Entrevista/ “Os problemas derivados do stress e burnout são uma das maiores causas de absentismo”

Tem 36 anos e uma mão cheia de empresas para as quais já desenvolveu projetos com o objetivo de melhorar o bem-estar dos colaboradores. O Link To Leaders falou com Tiago Santos sobre a Workwell que fundou em 2008 e o evento que se prepara para lançar dentro de dois dias, o Wellbeing Summit.
A doença mental não pede licença para entrar. Pode afetar qualquer pessoa e nas mais variadas fases da vida. Nos últimos anos foram muitas as empresas em Portugal que começaram a pensar no bem-estar dos seus colaboradores e a ter como objetivo diminuir as taxas de sedentarismo, absentismo e das doenças relacionadas com a profissão.
Estivemos à conversa com Tiago Santos, cofundador da Workwell, empresa que tem como missão melhorar a qualidade de vida dos colaboradores através de uma alimentação saudável, de uma melhor postura, do exercício físico, promovendo um maior bem-estar e a saúde mental. E que, para assinalar o Dia Internacional da Saúde Mental, decidiu criar a 1ª edição do Wellbeing Summit, num formato exclusivamente digital e gratuito, a decorrer entre 12 e 30 de outubro.
O que o levou a criar a 1ª edição do Wellbeing Summit?
Este evento é uma ideia que já estava nossa cabeça há algum tempo! A saúde e o bem-estar das pessoas e, mais concretamente, dos colaboradores das empresas, sempre foi uma missão para a qual temos contribuído ativa e entusiasticamente na última década. Nos últimos anos, ao acompanhar a realidade internacional, fui percebendo o GAP de desenvolvimento desta área em Portugal comparativamente a outros países. Com isso em mente e acelerado pela pandemia, achei que este era o momento ideal para juntarmos gestores, professores universitários, especialistas, clientes e outras organizações a partilharem a sua experiência e boas práticas.
É importante disseminar este conhecimento em prol de pessoas e locais de trabalho mais saudáveis. Num momento em que a saúde pública está no centro da atualidade e o bem-estar das pessoas nunca foi tão importante, parece-me que as organizações podem ser um elemento de responsabilidade importante na sociedade e que faz todo o sentido trazermos todos ao debate. No fundo, queremos mobilizar e influenciar saudavelmente as organizações.
Que iniciativas têm previstas e a quem se destina a iniciativa?
O evento será dirigido essencialmente a profissionais: direções de recursos humanos, saúde, segurança e felicidade, CEO e, claro, sem esquecermos os colaboradores. Está estruturado em três eixos estratégicos: Saúde mental, Prevenção e Promoção de saúde no local de trabalho e Cultura de Bem-Estar e Home Office. Dentro destes eixos, vamos ter várias mesas redondas de debates, entrevistas, dinâmicas de Bem-Estar, apresentação de cases e algumas surpresas.
Procurámos envolver vários stakeholders…a área da ciência, os movimentos associativos, organizações privadas e especialistas. O objetivo é aumentar o debate, o conhecimento e a oportunidade que a saúde e o bem-estar podem representar para a produtividade das empresas, para a Saúde Pública e alcance dos objetivos de desenvolvimento sustentável, criando um modelo de desenvolvimento económico mais sustentável.
“Fica um sentimento de orgulho nos projetos desenvolvidos com algumas das maiores empresas em Portugal – AGEAS, IKEA, EDP, MÉDIS, AMORIM, BPI, entre outras tantas – e também de gratidão por toda a experiência adquirida a ajudar as pessoas e empresas, bem como de entusiasmo e confiança, pois sabemos que a missão a que nos dedicamos contribui para um mundo melhor”.
Que balanço faz da Workwell?
Bastante positivo. Éramos apenas um sonho de 4 jovens recém-licenciados onde poucas expetativas estavam depositadas e numa área inovadora à época. Um percurso difícil em que tivemos de criar/demonstrar/educar o mercado empresarial sobre a necessidade e oportunidade. Fica um sentimento de orgulho nos projetos desenvolvidos com algumas das maiores empresas em Portugal – AGEAS, IKEA, EDP, MÉDIS, AMORIM, BPI, entre outras tantas – e também de gratidão por toda a experiência adquirida a ajudar as pessoas e empresas, bem como de entusiasmo e confiança, pois sabemos que a missão a que nos dedicamos contribui para um mundo melhor. Costumo dizer entre amigos que, após 12 anos, estamos agora começar.
Em que é que consiste o conceito “Corporate Wellness”?
É um conceito que nasce nos USA, muito derivado dos altos custos de saúde com doenças crónicas que as empresas têm e que, através de atividades, iniciativas e políticas de promoção de saúde, visa ajudar os colaboradores das empresas a adotarem comportamentos e um estilo de vida mais saudável, aumentando o seu bem-estar e a sua qualidade de vida. É olhar para o local de trabalho como um espaço ideal para se educar e ajudar as pessoas com as suas escolhas e comportamentos que influenciam direta e indiretamente a sua saúde.
Quem procura a Workwell?
Inicialmente o nosso público eram grandes empresas, com políticas ou programas de promoção de saúde e bem-estar a nível global, tanto do sector industrial como do sector administrativo. No entanto, nos últimos anos, com a crescente valorização do tema e da necessidade de as empresas serem um local positivo e saudável, temos notado uma maior diversidade nos clientes que nos procuram para desenvolver projetos. Hoje temos soluções e projetos com pequenas, médias e grandes empresas.
“Estamos centrados na mudança de comportamentos individuais e organizados em três pilares – movewell, feelwell e eatwell – implementando projetos e atividades que promovem um estilo de vida mais saudável”.
Que iniciativas desenvolvem junto das empresas?
Estamos centrados na mudança de comportamentos individuais e organizados em três pilares – movewell, feelwell e eatwell – implementando projetos e atividades que promovem um estilo de vida mais saudável. Em paralelo – e porque achamos que a organização é chave neste processo tendo um papel, muitas vezes, mais importante que a própria pessoa – desenvolvemos formação para gestores e políticas que permitam alcançar um maior bem-estar.
Com o início da pandemia viu a sua faturação reduzida para 10% da atividade normal. No entanto, já se encontra a apenas 10% de realizar as previsões para 2020. Qual é o segredo e quais as previsões para este ano?
Na verdade, não há grande segredo nem história romântica. Tem sido como até aqui… Trabalho árduo, muita dedicação às pessoas e uma aposta constante na metodologia: tentativa-erro e confiança que vai resultar. Entrámos em 2020 com a expetativa de bater records…número de colaboradores abrangidos, volume da equipa, faturação… Fizemos um primeiro trimestre sensacional nunca visto (acredito que como a maioria) e tínhamos a previsão de crescer acima dos 50%. Com o confinamento e a suspensão dos projetos também nós entramos em pânico. Vimos o nosso mundo a desabar. Tudo parado.
No entanto, tentámos procurar desde o primeiro momento soluções. Decidimos não encolher a equipa, montámos uma task force para a inovação e num dia criámos uma estratégia que aos nossos olhos iria funcionar. As necessidades de saúde e bem-estar continuaram, não desapareceram…Antes pelo contrário! Os colaboradores têm problemas de sono, ataques de ansiedade, têm uma péssima alimentação, não se exercitam e sofrem as dores do teletrabalho. Agora parece-nos óbvio, mas na altura não.
Demos corpo a projetos que estavam no armário, ajustámos a nossa oferta ao que no momento nos pareceu mais útil, adaptamos tecnologia e fomos tentar. Felizmente resultou. Foi interessante assistir ao crescimento de algumas áreas na empresa, ao passo que tivemos e continuamos com outras áreas suspensas. Hoje olho e vejo que temos uma oportunidade nas mãos de inovar e de criar novas e melhores soluções para os nossos clientes.Toda a equipa esteve de parabéns pela resposta dada em cada momento de dificuldade.
A saúde mental está a deixar de ser um tabu nas empresas. Porquê?
Bom, penso que tem de deixar de ser um tabu! É importante percebermos que os problemas derivados do stress e burnout são uma das maiores causas de absentismo e que trazem consequências terríveis para as pessoas e para a sociedade, estando essa origem em grande parte no local de trabalho.
As empresas não podem passar à margem deste problema e devem assumir o seu papel ativo de responsabilidade social e de saúde pública contribuindo para melhores condições psicológicas das suas pessoas. É verdade que existe hoje uma consciencialização maior e que as organizações já estão a dar alguns passos para minimizar o impacto desta pandemia mental, mas ainda estamos no início da maratona e é preciso fazer mais.
“A própria OMS reforça a importância que um local de trabalho saudável tem, sendo um excelente setting para se alcançar mais resultados em saúde. O desafio hoje é outro…”
A maior parte do nosso tempo é passado no trabalho. As empresas portuguesas têm consciência da importância de iniciativas no local de trabalho para a prevenção da saúde e bem-estar dos funcionários?
Se me perguntasse em 2008 quando fundei a Workwell, responderia que não, que as organizações não tinham percecionado a oportunidade que o local de trabalho pode ser para melhorar a saúde e Bem-Estar. Em 2020, é diferente! Não é preciso provar nada, as evidências são claras. A própria OMS reforça a importância que um local de trabalho saudável tem, sendo um excelente setting para se alcançar mais resultados em saúde. O desafio hoje é outro…É perceber como é que isso deve ser feito, como deve ser implementado e medido, tendo em conta os colaboradores.
O aumento da produtividade dos colaboradores tem sido apontado como uma das razões para as empresas promoverem o bem-estar dos mesmos. O bem-estar dos colaboradores já é uma prioridade das empresas ou estas continuam a privilegiar mais o lado económico-financeiro?
O que vamos acompanhando é o bem-estar a ganhar espaço! Sou muito otimista e penso que estamos no início de uma nova era de mudança, de transformação, e que o caminho que está a ser feito é no sentido de que as pessoas e o seu bem-estar sejam centrais no negócio.
O que têm as empresas portuguesas feito para contribuírem para ambientes de trabalho saudáveis?
É bastante diverso…algumas muito…outras nada. É normal! Faz parte da maturação deste mercado. Há empresas com programas mais robustos e complexos e outros mais simples. Podemos enumerar algumas iniciativas mais simples: disponibilização de apoio nutricional, emocional e fisioterapêutico, flexibilidade de horários, educação para temas relacionados com a saúde, bem-estar e desenvolvimento pessoal, atividades físicas em contexto de trabalho, material mais confortável e ergonómico, proporcionado momentos de partilha e teambuilding, promovido um sentido de propósito. Enfim, um grande número de atividades.
Na minha ótica, falta, contudo, planeamento e investimento. É necessário conseguir orçamentos maiores para esta área e é necessário planear a médio prazo. Não é possível produzir resultados duradouras com iniciativas pontuais.
De que forma a pandemia está a afetar a saúde mental dos trabalhadores?
Tem sentido um aumento da procura dos seus serviços?Penso que a pandemia nos afeta a todos. A mudança e os desafios que esta situação nos trouxe foram gigantes. O confinamento, o medo e o teletrabalho trouxeram uma nova realidade e é normal que hajam consequências. O que vamos sentindo junto das pessoas é que estão esgotadas da situação, do esforço que têm feito para gerir a sua vida nesta intempérie.
É necessário desenvolver uma mente resiliente que nos permita atravessar esta calamidade e nem todos têm essa capacidade. Por isso, e porque as empresas têm percebido que devem dar suporte aos seus desenvolvendo estratégias e ferramentas para uma boa gestão mental, a procura disparou. Temos desenvolvido vários projetos muito interessantes e complexos na saúde mental e prevemos que até ao fim do ano ainda cresça consideravelmente a procura.
“O local de trabalho do futuro será mais humano e tecnológico. Obviamente, vamos estar mais “livres” para podermos trabalhar a partir de casa ou de outro qualquer local que seja mais conveniente para a nossa vida”.
Como será o local de trabalho no futuro?
O local de trabalho do futuro será mais humano e tecnológico. Obviamente, vamos estar mais “livres” para podermos trabalhar a partir de casa ou de outro qualquer local que seja mais conveniente para a nossa vida. Portanto é provável que os locais de trabalho do futuro sejam mais cooperativos. Locais que os colaboradores frequentam com menos regularidade, mas nos quais se juntam para trabalho em grupo e para fortalecer os seus laços com os colegas e empresas. Será também um local mais convidativo sob o ponto de vista de atrair o colaborador. E será, sem dúvida, mais tecnológico.
Respostas rápidas:
O maior risco: Fundar a Workwell…estar mais de um ano sem trabalhar e sem receber para desenvolver a empresa num segmento de negócio virgem.
O maior erro: Não acreditar nas minhas capacidades mais cedo na vida.
A maior lição: Não há uma maior lição. Existem algumas lições que vou tendo durante o percurso. Uma delas é a confiança que devemos ter em nós e naquilo que acreditamos.
A maior conquista: Ser pai.