Entrevista/ “O nosso país reúne as condições necessárias para continuar a promover e a explorar as fontes renováveis”

Teresa Ponce Leão, presidente do Conselho Diretivo do LNEG

“Portugal, com a abundância de recursos renováveis, será dos países bem posicionados para explorar a economia do hidrogénio. Acresce que a nossa localização e os nossos portos são favoráveis à exportação e a descarbonização é um problema global”, defende Teresa Ponce Leão, presidente do Conselho Diretivo do LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia, instituição que lidera há mais de 10 anos.

É doutorada em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, docente na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), investigadora sénior do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência  (INESC) no Porto e, desde 2009, presidente do Conselho Diretivo do Laboratório Nacional de Energia E Geologia (LNEG).

É uma mulher das geociências e das engenharias. Em entrevista ao Link To Leaders, Teresa Ponce Leão fala da instituição governamental de investigação e desenvolvimento que lidera há mais de 10 anos, da produção de energia, das fontes renováveis e dos projetos para o futuro.

Que balanço faz da atividade da instituição que lidera?
O LNEG surgiu num momento algo conturbado. O governo da altura tinha decidido a extinção do INETI – Instituto Nacional de Engenharia e a transferência das competências em energia e tecnologia para o novo instituto com funções de Laboratório do Estado nas áreas de Energia e Geologia. Atendendo às competências científicas e ao histórico das actividades de investigação, a estratégia seguida foi focalizar a actividade nas energias renováveis, na eficiência energética, na economia circular e na geologia, exercendo o LNEG as funções de Serviço Geológico Nacional. Enquadrámos a actividade na nossa qualidade de “Research and Technology Operator”, o que significava que deveríamos investigar para acumulação de conhecimento e posterior transferência para a sociedade.

À reorganização interna do sector científico seguiu-se uma reorganização administrativa na simplificação e centralização de procedimentos e proporcionando ao sector de investigação um apoio administrativo mais ágil e eficaz. Apostámos na digitalização, o que nos permitiu estar preparados para a pandemia. A este período ou em simultâneo seguiu-se uma forte aposta na internacionalização e hoje somos membros com funções executivas em importantes redes europeias: na “European Energy Research Alliance” (maior aliança europeia para a investigação em energia e de que também somos fundadores), na “European Sustainable Energy Innovation Alliance” e nos EuroGeoSurveys, na área. O reconhecimento pelos pares foi sempre uma motivação enquanto medida de avaliação do nosso desempenho.

O LNEG tem vindo a dirigir estrategicamente a sua actividade para as orientações políticas do país e da europa. Em tempos de crise criamos um gabinete para identificarmos a forma mais eficaz de reunirmos esforços para colaborar activamente no Plano de Recuperação e Resiliência. Tem sido um desafio muito gratificante ao longo destes anos.

Quais têm sido os grandes desafios?
Os maiores desafios têm sido promover uma flexibilidade interna, multidisciplinar que garanta qualidade nas respostas, mas também agilidade e adaptação. Cativar as pessoas, os nossos investigadores, para essa permanente adaptação tem sido uma preocupação permanente. Costumo dizer que não podemos ser acomodados temos que interiormente ter uma inquietude latente de tentar fazer melhor e mais tendo em conta as necessidades e o que o país espera de nós.

“A segurança de abastecimento, “latu sensu”, implica garantir o abastecimento de energia com qualidade de serviço e sem interrupção”.

O que é preciso para garantir a segurança do abastecimento de energia a Portugal?
A segurança de abastecimento, “latu sensu”, implica garantir o abastecimento de energia com qualidade de serviço e sem interrupção. Tradicionalmente, estando os sistemas energéticos fortemente dependentes de “commodities” como o são as fontes fósseis, a segurança de abastecimento conseguia-se com uma boa gestão do sistema de energia, simplificando, necessitávamos de centrais para abastecimento da base do diagrama e centrais de arranque rápido para abastecimento das pontas do diagrama de consumos.

Com o crescimento da produção de energia a partir de fontes renováveis, cuja produção está fortemente dependente da existência, por exemplo, de vento ou sol, verifica-se que, se não houver capacidade de armazenamento (neste momento só existem as albufeiras das barragens), e como a energia passível de ser produzida depende da disponibilidade do recurso, podemos não ter capacidade de resposta sem um apoio de “back-up”. Também pode acontecer a energia estar disponível, mas não haver consumo, neste caso, desperdiçamos a energia. Aqui percebe-se a função crucial do armazenamento, fazer como a formiga, guardar energia em excesso para a fornecer quando faz falta.

O Governo português pretende reduzir as emissões nacionais em 45 a 55% até 2030. Estamos no bom caminho?
Portugal foi o primeiro país do mundo a comprometer-se a ser neutro em carbono em 2050. O nosso país reúne as condições necessárias para continuar a promover e a explorar as fontes renováveis. De recordar que em 2000 já possuíamos o Atlas Sustentável para a Eólica, cuja tecnologia de produção foi a primeira a atingir paridade com as outras formas de produção. Este atlas permitiu lançar um concurso que nos conduziu a sermos um país com um potencial eólico razoável, identificamos todos os locais passíveis de receber parques eólicos que vieram a ser construídos. Seguiu-se a curva acelerada de aprendizagem do solar e neste recurso, somos o país europeu com maior potencial principalmente no Sul.

Faltava o elemento flexibilidade, o elemento que fizesse o trabalho de formiguinha, e aqui temos várias alternativas, através de centrais de biomassa, de centrais solares concentradas, aproveitar o efeito de armazenamento dos veículos eléctricos e recentemente surgiu a solução através do vector energético hidrogénio, verde. Com este “mix” energético, estamos no bom caminho.

“A Europa prevê investir 470 mil milhões de euros, até 2050, nas tecnologias de hidrogénio. O hidrogénio verde surgiu como a chave que faltava para a descarbonização do planeta”.

Portugal reúne as condições necessárias no sentido de continuar a promover e a elevar o H2 como o combustível do futuro?
O hidrogénio é um combustível de longa tradição na indústria e a questão da mais-valia do hidrogénio não se aplica a um só país. O H2 é um vector energético utilizado na indústria pesada há muitos anos com a limitação de ser produzido a partir de combustíveis fósseis. Acontece que a comunidade científica e industrial começou a olhar para este vector como uma oportunidade para a descarbonização se produzido a partir de fontes renováveis.

A partir daqui o hidrogénio foi olhado segundo várias perspectivas, pela multiplicidade dos seus usos, transporte, indústria, e edifícios, pela sua capacidade de armazenamento (ao contrário da electricidade a molécula de hidrogénio é armazenável), nas condutas, em tanques ou em reservas geológicas, pela capacidade de descarbonizar sectores ainda longe da descarbonização como a indústria pesada, a aviação, o transporte marítimo e mesmo o transporte de mercadorias de longo curso.

Portugal, com a abundância de recursos renováveis, será dos países bem posicionados para explorar a economia do hidrogénio. Acresce que a nossa localização e os nossos portos são favoráveis à exportação e a descarbonização é um problema global. A Europa prevê investir 470 mil milhões de euros, até 2050, nas tecnologias de hidrogénio. O hidrogénio verde surgiu como a chave que faltava para a descarbonização do planeta.

Quais os projetos de aposta do LNEG para este ano?
Concluir os projectos das infraestruturas tecnológicas, instrumento importante para parcerias com empresas, consolidar e transformar em referência o nosso grupo de trabalho para o hidrogénio, pluridisciplinar e já com provas dadas nalguns projectos. Demonstrar o conceito biorrefinarias como instrumento importante para a circularidade. Valorizar todos os projectos incluindo de forma explicita o valor técnico-económico dos recursos naturais. Ser o parceiro das empresas e do governo para a economia circular, actuando no apoio ao processo produtivo e também nas compras públicas.

Que iniciativas têm em curso?
Construir o atlas nacional para o hidrogénio. Explorar o novo Geoportal para melhor disponibilizar a informação georreferenciada e disponibilizar o máximo de informação sobre os nossos recursos. Melhorar a comunicação com o exterior. Dar visibilidade ao Museu Geológico.

Foi convidada para integrar o Conselho Internacional do “Bureau de Recherches Géologiques et Minières”, em França. O que acha que contribuiu para este convite e reconhecimento?
O facto de ter sempre procurado trabalhar com pares internacionais e ter colaborado em inúmeros grupos de trabalho principalmente europeus, mas também na América Latina e a possibilidade de ter trabalhado com redes de institutos de investigação congéneres nossos e delas fazermos parte de forma muito activa.

“O ter de prejudicar a minha carreira académica ao assumir funções de dirigente de um instituto público. Foi uma decisão para a vida….,mas minha”.

Tanto a engenharia como a ciência foram campos que sofreram inúmeras mudanças ao longo dos anos. Qual o momento mais desafiante da sua carreira e porquê?
O ter de prejudicar a minha carreira académica ao assumir funções de dirigente de um instituto público. Foi uma decisão para a vida….,mas minha.

O que ainda gostava de fazer no LNEG e não teve oportunidade?
Ter condições para premiar o mérito.

Em algum momento do seu percurso profissional, o facto de ser mulher, foi um entrave?
Nunca o senti.

O que considera necessário para se conseguir construir uma carreira sólida e bem-sucedida?
Muito trabalho, alguma inteligência emocional, não ter medo de decidir, sempre tive como mensagem para mim que pior que tomar uma má decisão é não decidir, e coragem.

Respostas rápidas:
O maior risco: cometer injustiças.
O maior erro: não ter tido uma experiência profissional internacional.
A maior lição: não procures visibilidade, faz o que sabes fazer, bem.
 A maior conquista: o reconhecimento pelos pares nacionais e internacionais.

 

 Nota: Este artigo segue a antiga ortografia por vontade expressa da entrevistada.

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