Entrevista/ “Para que as práticas de gestão sustentável sejam genuínas temos de mudar a cultura empresarial e a financeira”

Sofia Santos, CEO da Systemic e da Systemic Future Academy

“A seguir a especialistas em Inteligência Artificial, a procura por pessoas com conhecimento em sustentabilidade é a mais frequente pelas empresas a nível mundial”, revelou Sofia Santos, CEO da Systemic e da Systemic Future Academy, em entrevista ao Link to Leaders.

A Systemic, consultora na área da gestão e financiamento sustentável, lançou a Systemic Future Academy, uma área específica de formação que pretende capacitar os colaboradores das organizações a utilizarem, em simultâneo, o lado analítico e o lado criativo do cérebro.

A consultora vai promover ações de formação dedicadas a empreendedores e gestores especialistas e não especialistas em sustentabilidade, investidores, gestores de ativos, profissionais financeiros e consultores, tendo como objetivo “tornar-se num ecossistema de conhecimento em sustentabilidade, onde as pessoas possam aprender sobre aspetos técnicos da sustentabilidade, ser inspiradas, aprender sobre práticas de wellbeing e gestão de stress. Ser um local onde se pense e se construa o futuro”, como explica Sofia Santos, CEO da Systemic e da Systemic Future Academy.

Como surgiu a ideia de lançar a Future Academy e qual o objetivo?
A ideia já existe há muito tempo e tem vindo a ser aplicada pela formação que a Systemic já tem vindo a fazer nos últimos anos. No entanto, decidimos em 2024 apostar na criação de uma área de atuação específica para a formação em sustentabilidade, uma vez que há uma enorme falta de recursos humanos qualificados nesta área pelo mundo inteiro. A seguir a especialistas em Inteligência Artificial, a procura por pessoas com conhecimento em sustentabilidade é a mais frequente pelas empresas a nível mundial.

A quem se destina?
A todos os que querem aprender e fazer carreira na área da sustentabilidade: executivos de empresas financeiras e não financeiras, PME e Grandes empresas, que querem aprofundar os seus conhecimentos nesta área; pessoas que, com formação académica noutras áreas, querem passar a trabalhar em sustentabilidade, e desta forma conseguem obter conhecimento teórico e prático, jovens que querem fazer carreira nesta área, e desta forma conseguem aceder a conhecimento teórico e prático, bem como network, que lhes permite melhorar o seu CV de forma consistente e adolescentes que gostam de pensar o futuro e que querem aprender desde cedo as práticas de gestão sustentável.

“Atualmente temos já agendadas três formações: Estratégia de sustentabilidade e práticas ESG para PME; Neutralidade Carbónica e os Mercados Voluntários de Carbono; e Regulação SFDR para fundos de investimento”.

Quais as formações que disponibilizam atualmente?
Atualmente temos já agendadas três formações: Estratégia de sustentabilidade e práticas ESG para PME; Neutralidade Carbónica e os Mercados Voluntários de Carbono; e Regulação SFDR para fundos de investimento. No entanto, estamos já a ser contactados por empresas que nos estão a pedir propostas para formação “à medida” para os seus colaboradores.

Como tem sido a aceitação?
Temos tido uma ótima aceitação pelo mercado, pois, além da experiência da nossa equipa de formadores já ser reconhecida, temos também experiência demonstrada em formação. Por isso, não têm surgido dúvidas sobre a nossa capacidade criativa de criar formações inspiradoras e úteis e de convidar peritos nacionais e internacionais que reforçam a qualidade das formações que fazemos.

Que tipo de empresas vos procura e de que setores?
Desde grandes empresas a PME, a pessoas individuais que estão em processo de mudança de carreira de diferentes setores como: Banca, Serviços, Construção, etc.

“(…) nos próximos três anos veremos um crescimento significativo da importância dada pelas empresas portuguesas a este tema da sustentabilidade”.

As empresas portuguesas compreendem a importância da sustentabilidade e dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável? Em que fase estamos?
As grandes empresas compreendem e muitas PME também começam a compreender, mas diria que o tema precisa ainda de ser massificado. Com a obrigatoriedade de termos todas as grandes empresas a reportar as suas práticas de sustentabilidade em 2026 de forma a cumprir com a Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa, o tema tem estado a ganhar importância no tecido empresarial português.

As PME começam também a ter os seus clientes, grandes empresas, a questionar quais as suas práticas de sustentabilidade e que indicadores têm para mostrar e consubstanciar essas mesmas práticas. Diria que nos próximos três anos veremos um crescimento significativo da importância dada pelas empresas portuguesas a este tema da sustentabilidade.

Em que setores de atividade se notam mais lacunas nesta matéria?
Diria que há lacunas em todos os setores, uma vez que este tema é ainda desconhecido de muitos diretores gerais e/ou sócios de muitas PME. Por exemplo, no setor do turismo há ótimos exemplos, mas também ainda temos muitos casos em que o Hotel se recusa a exigir aos clientes que escolham entre ter a janela aberta ou o ar condicionado a funcionar (em muitos casos as janelas abertas não fecham o ar condicionado por se considerar que tal é um sinónimo de qualidade). Em todos os setores há excelentes exemplos (ainda poucos) e há também muitos maus exemplos ainda.

Qual tem sido o papel das start-ups nesta área?
Algumas têm desenvolvido tecnologia que ajuda as empresas a reportarem indicadores de forma mais eficiente, outras que são aplicadas a edifícios e permitem que, por exemplo, hotéis possam comunicar os gastos em tempo real; outras são criadas com o objetivo de terem um impacte positivo e por isso o próprio negócio já é um negócio “verde”. Em Portugal penso que estes temas ainda carecem de ser mais desenvolvidos junto das start-ups e dos fundos de Venture Capital.

“Temos também de ter CEO e administradores com visão e capazes de investir hoje nas pessoas e nos processos, para que a sua empresa seja um exemplo de boa gestão sustentável em 5 anos”.

A Sofia está há mais de duas décadas a evangelizar para a sustentabilidade. Estamos no caminho certo? O que ainda é preciso fazer?
Estamos no caminho certo, mas não quer dizer que estejamos todos a fazer a coisa certa. Para que as práticas de gestão sustentável sejam genuínas temos de mudar a cultura empresarial e a financeira. Temos de criar a teoria da “Gestão Sustentável” e a teoria dos “Mercados financeiros sustentáveis”, para que sejam incorporados nos cursos académicos.

Temos também de ter CEO e administradores com visão e capazes de investir hoje nas pessoas e nos processos, para que a sua empresa seja um exemplo de boa gestão sustentável em 5 anos. Esse investimento hoje leva a menos dividendos hoje, mas a uma maior competitividade da empresa a 5 anos, um trade off que não nos ensinam nas escolas de gestão e que muitos acionistas ainda não compreendem

De que forma a academia pode contribuir para garantir que todos os futuros profissionais têm consciência dos impactos económicos e financeiros das suas escolhas?
“A gestão sustentável” e os “mercados financeiros sustentáveis” deveriam ser cadeiras obrigatórias em todos os cursos (atualmente são optativas na maioria das universidades em Portugal). Deveríamos ter licenciaturas em Gestão e Financiamento sustentável.

A necessidade de crescimento e recuperação económica neste momento podem fazer perigar o crescimento sustentável?
Apostar num desenvolvimento sustentável é apostar no crescimento do PIB ou, pelo menos, é apostar numa menor diminuição do PIB. A Network for Greening the Financial System, que é uma rede de bancos centrais do mundo inteiro liderada pelo Banco Central de França, tem estudado o impacte económico que o aumento da temperatura pode ter em 2050. Os seus 3 cenários apontam para um decréscimo do PIB em 2050 a nível mundial, que pode oscilar entre os -4% e os -8%. Ou seja, cada vez mais os economistas estão a antecipar e a incorporar nos modelos macroeconómicos os impactes que um aumento de temperatura de 2ºC ou superior poderá ter na economia. Por isso, a melhor opção é mesmo apostar num desenvolvimento sustentável já hoje.

Quais os planos da Systemic para este ano? Que desafios vos esperam?
Os nossos planos são apostar na Future Academy e conseguir clientes de vários setores e de várias áreas de interesse, reforçar a nossa presença em projetos internacionais em África na área de Climate Finance e sermos a empresa de consultoria de referência para PME em Portugal. Os desafios são o aumento da concorrência e alguma diminuição das margens, que iremos compensar com trabalho de elevado valor acrescentado ao nível estratégico e com projetos internacionais.

“A Future Academy poderá tornar-se num ecossistema de conhecimento em sustentabilidade e de práticas de wellbeing (…)”.

E projetos para o futuro da Future Academy?
A Future Academy poderá tornar-se num ecossistema de conhecimento em sustentabilidade, onde as pessoas possam aprender sobre aspetos técnicos da sustentabilidade, ser inspiradas, aprender sobre práticas de wellbeing e gestão de stress. Ser um local onde se pense e se construa o futuro.

O que mais a preocupa neste momento?
Nesta altura sinto-me cheia de energia positiva para continuar a caminhada que iniciei há 20 anos. Aprendi a aceitar o presente e a identificar soluções estratégicas para os problemas que vão surgindo. A minha maior “preocupação” está associada com a minha capacidade de gerir o tempo de forma fazer tudo o que quero.

Dicas para uma empresa englobar os critérios ambientais, sociais e de governação de forma eficiente no seu negócio?
Analisar a cadeia de valor da sua empresa e identificar os impactes negativos e positivos a nível social, ambiental e ético. Para cada impacte negativo identificar ações que a empresa pode fazer para diminuir esse impacte. Para cada impacte positivo, identificar o que a empresa pode fazer para aumentar esse impacte. De forma genérica, a empresa terá de ter: um plano para diminuir as emissões de Gases com Efeitos de Estufa e uma estratégia para a neutralidade carbónica; Código de fornecedores e critérios ambientais e sociais na escolha dos seus fornecedores; política de diversidade; entre outros. Aconselho as empresas a investigarem a Certificação B Corp, que as ajuda imenso a incorporar os critérios ambientais, sociais e de governação no seu negócio de forma séria

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