Entrevista/ “Os fatores de sucesso são encontrar a própria voz, regularidade e consistência”

Miguel Sabino, fundador da Thumb Media

Miguel Sabino é fundador da Thumb Media, uma rede multicanal que trabalha de perto com alguns dos maiores “youtubers” e influenciadores portugueses. Em conversa com o Link To Leaders, fala sobre o que é necessário para atingir o sucesso no YouTube, a forma como a sua rede se tem adaptado às constantes alterações da plataforma e faz uma antevisão dos Thumb Media Play Awards, uma cerimónia de celebração do setor criativo e digital português.

A Thumb Media é a única rede multicanal 100% portuguesa. O seu objetivo passa não só por apoiar o desenvolvimento dos projetos, como também por facilitar a interação entre os criadores de conteúdos que representa e as marcas que pretendem associar a sua estratégia a estas novas celebridades do mundo digital.

Alguns dos nomes mais sonantes deste universo vão estar presentes na Thumb Media Play Awards, uma cerimónia de celebração e condecoração dos “youtubers” e influenciadores digitais que mais se destacaram no último ano, e que se realiza já no próximo dia 24 de março, na Culturgest, em Lisboa.

Como é que surgiu a ideia para criar a Thumb Media?
O modelo de negócio da Thumb Media não foi inventado por nós. Basicamente é um modelo que derivou da necessidade de uma plataforma gigante como o YouTube tinha de ter maior proximidade com os criadores de conteúdo. Havia um espaço enorme – entre estas pessoas e a plataforma – que era preciso preencher. O YouTube criou então uma figura, que começou por ser uma rede multicanal, que tinha ao seu dispor funcionalidades específicas para resolver problemas com a plataforma, para compreender melhor os seus analytics e para melhorar a sua posição e estratégia de conteúdo.

Isto foi o modelo base que começou nos Estados Unidos com algumas empresas e que depois se foi espalhando um pouco por todo o mundo à medida que o YouTube também se ia desenvolvendo nos vários territórios. Já trabalhava com o website na empresa em que estava antes – numa produtora -, [o que significa que] já tenho indireta e diretamente mais de 12 anos de experiência com a plataforma.
Em 2014, o YouTube fez-nos uma proposta para termos esse contrato de agregação de canais. [Atualmente,] o objetivo passa não só por crescer e consolidar a Thumb Media enquanto projeto, como também para fazê-lo em todo o ecossistema de conteúdos digitais. Por esta razão, no ano passado, fizemos a primeira edição dos Thumb Media Play Awards e este ano estamos a fazer a segunda. É uma cerimónia de celebração destes “youtubers”, “instagramers”, de toda a gente que se move no digital e que, de alguma forma, estava um pouco esquecida em termos do reconhecimento público do seu trabalho.

Esta celebração é só para os criadores de conteúdo que fazem parte da vossa rede ou é mais abrangente?
A nossa preocupação é com o ecossistema completo. No ano passado, como nos focamos nos analytics, que é uma componente muito importante para nós e à qual só temos acesso total nos canais que estão na nossa rede, e como também não sabíamos muito bem se ia funcionar ou não, restringimo-nos à nossa rede de associados. Este ano, depois de nos termos apercebido que era algo necessário, importante e que fazia falta ao ecossistema, decidimos continuar o seu desenvolvimento e agora contemplamos todos os canais que reunirem as condições de participação, que são ditadas pelo YouTube [e que incluem, pelo menos, 4 mil horas de visualização dos vídeos do canal e mil subscritores].

“Ao fim ao cabo, estamos a olhar para o YouTube como uma forma de criar conteúdos para uma audiência que é cada vez mais relevante e transversal a toda a sociedade.”

No ano passado, os grandes cabeças de cartaz foram os Gato Fedorento com o anúncio do lançamento do seu próprio canal de YouTube. Que surpresas é que os participantes podem esperar este ano?
O maior fator adicional este ano é o facto de termos pessoas que têm décadas de experiência nos média tradicionais e que estão a começar a sua aventura no digital, como A Cave do Markl, do Nuno Markl, ou o Maluco Beleza, do Rui Unas. E também pessoas – principalmente na área do humor – que se têm vindo a afirmar, como são os casos da Bumba na Fofinha, do Diogo Batáguas, do Pedro Teixeira da Mota e do Luís Franco-Bastos. São projetos que não têm os milhões de visualizações que tem um Wuant, um DarkFrame ou um SirKazzio (grandes nomes do YouTube português), mas que chegam a uma audiência muito mais avançada em termos de idade e que também aportam muito valor à plataforma e àquilo que se faz de conteúdos digitais em Portugal. A preocupação é não só os “youtubers” nativos da plataforma, mas também os que vêm de fora e que encontram o seu espaço, bem como projetos completamente diferenciadores daquilo que se vinha a fazer até agora, como é o facto de termos este ano uma categoria nova, a “Série de Ficção”, onde já existem alguns projetos que foram pensados, desenvolvidos e produzidos exclusivamente para o digital.

Eu diria que não temos uma grande novidade como foi o lançamento do canal dos Gato Fedorento, mas temos uma abrangência que, para nós, é muito reconfortante do ponto de vista de reconhecimento. Gosto de sentir que aquilo que fazemos diariamente na Thumb Media tem o reconhecimento do ecossistema de criadores nativos da plataforma, dos média e da imprensa. Ao fim ao cabo, estamos a olhar para o YouTube como uma forma de criar conteúdos para uma audiência que é cada vez mais relevante e transversal a toda a sociedade. Isto não é uma coisa de miúdos, para mim, o YouTube, é a minha principal fonte de entretenimento. Não só porque trabalho com a plataforma, mas porque muitos dos conteúdos que consumo como interesse próprio também estão lá. É engraçado porque eu falo com muitas pessoas, de muitas origens e faixas demográficas diferentes e quando sabem que eu trabalho na área dizem-me: “No YouTube eu gosto de ver aviões a levantar” e há canais que se dedicam exclusivamente a isto. E é esta riqueza e diversidade de conteúdo que, no meu ponto de vista, tem feito a gigante que é a plataforma.

Na sua opinião, o que aporta mais valor à plataforma: este tipo de conteúdo de nichos – como esta pessoa que cria conteúdo só de aviões a descolar – ou as grandes marcas e os grandes cantores?
Acho que o que aporta mais valor é haver espaço para tudo. Ou seja, tem espaço para um Justin Bieber, um Drake ou uma Rihanna terem um canal com dezenas de milhões de subscritores e milhares de milhões de visualizações, como tem espaço para um canal de uma pessoa que faz arte com garrafas de plástico. O que é interessante e o que sempre me fascinou no YouTube é haver espaço para tudo isso. Tanto temos uma CNN que está cada vez mais a colocar o seu conteúdo disponível no YouTube, como também temos uma The Young Turks – que é uma news media digital que nasceu no YouTube. Ou seja, devido ao alcance da plataforma, os nichos tornam-se um bocado mainstream.

“O impacto que teve para nós e para todos os criadores de conteúdo foi de facto uma redução muito significativa de receitas.”

O YouTube sofreu grandes alterações do ano passado para este. O que mudou no dia a dia da vossa atividade?
Não senti grandes alterações no dia a dia da atividade. A não ser o facto de passarmos mais tempo a responder a perguntas [das pessoas que fazem parte da nossa rede] sobre as alterações, como o facto dos vídeos terem começado a ser desmonetizados, a serem restringidos para certas idades, o que se calhar há um ano não acontecia. Mas isso teve a ver com um problema com o qual a própria plataforma foi confrontada e que está também relacionado com o seu amadurecimento e dimensão. De um momento para o outro, houve marcas que se aperceberam que havia o risco dos seus anúncios estarem a passar frente a vídeos de conteúdo questionável e que promoviam ideias xenófobas ou segregacionistas. Portanto, a minha leitura é que apesar do YouTube ter alguns mecanismos em aplicação que tinham como objetivo prevenir isso, esse cuidado talvez não tenha acompanhado o crescimento da plataforma. De um dia para o outro, os principais anunciantes globais dizem “o que é que se está aqui a passar? Não quero mais anúncios até perceber o que se está a passar”.

O impacto que teve para nós e para todos os criadores de conteúdo foi de facto uma redução – para alguns segmentos de conteúdo – muito significativa de receitas. Como na Thumb Media não estamos muito verticalizados, ou seja, não dependemos muito só de um vertical, como gaming, moda e beleza ou tecnologia, essa crise foi mais amenizada.

Entretanto, o YouTube teve de se chegar à frente e corrigir as falhas. Algumas das medidas passaram por elevar a fasquia para a abertura de uma parceria entre o YouTube e os criadores de conteúdo, ou seja, a possibilidade de monetizar o conteúdo descarregado para a plataforma, e de tornar esse processo manual e humanizado e não apenas automatizado. Este tipo de medidas trouxe de novo a normalidade ao ecossistema. Com isto também foram surgindo outros problemas e que resultam da própria plataforma e da constante necessidade de estar em cima de tudo o que está a acontecer e não descansar só nos processos automatizados. Acho que o YouTube e a própria Google têm-se apercebido disso e têm dado passos significativos nessa linha precisamente para garantir que a plataforma seja saudável tanto para os criadores de conteúdo, como para as audiências e anunciantes.

“A União Europeia e a Comissão Europeia deviam-se preocupar com a questão da responsabilização da proliferação de conteúdos que são desinformativos, como as fake news e as teorias da conspiração.”

Em relação ao artigo 13, que prevê o impedimento da publicação de conteúdos protegidos com direitos de autor, o que é que a vossa rede sentiu?
Incerteza. Porque o processo ainda não está finalizado, embora já haja um texto finalizado e um debate marcado para o final do mês. Para nós, o texto que estava a ser discutido abria um risco muito grande porque o YouTube tem de ser corresponsabilizado por aquilo que se passa na plataforma, não é apenas uma tecnologia. Eles têm de perceber que têm de ter um papel proativo. Vejam-se os casos como a proliferação das ideias da terra plana, por exemplo: muito por causa do YouTube, seja para gozar com aquele tipo de teorias ou para brincar com isso, acabam por ir à procura e o algoritmo começa a sugerir esse conteúdo a outras pessoas. Se começa a ser sugerido há mais visualizações e, de repente, há pessoas que começam a pesquisar mais sobre o assunto e a acreditar nestas teorias. A história das vacinas é outra…. Há uma série de teorias da conspiração que encontram [uma audiência] no YouTube. Apesar de não estar ligado a estas questões, o artigo 13 está a colocar outra questão que me parece muito mais importante: responsabilizar as plataformas por aquilo que os utilizadores fazem [nos seus domínios]. O que a Comissão Europeia diz é que este tipo de canais de difusão são responsabilizados por todo o conteúdo que albergam. E isso é um pouco mais complicado. No caso dos direitos de autor, há muitos conteúdos que são protegidos, mas que não estão devidamente referenciados na plataforma. E isso coloca o YouTube como potencial alvo de um processo civil porque disponibilizou uma música, por exemplo, que não tinha forma de saber que estava protegida por direitos de autor. O YouTube tem sido a plataforma que mais tem investido em desenvolvimento de tecnologia e que mais se tem esforçado para ir ao encontro das preocupações das labels, dos artistas e das sociedades coletoras de direitos.

Elas [as entidades detentoras dos direitos] entendem que não é suficiente. É legítimo que o façam, mas acho que é incorreto resolver isto por via da legislação e não pela via do mercado. Do meu ponto de vista, a União Europeia e a Comissão Europeia deviam-se preocupar com a questão da responsabilização da proliferação de conteúdos que são desinformativos, como as fake news e as teorias da conspiração. Aqui sim, o YouTube precisa de ser responsabilizado.

Da mesma forma que se dizia que a televisão ia matar a rádio, hoje diz-se que o YouTube pode vir a matar a televisão. Concorda?
Acho que a televisão não vai morrer, até porque há indicadores que dizem o contrário. O modelo linear de televisão não vai morrer, vai continuar a existir. Vejo que as coisas vão passar muito mais para programação pontual e de grandes eventos, ou seja, o formato vai continuar a viver dos grandes eventos desportivos, musicais e ao vivo. Os programas de grande entretenimento vão continuar a ser feitos – são é consumidos à posteriori ou na altura da estreia. O grande ecrã de sala e a experiência de televisão vão continuar a existir.

E a indústria?
Os grandes broadcasters vão ter de se adaptar. Se eu quiser um vídeo sobre arte de garrafas de plástico não o vou procurar na RTP, SIC ou TVI. Vou ao YouTube. É tudo uma questão de interesses e o que a televisão vai continuar a fazer é agradar as massas da melhor forma possível.

“O YouTube é uma máquina gigantesca de calcular e gosta de padrões. Se o algoritmo perceber que o padrão do criador de conteúdo é aquele, vai estar atento ao canal.”

Têm mais de 600 influenciadores na vossa rede. Existe algum padrão entre os mais bem-sucedidos?
Há vários fatores de sucesso no YouTube, mas convém dizer que podem ter todos os fatores de sucesso marcados numa caixinha de coisas a fazer e mesmo assim podem não atingir o patamar desejado. Um dos principais é que as pessoas têm de se encontrar a elas próprias. Pode haver uma inspiração para a forma como se constrói o conteúdo, mas é importante encontrar uma forma de se distinguir. Não podes ser apenas mais um…  Eu digo isto muitas vezes nos canais de moda, beleza e lifestyle: tutoriais de maquilhagem é giro, é um conteúdo que tem muito consumo no YouTube, tem muito tempo de visualização, mas se forem 150 canais a fazer “a minha makeup em cinco minutos antes de ir para a escola de manhã” só dois ou três é que vão ter audiência. Então, como é que eu vou fazer diferente para criar uma audiência. O principal fator é sempre encontrar a voz onde esteja confortável e que não é igual a dezenas de canais que já existam sobre o tema.

Outro dos fatores é a regularidade, ou seja, termos um plano de publicação de vídeos e a capacidade de o cumprir. O que acontece muitas vezes é que ao fim de uma semana as pessoas já estão a falhar. O YouTube é uma máquina gigantesca de calcular e gosta de padrões. Se o algoritmo perceber que o padrão do criador de conteúdo é aquele, vai estar atento ao canal. Tudo isto é um ciclo que se alimenta a si próprio. Se for um ciclo de crescimento, então vai crescendo e expandindo cada vez mais o alcance porque os sinais que está a receber da audiência são positivos e, portanto, sugere os vídeos a mais pessoas. Ou então acontece o inverso: a coisa começa a correr menos bem e o algoritmo de sugestão começa a deixar de lado o canal que está a falhar. A regularidade e a consistência é algo muito difícil de atingir.

Portanto, diria que os fatores de sucesso são o encontrar a própria voz – ser diferente e único -, a regularidade e a consistência.

“As pessoas não podem desresponsabilizar-se, dar um telemóvel ou um tablet para as mãos de uma criança e deixá-las lá duas ou três horas sem supervisão (…).”

O fenómeno do YouTube está a impactar principalmente as crianças mais novas. O que é que responde a um pai ou uma mãe que o encontra e diz “por favor ajude-me, o meu filho quer ser ‘youtuber'”?
As crianças tendem a seguir modelos e, normalmente, quando forem grandes querem ser aquilo que gostam de ver ou que, por influência dos pais, veem. Muitos meninos querem ser jogadores de futebol, bombeiros ou médicos. Hoje em dia, um dos maiores estereótipos que têm, não só pela influência dos pais, mas também pelos seus pares, é o facto de todos eles consumirem vídeos. Os meus filhos veem YouTube, mas não veem tudo e eu faço a moderação desse conteúdo. Há “youtubers” que eu digo ao meu filho de nove anos que não quero que ele veja porque acho que ainda não é conteúdo para ele ver. E obviamente não os deixo sozinhos a ver YouTube só porque sim – isso não se pode fazer, nunca. E não é apenas no YouTube, mas com tudo. As pessoas não podem desresponsabilizar-se, dar um telemóvel ou um tablet para as mãos de uma criança e deixá-las lá duas ou três horas sem supervisão e depois espantarem-se porque eles querem ser “youtubers”. A culpa não é, garantidamente, dos “youtubers”, mas sim dos pais.

Atualmente, qualquer miúdo quer ser “youtuber” porque estes são a sua inspiração. O que eu digo às pessoas é que é a mesma coisa que eles dizerem que querem ser médicos ou bombeiros…à medida que a vida for avançando eles vão perceber que não é isso [que querem realmente seguir]. Por outro lado, há aqueles que tentam fazê-lo e conseguem ter sucesso. O YouTube tem a premissa de que qualquer pessoa pode ter sucesso, mas nem todos conseguem chegar a ele.

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