Opinião

O consenso é a ausência de liderança

José Crespo de Carvalho, presidente do ISCTE Executive Education

Duas frases emblemáticas com que vou rechear, em pensamento, este meu escrito. A primeira de Martin Luther King, Jr., que afirma que “o líder autêntico, em vez de buscar o consenso, molda-o”. A segunda, de Margaret Thatcher e bastante mais assertiva, assenta na célebre frase “o consenso é a ausência de liderança”.

Não vou buscar nenhuma das muitas frases que existem e que vou apanhando nas redes sociais sobre liderança pelo consenso ou de como a liderança deve procurar consensos, nomeadamente para fazer o contraponto. Apenas vou buscar nova frase de Thatcher para enfatizar mais ainda o que digo: “o consenso é a negociação da liderança”. E a liderança não é negociável. Não deve ser.

E sim, dir-me-ão que não tenho razão, nem tão pouco King ou Thatcher. Que a liderança é a arte de criação de consensos. Direi que não. Que na busca de um consenso se perde toda a capacidade de liderança, toda a possibilidade de, objetivamente, trazer alguém para um projeto e o fazer acreditar nele. Que o consenso leva-nos a um meio da ponte onde todos sentem conforto porque houve cedências para todos. Mas ninguém sente, e esse é o mal, que o meio da ponte seja o destino ou um destino. Repito, o meio da ponte não é destino, nunca será. É um atordoamento, um adormecimento. E é apenas o meio da ponte. É o vazio. Nem se está na margem, numa margem, nem se está a salvo das mazelas da própria ponte.

Os líderes pró-consensuais preocupam-se mais com a sua imagem pública e com a forma como ficam na fotografia que com o rumo e os resultados dessa liderança. E com os entregáveis, os outputs, para os seus liderados.

O líder a sério, aquele que serve, procura no exercício da sua entrega aos outros, e como resultado, melhorias significativas e não circunstanciais para oferecer aos seus liderados. Porventura fá-los-á passar por dor. E sofrerá com isso mesmo. Saberá que o caminho de mudança é duro e é desértico. Que estará sozinho nesse caminho tantas vezes quantas as necessárias para um bem maior que, no final, irá aparecer.

A liderança não é um exercício senão de responsabilidade. Senão de rumo. Senão de manter o maior número possível de pessoas a acreditar e a trabalharem, lado a lado, para esses objetivos comuns e a visão que os forja.

Há três questões pelas quais o consenso não assenta num líder.

A primeira questão é que confunde a necessidade absoluta de ouvir os outros com consensualizar. Mas ouvir não é consensualizar. Ouvir é permitir-se até mudar algumas ideias, se for o caso, mas será antes de mais apurar e burilar arestas para um caminho usualmente difícil e cujos resultados se pretendem duradouros.

A segunda questão é a das cedências. Uma cedência aqui e ali não significa consenso. Significa que não se podem ter os resultados pela linha reta entre dois pontos. A linha estará sempre lá. Mas uma ou outra cedência fazem ganhar amplitude para o caminho, trazem mais pessoas para o mesmo e não significam fraqueza mas, antes, possibilidade de aceitação de opiniões que serão obviamente válidas e enquadráveis. Com uma fronteira. A fronteira em que se comprometem resultados e se entra em zona de meias tintas. Em zona em que se agrada a todos. Mas de onde todos saímos mais pobres.

A terceira questão é que o exercício de liderança, per si, pressupõe decisão. Muitas vezes dura. Muitas vezes contra o óbvio coro de pessoas do contra. E há sempre os que são apenas do contra porque nada construíram na vida que não opinião contrária. Obra, resultados, entregáveis, não é com essas pessoas. Apenas crítica fácil e destrutiva. Que não se lidere para esses mas, antes, contra esses. Pois esses apenas representam o pior dos interesses instalados e o pior do status quo.

E não, finalmente, liderar não é mandar (alguém pode confundir o que digo com um exercício redutor desse género; desengane-se, pois). Liderar é um exercício de entrega, como aqui já disse, à responsabilidade, à solidão e, também, porque não deixá-lo claro, ao íntimo receio de falhar. Porque liderar é, afinal de contas e também, um processo humano.

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José Crespo de Carvalho

José Crespo de Carvalho

Licenciado em Engenharia (Instituto Superior Técnico), MBA e PhD em Gestão (ISCTE-IUL), José Crespo de Carvalho tem formação em gestão, complementar, no INSEAD (França), no MIT (USA), na Stanford University (USA), na Cranfield University (UK), na RSM (HOL), na AIF (HOL) e no IE (SP). É professor catedrático do ISCTE-IUL, presidente da Comissão Executiva do ISCTE Executive Education e administrador da NEXPONOR. Foi diretor e administrador da formação de executivos da Nova SBE e professor catedrático da Nova SBE (Operations... Ler Mais..

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