pitch” e performance. Mas depois de uma fase de pré-seleção, duas rondas de entrevistas, e um mês de diligencia, fomos uma das 20 empresas aceites em abril entre mais de 2000 empresas que também se candidataram. O programa começou no início de maio.
“Em fase de “pre-seed”, o que mais capta os investidores é a equipa, o mercado, e só depois a ideia de negócio”.
O que é que o vosso projeto tem de tão distintivo para ter captado o interesse deste acelerador de start-ups? Como carateriza a CYQIQ?
A CYQIQ possibilita a implementação de inteligência artificial generativa na prática de consultadoria estratégica e financeira, de modo a aumentar drasticamente a produtividade e eficiência dos consultores, e a capacidade e receitas das empresas de consultadoria.
Em fase de “pre-seed”, o que mais capta os investidores é a equipa, o mercado, e só depois a ideia de negócio. Isto deve-se ao facto de que o investidor acredita que se a equipa consegue executar e se o mercado é grande o suficiente, então não importa tanto o detalhe da ideia de negócio, porque o investidor acredita na capacidade dos cofundadores de a adaptarem à medida que forem explorando o mercado. Dito isto, na CYQIQ nós somos três cofundadores com experiências complementares em consultadoria, investimento financeiro, e investigação em inteligência artificial, para além de termos na equipa experiência em start-ups, e formações em instituições de ensino que são líderes mundiais.
Se nos focarmos agora no mercado, nada mais hot que inteligência artificial, e mais hot ainda se for inteligência artificial generativa, como é o nosso caso, aplicado a uma grande indústria altamente lucrativa, que é a indústria da consultadoria. No que toca à ideia, o mais importante nesta fase é demonstrar a capacidade de desenvolver, de facto, uma solução, o que no nosso caso significa a capacidade de desenvolver software, o que conseguimos demonstrar quando nos candidatamos porque desenvolvemos uma ferramenta que na altura descreviamos como “o ChatGPT para os teus próprios ficheiros”, o que agora já muitas opções existem, mas em fevereiro era ainda “proof-of-concept” (POC) e novidade. O nó final da nossa candidatura foi termos conseguido duas parcerias com empresas de consultadoria para testarem o nosso POC.
Richard Hruby e Tino Purmann (cofundadores) são os seus aliados na start-up. Qual a importância desta parceria, e das diferentes valências de cada um, no desenvolvimento do projeto e do negócio?
Trata-se de uma parceria muito importante, sinergética e fértil. Richard Hruby, húngaro, estudou na University of Saint Gallen, na Suíça, para a sua licenciatura e mestrado em Business e Data Science, acabando por se envolver em investigação sobre inteligência artificial, fazendo parte do primeiro projeto de “text-to-speech” na língua alemã, projeto financiado pela Google, e do desenvolvimento de uma ferramenta para “e-discovery” no que foi o maior caso legal da Suíça, em que havia centenas de páginas que advogados tinham que investigar.
O Tino Purmann, suíço, tirou também a sua licenciatura na University of Saint Gallen, acabando por trabalhar durante algum tempo numa firma de consultoria financeira e no maior AI Venture Studio da Europa, sendo que depois lançou a sua carreira em empreendedorismo por ter sido cofundador de EQL Finance, uma start-up americana que possibilita empréstimos a indivíduos com menos de 30 mil dólares de rendimento anual, acabando por levar EQL pelo acelerador TechStars, um dos mais reconhecidos aceleradores de start-ups do mundo. A minha experiência consiste em consultoria, marketing e business development, por me ter envolvido em Portugal com a BCG, e em França com a L’ Oréal e com a The Estée Lauder Companies.
Alguma ronda de investimento nos planos da CYQIQ?
Ter entrado na Berkeley SkyDeck em maio já foi a nossa primeira ronda de investimento, sendo que também tivemos um investimento da Wingman Campus Fund em junho, o fundo de investimento afiliado com a University of Saint Gallen, e estamos a fechar o período de diligencia de um outro investidor que se comprometeu em julho.
No que toca a investimentos “pre-seed” já fechamos essa ronda, e estamos neste momento a começar conversas com novos investidores porque temos o objetivo de fechar a nossa próxima ronda de investimento (agora ronda “seed”) em setembro ou outubro deste ano. Estamos a planear angariar entre 2 e 3 milhões de dólares. Estamos a finalizar o nosso modelo financeiro para termos um valor mais concreto nas próximas semanas.
Neste momento estão sedeados nos Estados Unidos. Planos de entrar em Portugal?
Por enquanto, o nosso plano é dominar o mercado americano. Trata-se de um mercado muito maior e muito mais uniforme, comparando com Portugal ou até com o mercado europeu em geral. No entanto, quando focarmos os nossos esforços no desenvolvimento de negócio internacional, queremos nos focar no mercado europeu porque é de facto o mercado em que temos mais contactos e uma relação mais forte.
“Em Silicon Valley, perseguir uma carreira de empreendedorismo é reconhecido como algo de inovador, corajoso, inteligente (…)”.
É mais fácil ser empreendedor tecnológico nos EUA do que em Portugal?
É mais fácil ser empreendedor tecnológico em Silicon Valley do que em qualquer outro lugar no mundo. Metade de todo o investimento em start-ups que acontece no mundo vem de Silicon Valley e arredores. Para além disso, há toda uma diferença cultural entre a ideia de se ser empreendedor aqui, em Silicon Valley, e de se ser empreendedor em Portugal ou na Europa. Na Europa, a ideia de investir numa carreira de empreendedorismo é vista com muito mais ceticismo. Em Silicon Valley, perseguir uma carreira de empreendedorismo é reconhecido como algo de inovador, corajoso, inteligente, tão ou mais aceitável do que qualquer outra opção de carreira.
Se nos focarmos nas diferenças entre os fundos de investimento de Silicon Valley e da Europa, os critérios de investimento são drasticamente diferentes. Para investidores europeus em fase de “seed”, já dão muita atenção a receitas e a lucros, enquanto que em Silicon Valley, poucos são aqueles que estão obcecados por receitas nesta fase, estando mais preocupados com a capacidade de executar da equipa, do mercado, e da opinião dos primeiros clientes da start-up. Os termos também tendem a ser mais benéficos para cofundadores em Silicon Valley, porque aqui os investidores acreditam que têm de maximizar o incentivo dos fundadores para trabalharem para o sucesso da start-up, enquanto na Europa o processo de negociar tem mais em vista o objetivo de maximizar as ações que o investidor consegue com o seu investimento.
Se nos focarmos agora no aspeto de tecnologia, é aqui em Silicon Valley que tudo acontece no que toca a desenvolvimento tecnológico. Ocorrem imensas conferências de tecnologia regularmente, inúmeros eventos de networking de perfis mais técnicos, há uma imensidão de talento focado em desenvolvimento tecnológico que não se compara com Portugal ou com a Europa, e todas as grandes empresas de tecnologia líderes mundiais estão sedeadas na Silicon Valley – Apple, Facebook, Google, Meta, etc.
Quais as etapas mais desafiantes que tem vivido em quase um ano de atividade?
Umas das etapas mais desafiantes foi mesmo conseguir admissão para o acelerador de start-ups Berkeley SkyDeck. Com três semanas de atividade tivemos de submeter a nossa candidatura, com cinco semanas tivemos a nossa primeira entrevista, e com menos de dois meses tivemos a nossa entrevista final. Tivemos de ir de um ponto em que não tínhamos nada para o ponto de ter algo que alguém valorize em mais de $2M. Isto implicou uma quantidade de trabalho e coordenação que se traduziram em dias de mais de 14 horas de trabalho por dia, fins-de-semana sem folga, e mais de 100 entrevistas com consultores e especialistas num pequeno espaço de tempo.
Uma outra etapa que foi também um grande desafio foi encontrar no vasto mundo de consultoria um “painpoint” específico e grande o suficiente, para onde podemos concentrar o nosso foco. A incerteza de saber se estamos a lidar de facto com um problema real, que existe, que incomoda as empresas, e que as empresas estão dispostas a pagar por uma solução, pode ser assustadora em momentos. Felizmente acreditamos que conseguimos encontrar verdadeiros “painpoints”, de tal forma que assinamos a nossa primeira parceria paga há algumas semanas.
(…) se tudo acontecer de acordo com o plano, vamos conseguir fechar a nossa ronda “seed” em outubro com uma injeção de aproximadamente três milhões de dólares (…)”.
Quais os projetos, planos, que têm em agenda para o próximo ano?
O futuro é sempre incerto para uma start-up. Alias, esta incerteza é provavelmente o componente mais difícil de gerir. Os planos do próximo ano vão depender de como correm os próximos meses. De qualquer forma se tudo acontecer de acordo com o plano, vamos conseguir fechar a nossa ronda “seed” em outubro com uma injeção de aproximadamente três milhões de dólares, o que nos vai permitir expandir a equipa para poder aumentar a nossa capacidade de desenvolvimento de software e de vendas. Se o nosso foco continuar a ser vender a empresas de consultoria e de investimento financeiro, vamos precisar de aumentar a nossa presença na costa Este dos Estado Unidos (New York, Boston, Washington DC, Chicago), e um dos nossos objetivos principais vai ser atingir um milhão de dólares em receitas anuais recorrentes, de forma a atingirmos as metas necessárias para ter outra ronda de investimento no final de 2024 (“Series A”).
Quando frequentou a licenciatura de Gestão na Nova SBE, a realidade que vive hoje estava nos seus planos?
Não de todo. Quando comecei a minha licenciatura na Nova SBE, em setembro de 2017, a minha ideia era acabar a licenciatura, fazer o mestrado na Nova SBE, arranjar emprego numa grande empresa em Lisboa e ficar por lá. No entanto, depois de ter feito o meu programa de intercâmbio em New Orleans, Louisiana, também nos Estado Unidos, decidi que queria internacionalizar a minha carreira, começando por um mestrado no estrangeiro e vendo depois onde poderia acabar vivendo.
Foi depois de ter acabado a minha licenciatura que comecei a considerar um dia começar a minha própria empresa. Acredito que o meu contexto familiar também semeou em mim a vontade de um dia ter o meu próprio negócio – o meu avô começou o seu próprio negócio há muitos anos nos Açores, acabando por ser o negócio da família do meu lado materno, e o meu pai há cerca de 13 anos também começou a sua própria empresa em Ponta Delgada.
“Tal como o meu pai costuma dizer, “o sucesso constrói-se”.
Como é que um jovem dos Açores está hoje à frente de uma start-up de tecnologia como a CYQIQ, nos Estados Unidos, e com uma projeção internacional ascendente? Qual o segredo do sucesso?
Bem, quase que me emociono só de pensar em todo o apoio dos últimos anos que possibilitaram este percurso. A verdade é que acho que nunca parei para pensar onde comecei e onde estou agora. Acredito que tenha sido uma sucessão de escolhas, desafios e vitórias que me trouxeram a esta posição de cofundador de uma start-up de inteligência artificial generativa em Silicon Valley. O primeiro grande passo foi mudar-me dos Açores para Lisboa para fazer a minha licenciatura na Nova SBE. Anos antes de o ter feito, já sabia que queria sair da ilha de São Miguel para a minha educação e carreira. Sempre fui extremamente exigente com os meus resultados académicos, o que me abriu a porta à licenciatura de Gestão da Nova SBE.
O segundo passo foi ter decidido fazer mestrado na HEC Paris. Depois da minha licenciatura sabia que queria tirar o mestrado fora e possivelmente acabar por ficar fora de Portugal, num ecossistema mais internacional. Este foi provavelmente um dos maiores desafios do percurso, que exigiu de mim toda uma performance académica, profissional e pessoal, comunicada em transcritos académicos, entrevistas, exames e essays, de forma a ser aceite em um dos programas de mestrado mais competitivos a nível mundial. Foi também depois da minha licenciatura que comecei a desenvolver o sonho de um dia criar a minha própria empresa. E foi com esta ambição que acabei por fazer a especialização em empreendedorismo na HEC Paris, que foi quando e onde conheci o Richard, e através dele conheci o Tino.
Uma das razões que me fez escolher esta especialização foi a possibilidade de experienciar o ecossistema de start-ups e inovação de Silicon Valley. Enquanto vivia em Paris, trabalhei em marketing e business development para os maiores grupos de cosmética do mundo, e foi isto que me deu bagagem e confiança para dominar o cargo de CMO na CYQIQ, liderando todo o processo de investigação de mercado e exploração de clientes.
Nada disto teria sido possível sem o apoio incondicional da minha família, que teve de abdicar de mim por muito tempo e de fazer grandes sacrifícios financeiros para que eu me possa atirar por aí fora para construir o percurso que fiz até hoje, e sem a educação que a minha família me deu no que toca à lição do que tudo se consegue com trabalho e dedicação nada disto seria possível. Reconheço também a minha posição privilegiada de ter uma família com capacidade e disposição de me suportar desta forma. Honestamente, quem sou eu para dizer qual é o segredo para o sucesso. Tal como o meu pai costuma dizer, “o sucesso constrói-se”.
Como vê a importância da formação académica, que no seu caso também passou pela HEC Paris, na criação e implementação de um projeto desta natureza? Indispensável?
A formação académica foi indispensável na abertura de portas e oportunidades. Com isto não quero dizer que é a única maneira de o fazer. Os três grandes blocos que permitem o desenvolvimento de um projeto desta natureza são experiência profissional relevante, rede de contactos forte, e acesso a fontes de capital. Uma boa formação académica é chave para desenvolver estes três fatores, mas não é a única forma. No meu percurso, apostar na educação fez todo o sentido, foi provavelmente a única opção que tinha ao meu dispor para desbloquear estes três fatores e o percurso que tenho hoje.
Como empreendedor, com uma experiência internacional, que dicas pode deixar aos jovens que como o Nuno ambicionam lançar projetos e internacionalizá-los?
Estejam atentos aos problemas do mundo, sempre. Tomem nota de ideias de negócio que se direcionem a esses problemas. Atirem-se às oportunidades. Atrevam-se a tentar. Mantenham contacto com pessoas que acreditam ser excecionais. Alarguem os vossos horizontes às oportunidades do mundo.
Respostas rápidas:
O maior risco: Ruína financeira pessoal.
O maior erro: Não ter aprendido nada de “Computer Science” no meu tempo livre quando era mais jovem.
A maior lição: Se nunca tentares nunca vais saber.
A maior conquista: Ir do “0” a mais de $2M em menos de 3 meses.