Entrevista/ “Na Connecting Software não usamos capital de risco nem créditos”
“Queríamos tornar a integração mais fácil e mais rápida”. Foi com base nesta premissa que surgiu, em 2009, a Connecting Software, empresa criada por Thomas Berndorfer que está presente em várias geografias e que em Portugal começou na Startup Madeira. Em entrevista ao Link To Leaders, o CEO fala do último ano e das apostas para o futuro: a Indústria 4.0 e o Blockchain.
A Connecting Software, empresa com sede em Viena que produz software de sincronização e integração, abriu o seu escritório na Madeira há três anos. Hoje está presente também na Áustria, Eslováquia e Estados Unidos.
Crescer 30%, reforçar a equipa para chegar aos 50 colaboradores e “revolucionar a área do software empresarial com a tecnologia Blockchain e os projetos de Indústria 4.0” são os três objetivos da empresa criada pelo austríaco Thomas Berndorfer. A partir da Madeira, a Connecting Software já chegou a clientes em todo o mundo – governos, por exemplo, no Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido e empresas globais como a Disney, Henkel ou Thyssen Krupp .
Berndorfer, que se orgulha de não recorrer a investimento de capital de risco ou crédito, está otimista quanto ao futuro e revela alguns dos projetos que têm em mãos: “Vamos apostar este ano em criar produtos chave na mão na área de selos com tecnologia Blockchain. A segurança, nomeadamente a comunicação segura com software que está fora das redes internas, é outra área em que temos para breve uma encomenda a nível governamental”.
Como e quando surgiu a ideia de criar a Connecting Software?
A ideia da Connecting Software nasceu em 2009, juntamente com a ideia da nossa plataforma de integração de software, Connect Bridge. Na altura, já tínhamos uma empresa de serviços e pensámos em tornarmo-nos numa empresa de produtos. Planeámos o produto, a tal plataforma de integração, totalmente de raiz e com base nas exigências do mercado.
Eu diria que a maior parte dos produtos são desenvolvidos no âmbito de projetos. Mas não foi o nosso caso. Identificámos a área de integração de software como uma área em que seria interessante desenvolver um produto. Queríamos tornar a integração mais fácil e mais rápida. Após uma fase inicial em que concebemos o produto, começámos a desenvolver em 2010 e começámos a vender o produto em 2011.
Que oportunidades encontrou na Madeira?
A Madeira é um lugar perfeito para trabalhar e para viver. Em muitos sítios é necessário ir de férias e viajar para outros lugares para nos sentirmos bem. Aqui temos condições de trabalho perfeitas e condições de vida perfeitas. A maioria dos madeirenses preferiria trabalhar na ilha, mas muitos tiveram de deixar a Madeira para encontrar um emprego. Assim, quando a Connecting Software contrata localmente, cria-se uma boa ligação. Também procuramos especialistas internacionais para completar as competências de que necessitamos.
“Na Connecting Software não usamos capital de risco nem créditos. Financiamos tudo com capital próprio e no início tivemos também de conseguir a transformação de uma empresa de serviços numa empresa de produtos”.
Quais têm sido os grandes desafios que tem encontrado pelo caminho?
Há sempre grandes desafios, mas no início da empresa foi muito mais difícil. Na Connecting Software não usamos capital de risco nem créditos. Financiamos tudo com capital próprio e no início tivemos também de conseguir a transformação de uma empresa de serviços numa empresa de produtos. São atitudes diferentes, que necessitam de competências e posicionamentos diferentes. A isto ainda acresceu a tarefa de ter uma empresa em vários países. Foi preciso o cuidado de dar a todos a noção de que são importantes para o sucesso da empresa.
Outro grande desafio era encontrar a forma correta de vender a plataforma e as soluções chave na mão. Começámos por ter um processo de vendas clássico, mas com o tempo desenvolvemos uma nova forma de vender apenas através da Internet. Para isso, foi preciso adaptarmo-nos às exigências e termos uma resposta que transmitisse confiança e credibilidade. Acabámos por encontrar uma boa fórmula, que permite que todos possam testar por si o nosso software, que é bastante complexo. Tornámos o nosso software fácil de implementar, fácil de compreender e fácil de experimentar.
Lançou a empresa com capitais próprios. Quanto investiu até agora?
Sim, a Connecting Software é totalmente autofinanciada. O capital veio sempre dos sócios e das empresas do grupo. No total, foram cerca de 4 milhões de euros durante os primeiros oito anos. Ficámos satisfeitos por termos encontrado rapidamente os primeiros clientes e por termos crescido da forma sustentada como temos crescido.
De que forma a pandemia afetou o negócio da Connecting Software?
As primeiras semanas foram um choque. Fiquei muito preocupado com as consequências. Veio o confinamento e tivemos de passar do escritório para o trabalho remoto. Não gosto que a equipa esteja em trabalho remoto, pois perdemos o contacto uns com os outros. Vejo o trabalho como um esforço de equipa – ganhamos juntos e perdemos juntos. Mas acabou por correr bem. Perdemos um pouco de produtividade e, assim que foi possível, reabrimos o escritório.
Tivemos alguma variação a nível do negócio, talvez os elementos da equipa percam mais facilmente o foco na visão da empresa quando não estão no ambiente natural. Mas no fim de contas, sobrevivemos melhor do que o esperado. Do ponto de vista das receitas e do crescimento, 2020 foi um ano de sucesso. É triste que tantos outros ramos estejam com problemas… Mas para nós foi um bom ano de faturação e que trouxe pessoas novas, com valor para a equipa. Essas pessoas vieram porque viram que trabalhar não é suficiente para ser feliz.
Como correu 2020 para a empresa? E em termos de faturação?
Crescemos cerca de 20% no grupo e cerca de 30%, se considerarmos apenas a Connecting Software.
Qual tem sido a importância de organismos e entidades promotoras do empreendedorismo para o crescimento da empresa na Madeira?
Em 2020, mantivemos muito contacto com a Startup Madeira. Aliás, logo no início da empresa na Madeira, o nosso primeiro escritório foi na Startup Madeira e contámos com a sua ajuda. Sem a Startup Madeira, não teríamos ido tão longe com o nosso escritório em Portugal.
“Atualmente temos escritório em quatro locais e o da Madeira é o que está a crescer mais rapidamente. No entanto, dizer que um dos escritórios é o que mais pesa na faturação não seria justo”.
Quantos escritórios têm neste momento e qual o que mais pesa na faturação da empresa?
Atualmente temos escritório em quatro locais e o da Madeira é o que está a crescer mais rapidamente. No entanto, dizer que um dos escritórios é o que mais pesa na faturação não seria justo. Trabalhamos em equipa para além das fronteiras e todos fazemos parte do sucesso ou da falta dele. Como a equipa de vendas e marketing está principalmente na Madeira, pode-se dizer que a Madeira é que mais pesa nesta área, e na parte de desenvolvimento do software e da administração é também importante.
Quem são os clientes da Connecting Software?
Temos clientes em todo o mundo, de todo o tipo de setores e dimensões. Servimos empresas globais e também organismos governamentais em mais de sete países. Estamos muito satisfeitos por termos como clientes o governo canadiano e algumas das maiores empresas do mundo, bem como clientes bastante pequenos. Apenas para referir alguns exemplos: organismos governamentais no Canadá, EUA, Irlanda, Inglaterra, Holanda, Alemanha, Singapura, Austrália e Nova Zelândia, e no setor privado servimos a E.ON, ZF, Henkel, Infineon, Disney, Thyssen Krupp, Realogic e muitas outras. No total, mais de mil clientes em todo o mundo usam as nossas soluções.
Como é trabalhar a partir de uma ilha no meio do Atlântico e alcançar clientes em todo o mundo?
É simplesmente fantástico. Estamos motivados e felizes por estarmos aqui e por podermos fazer coisas maravilhosas depois do trabalho ou ao fim de semana. Uma coisa boa dos tempos atuais é que nem sempre é necessário estar fisicamente junto do cliente, é possível comunicar e fazer todo o negócio através da Internet. Estamos felizes por ter tantas culturas diferentes nos nossos monitores todos os dias e por conhecer as suas necessidades e a sua cultura empresarial.
Nas geografias onde estão presentes, quais as grandes diferenças ao nível do negócio e estratégia?
Essa é uma boa pergunta! Digo sempre que em países dominados pela língua inglesa as pessoas são muito educadas e evitam criticar. Mesmo que não estejam satisfeitos, não lhe darão um feedback negativo. Nos países da Europa Oriental, sabemos que temos clientes felizes quando não estão a queixar-se. Dificilmente lhe farão elogios, mesmo que estejam satisfeitos. Em Portugal noto que domina uma linguagem muito educada e formal, mas não muito específica ou concreta. Por isso, é preciso desenvolver uma sensibilidade para isto e ter abordagens diferentes.
Na comunicação, por vezes os aspetos emocionais são mais importantes do que os relacionados com os negócios. Assim, ao falar com clientes de países mais frios (Escandinávia, Alemanha, EUA) chega-se mais diretamente ao objetivo. Em países mais quentes, fala-se muito sobre outros tópicos primeiro. Encontrar o equilíbrio certo é uma aventura e torna tudo muito interessante!
Quais os produtos/serviços de aposta da empresa para este ano?
Este ano, a par de continuar a investir nos nossos produtos de sucesso, estamos a tentar conquistar duas áreas estratégicas: Indústria 4.0 e Blockchain. Temos uma solução única em termos de Indústria 4.0 que nos permite facilmente ligar máquinas e outros equipamentos industriais a software empresarial. Ainda de maior importância é a nossa abordagem em termos de Blockchain. Somos especialistas na área dos selos digitais com tecnologia Blockchain. Isto significa que podemos fazer um selo Blockchain sobre qualquer ficheiro digital e, portanto, torná-lo inviolável. Esta é uma tecnologia realmente disruptiva e vemo-nos muito à frente do mercado.
Para além disso, temos todas as sinergias de estarmos novamente na nossa área de integração de software e aqui podemos proteger com a tecnologia Blockchain os mais diversos tipos de ficheiros contra adulterações e fraudes. O potencial é extremamente elevado – pode ser uma tecnologia que muda tudo. Já temos patentes pendentes nesta área e até agora não vimos nenhuma outra empresa a oferecer soluções como esta.
“Queremos crescer novamente 30%, passar de um total de mais de 50 empregados, e conseguir mais alguns países grandes como clientes. E, claro, este é o ano para revolucionar a área do software empresarial com a tecnologia Blockchain e os projetos de Indústria 4.0”.
Como veem este projeto dentro de um ano?
Queremos crescer novamente 30%, passar de um total de mais de 50 empregados e conseguir mais alguns países grandes como clientes. E, claro, este é o ano para revolucionar a área do software empresarial com a tecnologia Blockchain e os projetos de Indústria 4.0.
Projetos que gostavam de lançar no futuro?
Vamos apostar este ano em criar produtos chave na mão na área de selos com tecnologia Blockchain. A segurança, nomeadamente a comunicação segura com software que está fora das redes internas, é outra área em que temos para breve uma encomenda a nível governamental. Mas para já não posso ainda revelar muito, dada a natureza confidencial deste tipo de negócio.
É a primeira vez que se lançou num negócio próprio? É fácil ser-se empreendedor em Portugal?
Sou empresário há 24 anos e em mais de quatro países. Não é fácil lançar um negócio – e isso é verdade em qualquer lugar. Temos alguns benefícios relevantes na Madeira, mas temos também algumas desvantagens significativas. Por um lado, a Madeira será cada vez mais atrativa como hotspot digital, por outro lado, existem departamentos do setor público que vivem ainda no último milénio. Veja o caso das alfândegas.
A mim parece-me que chegam a infringir a lei da UE para obterem um pequeno benefício. Isso acaba por fazer com que os empresários e os investidores deixem de vir investir o seu dinheiro em Portugal. Mas as pessoas na Madeira e em Portugal são muito simpáticas e eu encontrei aqui bons amigos. Não me arrependi de ter vindo para a Madeira.
Respostas rápidas:
O maior risco: O socialismo e a guerra.
O maior erro: Investir em mercados complicados.
A maior lição: O negócio não é tudo.
A maior conquista: Ser, ao mesmo tempo, um empresário de sucesso, um bom pai e um amigo leal para muitas pessoas a nível empresarial e pessoal, sendo abençoado por poder trabalhar e viver na Madeira .