Opinião
O pescoço e a sua importância

“Se uma parte do corpo sofre, todas as outras sofrem com ela. Se uma é elogiada, todas as outras se alegram com ela”. Primeira carta aos Coríntios, 12:26.
Caros leitores, para que fique claro, não vou falar de anatomia humana, pois não tenho habilitações para tal, mas vou apenas queixar-me de uma ligeira dor que senti no pescoço há dias quando acordei de manhã, e que causa um pouco de desconforto. Nem fui ao médico, faço automedicação com pomada e alguma massagem para alívio do stress muscular.
Dor aguda no pescoço pode ser debilitante, constrangedora, causa dificuldades e pode impedir a realização de tarefas simples do dia a dia. Quem alguma vez teve torcicolo sabe que não se consegue virar apenas a cabeça, tem de ser todo o corpo, o que faz perder agilidade, flexibilidade e, pelo contrário, ganha rigidez. Nestas situações, o pescoço perde a sua função mecânica de intermediar, conectar e transmitir fluidez entre a cabeça e as restantes partes operacionais do corpo. Imagine que, para girar a cabeça, tem de girar todo o corpo.
Pelo pescoço, e através da laringe, passam os alimentos que irão nutrir todo o corpo, a água que hidrata o corpo, através da traqueia, o ar que oxigena a cabeça e também pelo pescoço passa a medula espinhal que conduz os impulsos nervosos entre o corpo e o cérebro. Pelo pescoço ainda passam os vasos sanguíneos que alimentam o cérebro. Em termos de defesa pessoal e de artes marciais, o pescoço é uma zona fulcral. Evite lesões traumáticas no pescoço, pois, por exemplo, lesões acima da cervical C4 podem ser fatais.
Assim, na organização do corpo, o pescoço desempenha o papel fundamental de uma espécie de gestão intermédia. Efetivamente, a gestão intermédia tem uma importância muito relevante na gestão das organizações, embora isso não tenha sido sempre assim. Até ao artigo seminal de Abraham Zahznik de 1977 no HBR, a gestão intermédia era vista com alguma reserva. O autor contribui positivamente ao introduzir uma distinção entre ser líder e ser gestor. Talvez hoje, no atual contexto, esta distinção não seja tão relevante, pois as organizações precisam das competências das duas categorias numa única categoria, a de gestor intermédio: precisa de ser o líder de uma equipa que dirige, mas também precisa gerir recursos e objetivos e reportar resultados à hierarquia de topo na organização.
A gestão intermédia, fazendo a ponte entre o topo e as equipas, é cada vez mais importante à medida que as organizações se tornem mais ágeis, menos burocráticas e mais flexíveis.
A sua importância e influência pode ser comparada a uma correia de transmissão, de geometria variável e seletiva entre a alta administração e as equipas operacionais: geometria variável porque não repassa tudo nem à mesma velocidade entre o topo e as equipas; seletiva porque tem de fazer uma pré-seleção do que vai trocar entre a alta administração e as equipas (na forma e no conteúdo). Quando a gestão intermédia não consegue fazer essa filtragem, transformação positiva e adaptação dos conteúdos aos dois públicos (alta administração e equipas funcionais) então passa a ser uma mera caixa de correios. Geralmente não é isso que acontece, pois, os gestores intermédios de sucesso são líderes proativos e sabem seguir a liderança do topo.
Os gestores intermédios de sucesso sabem fazer a ponte e sabem negociar entre dois públicos que, apesar de estarem a trabalhar para a mesma organização, muitas vezes tem agendas, interesses, visão e posições hierárquicas diferentes. Quem consegue esta intermediação tem de ter sucesso, se não corre o duplo risco de se expor perante a alta administração e/ou de defraudar as equipas que dirige.
Mas para tal, os programas de formação são fundamentais para preparar gestores intermédios pelo que devem incluir aspetos relacionados com:
- Comunicação: é praticamente impossível falar de gestores intermédios sem falar numa boa comunicação. Saber comunicar com as equipas as decisões do topo e, depois, reportar os resultados, pode determinar ou não o sucesso;
- Capacitação em ser bons seguidores: tendo este papel intermédio, os gestores também devem ser capacitados para influenciar o topo da organização, nomeadamente em termos de soluções para os problemas;
- Capacitação emocional: são estes gestores que sofrem pressão e tensão de ambos os lados da organização, pelo que a área de desenvolvimento dos recursos humanos deve dar atenção especial do ponto de vista emocional;
- Responsabilização: os gestores que não têm sucesso, geralmente não aceitam a responsabilização. Ora a responsabilização é importante para a melhoria da gestão intermédia, e se cada um deve ter as suas responsabilidades, o gestor intermédio deve ser responsabilizado perante o topo face aos resultados da sua equipa.
Não menos importantes são os desafios que esta categoria enfrenta, nomeadamente, o stress, o burnout e o desequilíbrio entre a vida familiar e profissional. Possuem agendas sobrecarregadas e, segundo pesquisas internacionais, passam, em média, 35% do seu tempo em reuniões. Pela natureza das suas funções, é também uma categoria sobrecarregada com tarefas administrativas.
Por tudo isso, os gestores intermédios devem merecer o apoio de toda a organização. Enquanto isso é a minha hora de colocar mais pomada no pescoço e fazer mais umas massagens para aligeirar o desconforto e você, líder, cuide do “pescoço” da sua organização, identifique e cuide das “cervicais” acima do C4.
* As opiniões são apenas do autor e não vinculam nenhuma instituição.