Opinião

O Estado não compra sustentável

Margarida Couto, presidente do GRACE*

A conclusão é do Tribunal de Contas e encontra-se plasmada no seu recente relatório 7/2020. Esta conclusão significa, entre outras implicações, que Portugal não está a contribuir devidamente para a prossecução do ODS 12 (Consumo e Produção Sustentáveis), em especial da meta 12.7 (aumentar o número de países que implementem políticas de contratação pública e planos de ação sustentáveis).

O tema não se coloca ao nível das políticas públicas, mas antes da sua concretização. Com efeito, seguindo a recomendação da União Europeia, de que os Estados-Membros adotem planos de ação nacionais para as compras públicas ecológicas, Portugal aprovou a “Estratégia Nacional para as Compras Públicas Ecológicas 2020 (ENCPE 2020)”, a qual constitui um instrumento complementar das políticas públicas nacionais na área da sustentabilidade – a ENCPE 2020 afirma ter por objetivo contribuir para “a promoção da eficiência na utilização de recursos e a minimização de impactes ambientais”, em linha com as políticas ambientais do país.

Por outro lado, o Código dos Contratos Públicos, embora podendo ir mais longe, já hoje acomoda o recurso a fatores de avaliação relacionados com características sociais, ambientais e inovadoras do produto ou serviço em causa, não sendo assim, de todo, o preço, o fator necessariamente determinante para que uma determinada proposta seja considerada a “proposta economicamente mais vantajosa”.

Ora, ninguém duvida de que, atendendo ao volume dos mercados públicos (que em Portugal, corresponde a cerca de 9% do PIB de acordo com os dados mais recentes), as compras públicas constituem um instrumento de elevadíssimo potencial para a prossecução de objetivos de sustentabilidade, podendo a inclusão de critérios ambientais e sociais nos contratos públicos promover uma enorme quantidade de objetivos neste âmbito, nomeadamente os relacionados com as alterações climáticas e com o consumo e produção sustentáveis, como é de resto expressamente afirmado pelo Tribunal de Contas.

Sucede porém que, se as políticas públicas existem “no papel” – e se a lei já as procura traduzir, ainda que de forma menos ambiciosa do que seria desejável – o caminho que vai da teoria à prática ainda é longo e sinuoso.

Como nos diz o Tribunal de Contas, a ENCPE 2020 não está a ser aplicada de modo eficaz, já que, entre outros aspetos: (i) os critérios ambientais não estão a ser definidos e adaptados à realidade nacional com a celeridade necessária; (i) a divulgação e a formação nesta matéria são praticamente inexistentes; (iii) o acompanhamento e monitorização da implementação da Estratégia não são devidamente assegurados; (iv) o grau de inclusão de critérios ambientais nas aquisições públicas é ainda reduzido; e (v) mesmo parte das entidades que utilizam critérios ambientais nos procedimentos de aquisição, não dispõem depois de sistemas de acompanhamento do cumprimento das correspondentes cláusulas contratuais.

Ao que parece, as entidades públicas admitem que as compras públicas ecológicas possam representar um benefício para o ambiente. Mas, a maioria não evidencia uma grande convicção quanto à vantagem de utilizar critérios ambientais para reduzir a despesa pública. O mesmo sucederá, imagina-se, no que se refere à utilização de critérios sociais. Aparentemente, se comprar sustentável não tiver impacto no preço, o esforço de comprar sustentável “não compensa”…

Em suma, comprar sustentável não é, na prática, uma prioridade do Estado e demais entidades públicas, por mais que as “estratégias nacionais” afirmem o contrário e por mais que as leis vigentes sejam alteradas para acomodar essas estratégias. E o cenário que o Relatório do Tribunal de Contas traça sobre a matéria é bastante desolador e tem de ser alterado a ritmo acelerado!

Numa matéria em que o poder de induzir mudança positiva é enorme, o não uso do poder corresponde a um mau uso do poder.

Enquanto o Estado não comprar sustentável, abster-se-á de ser agende de mudança e não fará parte de um movimento que deveria querer ser o primeiro a criar – um movimento de organizações que usam o seu poder para garantir uma Sociedade e um Planeta sustentáveis.

*Presidente do GRACE em representação da Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de Advogados

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Margarida Couto

Margarida Couto

Margarida Couto é licenciada em Direito e pós-graduada em Estudos Europeus, pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa. Integra a Sociedade de Advogados Vieira de Almeida & Associados (VdA) desde 1988, sendo a sócia que lidera a área de prática de Telecomunicações, Media e Tecnologias da Informação e a área de prática do Terceiro Sector e Economia Social. É a sócia responsável pelo Programa de Pro Bono e de Responsabilidade Social da VdA, presidindo ao Comité Pro Bono... Ler Mais..

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