Opinião

Os paradoxos das transformações em curso

Franquelim Alves, diretor-geral da 3anglecapital

O National Intelligence Council dos EUA publicou em janeiro deste ano um estudo denominado “Global trends: paradox of progress”, onde analisa as principais tendências a nível económico e social com que o mundo deverá confrontar-se nos próximos 20 anos.

No resumo deste estudo, são definidas as tendências globais e as suas implicações chave até 2035, a saber:

  1. Os países ricos estão a envelhecer e os países pobres não: a população em idade de trabalho está a diminuir nos países mais ricos e na China e na Rússia, enquanto aumenta nos países da África e da Ásia do Sul.
    O efeito desta situação é o aumento das correntes migratórias, o aumento das pressões sobre o emprego, o bem-estar social e a urbanização.
  2. A economia global está em mudança: as economias continuarão a sofrer um crescimento moderado, em resultado dos níveis de endividamento e da redução da procura no período pós-crise de 2008. A China procurará apostar num modelo sustentado no crescimento do consumo doméstico e menos orientado para as exportações e investimento.
  3. A evolução tecnológica tem acelerado o progresso económico, mas ao mesmo tempo tem vindo a provocar crescentes disfunções: as mudanças tecnológicas suportam o progresso, mas, como sempre, provocam ruturas sociais. A crescente importância da inteligência artificial e da automação causam problemas sérios de emprego em áreas tradicionalmente privilegiadas (serviços e indústria especializada). O desenvolvimento das biotecnologias, nomeadamente tudo o que se relaciona com a manipulação do genoma, irá revolucionar a medicina e outros campos – agricultura, alimentação, etc. – mas também vai gerar novas questões de natureza moral.
  4. Ideologias e identidades aumentarão os riscos de segregação: as incertezas crescentes sobre o futuro e a desestabilização do atual statuts quo das economias e das sociedades são base para alimentar processos demagógicos e populistas, à esquerda e à direita.
  5. Governação mais exigente: as populações exigirão, cada vez mais, segurança e bem-estar. Porém, a estagnação das receitas e a falta de confiança nos governantes tornarão cada vez mais difícil governar um país. Se a isso acrescentarmos a disseminação das tecnologias, o papel crescente de organizações não tuteladas (ONGs e outras) e a facilidade do acesso às tecnologias por parte de todos esses intervenientes, percebe-se como a governação será, mais e mais, um trabalho complexo e muito especializado.
  6. A natureza dos conflitos está em alteração: a redução do papel das superpotências fez aumentar o risco de conflito entre os vários países – também em resultado da emergência de novas potências, como a China – e as ameaças terroristas com uso de tecnologia e acesso a armas cada vez mais letais e recentemente acessíveis aumentam as ameaças. O acesso à robótica, a armas de precisão de longo alcance, aos instrumentos de cibernética e à produção de armas de destruição maciça com cada vez maior facilidade aumentam os riscos de desestabilização das sociedades e das economias.
  7. As questões ambientais e de saúde requererão mais atenção: problemas associadas à escassez de recursos e à disseminação de doenças através do crescimento das viagens em todo o mundo implicarão novos níveis de cooperação internacional, que o ambiente atrás descrito não propiciará sempre da melhor forma.

Grande parte dos acontecimentos políticos e económicos dos anos mais recentes e, com particular destaque, a partir da crise financeira de 2008 podem ser vistos à luz desta análise.

Trata-se naturalmente de um estudo suscetível de debate, como tudo o que pretende ser prospetivo, mas a sua utilidade é a de nos lembrar que as ferramentas tradicionais de análise utilizadas para compreender os fenómenos e os acontecimentos, têm de ser renovadas e substituídas: os conceitos, as categorias e as formas de analisar comportamentos, desenvolvimentos e processos em curso – políticos, sociais, económicos, financeiros ou militares – têm de ser alteradas, para que consigamos entender o que se passa à nossa volta e as formas de nos posicionarmos na nossa vida empresarial e pessoal.

O empreendedorismo e a inovação empresarial são efetivamente duas formas de preparar respostas novas, inovadoras, diferentes, para um mundo que está em vias de deixar de ser o mundo em que nos reconhecemos, mas que ainda não é um novo mundo. Esse novo mundo será a resultante da interação permanente de todos em sociedade. O resultado é, por agora, uma incógnita: esperemos apenas que o mundo que nos receberá e às futuras gerações, seja pelo menos igual, se não melhor, do que o atual.

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Franquelim Alves

Franquelim Alves

Franquelim Alves é managing partner da SIGISFIN (ex-New Finance, Lda.). Anteriormente, foi diretor-geral da 3anglecapital, sociedade especializada em operações de M&A e serviços de “advisory” financeiro. Licenciado em economia, pelo ISEG, detém um MBA em Finanças pela Universidade Católica Portuguesa e o Advanced Management Program da Wharton School of Philadelphia. Desempenhou funções de administração financeira no Grupo Lusomundo e no Grupo Jerónimo Martins. Iniciou a sua carreira na Ernst & Young, onde desempenhou funções de Sócio responsável pela área de... Ler Mais..

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