Opinião
Pessoas que gerem empresas como quem desenha rotundas
Dados divulgados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária revelaram na semana passada que, desde que entrou em vigor, em 2014, o novo Código da Estrada já fez 3.195 “vítimas” nas rotundas.
Mais de três mil condutores foram multados porque não seguiram as novas e elegantes regras que obrigam os condutores a circular pelas faixas interiores das rotundas, começando a encostar-se à direita apenas quando se aproximam da sua saída. O ACP lamenta que se conduza mal e a GNR diz que a culpa é das rotundas, que teimam em ser diferentes umas das outras…
De facto, há rotundas muito diferentes. Algumas são pequenas, outras são tão grandes que cabe uma bomba de gasolina no meio e têm mais de três faixas. Além disso, em vez de cada carro circular sozinho, como se vê nos diagramas que explicam as novas regras, os condutores insistem em chegar ao mesmo tempo à rotunda e até têm que fazer fila para entrar ou sair. Algumas até têm semáforos para entrar, para sair ou dentro da própria rotunda, enquanto outras têm saídas e entradas com várias faixas. Um caos!
Ainda assim, embora se tenha aproximado do verdadeiro culpado, a GNR não acertou no alvo. A responsável por os condutores não seguirem as novas e brilhantes regras para se circular em rotundas é simplesmente a realidade, que teimou em não se ajustar. Nem os bonitos diagramas surtiram efeito!
Muitos gestores sentirão empatia pelo desânimo de quem desenhou este Código da Estrada de 2014.
Também eles se esforçam por encontrar regras brilhantes e planos ainda melhores para fazer com que a realidade se conforme aos seus desejos de ordem, previsibilidade e circulação ordenada. Infelizmente, a pressão do que realmente ocorre no seu mercado não se comove com os belos emails em que comunicam a nova cultura, e os colaboradores da empresa, tal como os condutores, falham miseravelmente no cumprimento dos novos objetivos, da nova estratégia ou na concretização da nova “identidade”.
Felizmente, perante a dificuldade, estou certo de que a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária se empenhará em erradicar, com mais fiscalização, esse flagelo que é mudar de faixa antes de tempo numa rotunda. Também os seus homólogos gestores não desanimarão. “Foi certamente um problema de comunicação” é o que começam por pensar. Pedem, por isso, um email mais completo ou uma apresentação mais galvanizadora, para levar à próxima reunião geral. Se, mesmo assim, o problema se mantiver, concluem que é um “problema de atitude”. É, então, a hora de definir novos e mais ambiciosos objetivos, fazer avaliações mais severas e até algumas dispensas, para mostrar as consequências da teimosia…
Em nenhum momento ocorre a quem alterou o Código da Estrada que pode ter cometido um erro, tal como quem gere empresas como quem desenha rotundas não vislumbrará que, para obterem resultados diferentes, talvez valesse a pena tentarem fazer algo diferente.
As mudanças mais profundas nunca vieram de quem tentou forçar a realidade a conformar-se à sua vontade arbitrária, mas sim de quem soube interpretar e conduzir a mudança latente.