Opinião

O contraintuitivo na gestão

Ricardo Tomé, diretor-coordenador da Media Capital Digital

Um dos melhores exemplos que recordo em torno da ideia do contraintuitivo vem descrita numa experiência por Dan Ariely em “Previsivelmente Irracional”: Para o mesmo produto à venda online, qual a opção que mais pessoas escolhem? A) 10€ + o custo de entrega (2€)? B) 13€ já incluindo o custo de entrega?

Acharíamos que somos racionais ao ponto de querer poupar 1€, mas a verdade é que a maioria é “desincentivada” de concluir a compra quando o custo da entrega é um adicional, mas avança na compra mais facilmente quando esta está “oferecida” no preço, apesar deste ser mais alto (basta ver o sucesso do programa Amazon Prime, com entregas gratuitas).

Para quem leu “Thinking Fast and Slow”, do nobel Daniel Kahneman, ou “Antifrágil”, de Nassim Taleb, terá muitos mais exemplos.

O pensamento contraintuitivo desafia a lógica convencional e as expectativas comuns, levando em consideração soluções ou ideias que à primeira vista podem parecer ilógicas. Como o velho argumento de achar que ninguém irá comprar um Rolex por 8000€ quando pode comprar um Tudor por 3500€, sabendo que ambos foram criados por Hans Wilsdorf e fabricados numa boa parte com componentes idênticos. E, no entanto, todos sabemos que não é assim.

Juízo errado em decisões estratégicas

O publicitário (desculpem ser redutor) Rory Sutherland referiu que esta foi mesmo das dificuldades mais presentes com clientes, que muitas vezes não conseguiam usar o contraintuitivo, achando que o preço baixo faz sempre subir a procura, quando Rory tentava demonstrar que o efeito era por vezes o oposto, e a subida da procura teria vindo por um preço mais alto.

Outro exemplo é o da tomada literal das conclusões de estudos de mercado para se aplicarem as declarações de clientes às características do produto ou serviço, e aqui lembrando a velha máxima de Steve Jobs: “as pessoas só sabem o que precisam quando lhes mostramos”. Este é o famoso “Say-Do Gap”: o que as pessoas dizem fazer é muitas vezes tão diferente do que depois fazem efetivamente; basta ver algumas surpresas nas sondagens de voto em momentos eleitorais… Prever o comportamento humano (ainda) não é uma ciência exata.

A importância de desafiar a lógica económica pura

Esta visão simplista de que A = B, como se nos comportássemos de forma binária e igual entre todos é, sabemos bem, falaciosa. Havendo padrões, eles não se reduzem a um…

A Apple cobra preços premium desafiando a ideia de que o preço baixo é o único motivador de escolha. A Tesla vende software de mobilidade, e não automóveis. A Patagónia apoia o arranjo das roupas estragadas para que os seus clientes as possam usar mais tempo, e com isso os clientes compram mais na Patagónia.

A eficácia de estratégias contraintuitivas, apostando em decisões aparentemente irracionais, como cobrar mais por um produto, podem gerar mais valor (desde que haja perceção desse valor e valor efetivo para o cliente).

Então como aplicar abordagens contraintuitivas na gestão empresarial?

Um dos exemplos conhecidos é o conceito de “friction” nas operações.

Se em muitas empresas procuramos facilitar o processo de descoberta, encomenda, pagamento e recebimento, outras procuram aumentar o atrito intencionalmente, para dessa forma criar uma dificuldade e com isso a perceção de exclusividade ou a carga emocional que atribui mais valor. Lembram-se da série exclusiva de relógios Swatch & Omega, em que o número de exemplares era limitado e apenas podia ser comprado fisicamente nalgumas lojas num dia específico?

No oposto a isto temos o “Paradoxo da Escolha”.

Todos já sentimos isto ao abrir a Carta de um restaurante e folhear dezenas de pratos disponíveis, terminando num “O que é que me recomenda?”. Ou seja, limitar e simplificar a oferta pode ser contraintuitivo, mas provadamente melhor. Facilita a escolha e acelera o processo. Como explica Barry Schwartz, autor do livro “The Paradox of Choice”: “The more options you offer, the less likely people are to make a decision, and if they do, they are less satisfied with it.

Um convite à ação e aplicação do pensamento contraintuitivo

Chegados aqui, o necessário é colocar um post-it mental regular nos momentos de decisão. E nesse momento procurar debater internamente para desafiar suposições estabelecidas.

Pense nalgumas das decisões que teve de tomar nos últimos dias. Foram baseadas em dados e lógica convencionais, ou desafiaram as expectativas para explorar novas oportunidades?

Comece por aqui. E lembre a simbólica frase da campanha da Apple de 1997: “Think Different”.

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Ricardo Tomé

Ricardo Tomé

Ricardo Tomé é Diretor-Coordenador da Media Capital Digital, empresa do grupo que gere a estratégia e operação interativa para as várias marcas – TVI, TVI24, IOL, MaisFutebol, AutoPortal, etc. – com foco especial na área mobile (Rising Star, MasterChef, SecretStory) e Over-The-Top (TVI Player), bem como ativação de conteúdos multiscreen em todas as plataformas e realizando igualmente a ponte com o grupo PRISA nas várias parcerias: Google & YouTube, Facebook, Twitter, Endemol, Shine, entre outras. Foi, até 2013, coordenador da... Ler Mais..

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