Entrevista/ “O mundo está a viver uma nova revolução industrial”

Os criadores do projecto brasileiro de educação Child Behavior Institute falam da sua experiência como empreendedores no livro “Projeto Startup: da ideia ao primeiro milhão”. Com o Link to Leaders partilharam como é ser empreendedor no Brasil.
Gustavo Teixeira é um médico brasileiro influente na área de psicoeducação e saúde mental infantil, além de ser autor de alguns best-sellers. João Magalhães é engenheiro de formação e fundou sua primeira empresa aos 19 anos. São ambos os cofundadores do Child Behavior Institute, um ambicioso projeto de educação que em dois anos já formou mais de 15 mil pessoas. Agora, lançaram um livro, o “Projeto Startup”, no qual partilham suas experiências com empreendedorismo, usando como exemplo a trajetória do CBI of Miami, o projeto que tem como objetivo disseminar um conteúdo de referência sobre saúde e educação, sobretudo de crianças com deficiência, para pais, profissionais da saúde mental e educadores.
O CBI of Miami foi lançado em março de 2016. Quais foram os maiores desafios que tiveram que enfrentar nesses quase dois anos?
Gustavo Teixeira: O nosso grande desafio sempre foi levar informação de qualidade para o maior número possível de educadores, profissionais da saúde mental e familiares, a um preço acessível. Como todos sabem, os custos de manutenção de empresas no Brasil são muito altos, e combinados com os pagamentos dos professores e os custos administrativos e da plataforma virtual, geravam cursos muito caros, como os que vemos no mercado. Com isso, procurámos durante um ano parcerias e patrocínio, até que conseguimos lançar o CBI Solidário, um projeto social patrocinado que chegou a oferecer cursos com o valor de menos de R$ 1,00 por dia. Esse, sem dúvida, é um dos principais projetos existentes no setor de educação no Brasil, e foi o nosso maior desafio até hoje. Permitiu a capacitação de mais de 15 mil profissionais.
No cenário de crise pelo qual o Brasil está a passar, que conselhos daria às pessoas que gostariam de empreender? As informações do livro também podem ser aplicadas por microempreendedores?
João Magalhães: Parece um grande cliché, mas depois de empreender nós percebemos que faz todo sentido: faça aquilo em que acredita e gosta. A crise pode atrapalhar muitos que tentam empreender no Brasil, mas para quem é obstinado a querer levantar um projeto em que acredita e sonha, nada pode impedi-lo. Quando muitos nos criticaram por começar um negócio no meio a uma situação difícil no país, nós respondíamos: nós queremos mudar o Brasil através da educação e nada pode nos impedir. As informações do livro são muito úteis para microempreendedores que querem fazer crescer o seu negócio.
Um dos temas destacados no livro é a importância de se vender uma experiência, muito mais do que um produto. Neste sentido, qual é o diferencial do CBI of Miami?
Gustavo Teixeira: Muitas empresas vendem os mesmos cursos que o CBI of Miami, incluindo grandes universidades no Brasil e no exterior. Porém, grande parte delas vendem apenas o produto, enquanto o CBI vende um sonho. Um sonho de ver crianças escolarizadas, emocional e socialmente competentes, um sonho de ver crianças munidas de conceitos éticos e morais fortalecidos pelos ensinamentos dos seus educadores e familiares. Uma sociedade inclusiva que respeite as crianças com necessidades especiais, que possam brincar com todas as outras da sala de aula e que participem em festas de aniversário sem que sejam vistas com preconceito e reprovação. Através desses sonhos, nós reunimos os principais profissionais de cada assunto no mundo, de países como Brasil, Estados Unidos e Portugal. Quando todos têm o mesmo sonho em comum, podemos gerar muito mais que uma aula, mas uma experiência. Conversas ao vivo em todos os cursos com esses profissionais para orientar os alunos, canais de comunicação bastante ativos para tirarem suas dúvidas. Por exemplo, oferecemos aos nossos alunos a oportunidade de interação com o coordenador de um dos principais laboratórios de pesquisa em autismo da Califórnia, o brasileiro Alysson Muotri. Essa experiência somente o CBI fornece.
Um negócio bem-sucedido, mais do que conquistar lucro é capaz de transformar a vida de muitas pessoas. Como é que o CBI tem impactado a trajetória das famílias e educadores?
G.T. : O assunto “crianças especiais” infelizmente é um grande tabu até hoje. Esse tabu faz com que muitas pessoas tenham medo de tocar no assunto e isso acaba gerando uma grande onda de preconceito e intolerância. Ao levar informações sobre esse assunto a pais, profissionais de saúde mental e educadores, ao mesmo tempo estamos a levar inclusão, respeito e tolerância para as escolas e os lares de milhões de brasileiros.
Um dos nossos lemas no CBI é: “Acreditamos no poder transformador da educação” e ficamos muito felizes e orgulhosos com as mensagens que recebemos diariamente de educadores e profissionais. São mensagens com um retorno muito positivo e com muita esperança. Muitos educadores, assim como nós, acreditam no poder transformador da educação, mas vêem-se “engessados” num sistema educacional sem apoio e sem estrutura. Queremos auxiliar o educador na aquisição de conhecimento e ser o agente transformador e motivador para um país melhor.
Um dos temas realçado no livro é a relevância dos medias digitais para o sucesso dos negócios. Como é que isso aconteceu no CBI?
J.M.:Os medias digitais estão no DNA do CBI of Miami. Desde sua conceção como start-up estava claro que o mundo está a viver uma nova revolução industrial. A tecnologia faz parte das nossas vidas e a maneira das pessoas se comunicarem e de consumirem mudou completamente. Empresas que não se adaptam a essa nova ordem mundial estão a morrer e, sem dúvida nenhuma, o futuro da educação é online. A nossa proposta é alcançar e impactar positivamente, com muito conhecimento e informação, pessoas que vivem nos grandes centros urbanos, assim como nas comunidades mais distantes do interior do país. Universalizar o ensino é possível agora, basta que a pessoa tenha acesso a um computador ou telemóvel com internet. O empreendedor que fecha os olhos para a tecnologia vai quebrar a empresa e não estou a falar apenas do pequeno empresário. No livro contamos casos famosos de grandes empresas que desapareceram por terem parado no tempo, não inovaram. O mercado exige eficiência e oferecemos dicas valiosas no livro para quem deseja sobreviver e prosperar no mundo dos negócios.
Depois de pouco mais de um ano de atividade, o CBI já conta com 10 mil alunos. Como está esse número agora? Ainda há mercado a explorar no Brasil no que se refere às plataformas de ensino especializado?
G.T.: O maior problema da popularização do ensino online é saber o que é de qualidade e o que não é. Essa diferenciação é difícil quando temos muitas empresas ao mesmo tempo que se propõem a fazer a mesma coisa. No Brasil, as plataformas de ensino especializado estão a crescer muito, mas aos poucos o próprio mercado vai ditar as que ficarão vivas e as que morrerão.Sabemos que cerca de 90% das empresas morrem em menos de dois anos, e nesse caso esse número não será diferente. Por isso, a qualidade sempre foi o valor número um do CBI of Miami e isso é inegociável, em qualquer aspecto.
Quais as são as três características que permitem qualificar um negócio como um empreendimento de sucesso?
J.M.: Transformar pessoas. Todo empreendimento de sucesso deve transformar pessoas para melhor e, com isso, transformar o mundo. Depois ser financeiramente sustentável. Não gosto de utilizar a palavra “lucro” nesse caso, pois a empresa precisa simplesmente de ter um modelo que seja financeiramente sustentável no longo prazo para ter sucesso. ONGs e alguns projetos sociais, por exemplo, não visam o lucro, mas sustentam-se financeiramente. E ainda realizar o sonho dos empreendedores. Não se esqueça, que como empreendedor deve investir naquilo que acredita e sonha, ou o seu negócio tende a fracassar. Como já frisámos, um dos nossos principais lemas é: acreditamos no poder transformador da educação.