Opinião
Os espaços seguros

Com a eleição do Donald, fiquei a perceber que se tinha sedimentado na sociedade americana (e na britânica) o conceito de safe spaces e de triggering warnings. Possivelmente, estas coisas emergiram com a melhor das intenções em resposta a abusos, desrespeitos, violência psicológica e física. Portanto, variadas formas de bullying e de exercício das assimetrias de poder.
Mas, e como é habitual, a visão da vida como linearmente simples conduziu a coisa até ao absurdo.
Na noite das eleições e nos dias seguintes, aparentemente, algumas Universidades organizaram sessões coletivas de “choro” com a assistência de ursinhos de peluche!!!
Really?!
Suponho que terá sido uma forma de canalizar a surpresa e o desespero pela vinda do Mephisto. E, claro, conduz ao reforço da crença na vinda da criatura e à sensação de impotência perante tal facto… “Organizar” sentimentos espontâneos é, aliás, uma coisa que, por certo, corre nas páginas do DSM-V[i]…
Esta questão já chegou à nossa sociedade e, recentemente, assisti a uma polémica no twitter. Por causa das queixas de um humorista sobre a condição dos humoristas que podem ofender as pessoas e como, nos dias de hoje, toda a gente se sente ofendida.
Para além do ano de 2016 ter levado uma quantidade inusitada de atores e músicos, o outro facto que se me apresenta saliente, foi este tema dos ofendidos e das ofensas. De tal maneira cresceu a quantidade de gente e grupos ofendidos que, se um dia tivermos de organizar espaços seguros em que ninguém possa e se sinta ofendido, não sobrará nenhum espaço relativamente inseguro, em que se possa entabular uma conversação entre criaturas que não se ofendem facilmente… O que é condição sine qua non para a inovação…
É surpreendente que existam mesmo pessoas que acham que, calando os outros (mesmo sobre coisas inomináveis), desaparecendo do espaço público a “palavra”, com ela desaparecerá o conceito e a crença que nessa palavra se expressava. Esta crença saiu cara nos EUA. E pode sair cara na Europa.
Imagino como seria o mundo se, há milénios, estas bem-intencionadas pessoas tivessem imposto estas curiosas regras. Ou seja, não imagino, porque a supressão da agressão, do conflito, da discussão, da ofensa teria eliminado a paixão, a curiosidade, a vontade de sobrevivência. Não teríamos chegado aqui. Como espécie. Há muito que teríamos perecido. Vítimas de doenças. De outras espécies. De desastres naturais. É de pouca utilidade, em face da erupção de um vulcão, organizar sessões de choro com ursinhos. Dar à sola, mesmo cada um por si, parece de maior pragmatismo…
Lutar pela afirmação dos princípios é melhor do que retirar para espaços seguros. A vida não é assim.
[i] Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, versão 5 – Manual para profissionais da área da saúde mental que lista as diferentes categorias de transtornos mentais e os critérios para diagnosticá-los (Nota da redação do Link to Leaders)