CES: Como Las Vegas mudou a vida das start-ups francesas?

Os 223.000 m2 da CES, o equivalente a 40 campos de futebol, são, por vezes, o local de encontros que funcionam como potenciais aceleradores na vida das start-ups. Aqui fica uma seleção de memórias de empreendedores franceses que já viveram de perto a experiência em Las Vegas.
Os empreendedores estão prestes a deslocar-se em massa, a partir de amanhã, para a Consumer Electronic Show (CES), em Las Vegas. O prestigiado salão, que celebra este ano o seu 50º aniversário, tornou-se passagem obrigatória para as start-ups mais ambiciosas do planeta.
Para Luc Pierart, 2016 terminou “com honras e suor”, escreve o Les Echos. Três anos depois do lançamento da sua start-up especializada em objetos premium conectados (IoT), a PKParis, este empresário francês de 49 anos acaba de saber que vai receber o mais prestigiado prémio da CES: um “Best of Innovation Award”.
Dos 20.000 novos produtos apresentados todos os anos na CES, provenientes dos quatro cantos do mundo, apenas a um, em cada uma das 28 categorias de produtos abrangidos, é atribuído este cobiçado prémio. O jovem veterano, que soma 20 de carreira no setor, muitos das quais na Motorola e na Alcatel-Lucent, está muito orgulhoso deste reconhecimento: a CES impôs-se durante meio século como a feira de maior prestígio do mundo aos olhos dos geeks.
As estatísticas falam por si: organizado no início de janeiro, o Salão de Las Vegas atrai perto de 180.000 visitantes, dos quais cerca de 5000 chineses e 4500 coreanos (contra 1500 franceses) e 7500 jornalistas internacionais, ou seja, mais 1700 do que os Jogos Olímpicos!
Foi precisamente ontem, depois de um almoço na CES Unveiled – espécie de “palco” muito concorrido pela imprensa especializada – que Luc Pierart teve a sua hora de glória, num salão do Hotel Mandalay Bay. O CEO e os seus três colaboradores que fazem parte da delegação receberam o Grande Prémio da área da saúde e dois prémios secundários (as “Menções Honrosas”) noutras categorias.
Qual a inovação que valeu à PKParis ganhar este reconhecimento? Um objeto conectado potencialmente revolucionário no setor médico, sobre o qual a Apple e a Google se têm, nos últimos anos, batido com unhas e dentes.
Luc Pierart, que marca pela primeira vez presença na CES, não olhou a despesas para se poder destacar dos 4000 expositores, através de “um super-stand mesmo ao lado da Philips, no coração da área dedicada à IoT, no primeiro andar do hotel Sands, com grande visibilidade, muito espaço e até mesmo uma hospedeira para organizar o movimento dos visitantes”, cita o Les Echos. O empreendedor espera conseguir atrair a atenção dos distribuidores, investidores e de grandes marcas do todo o mundo, com os quais espera fazer parcerias. Mas, entre a reserva de espaço à Consumer Technology Association (o US lobby da tech, dona do Salão), o aluguer e a instalação do stand por um fornecedor exclusivo, Freeman, os custos do voo e do hotel, os encargos vão exceder rapidamente os 50 mil dólares (cerca de 48 mil euros). Um orçamento significativo, mesmo para quem, como a PKParis, levantou 1 milhão de euros em maio de 2016.
A maioria das 200 empresas francesas que começam o ano com esta viagem a Nevada contenta-se com um padrão muito inferior. No ano passado, 128 delas agruparam-se no Eureka Park, entre as quais 22 que foram selecionadas por concurso pela Business France, o organismo público de acompanhamento das empresas no exterior, para expor no pavilhão oficial da French Tech.
Embora os novatos costumem dizer que estão especialmente impressionados com a omnipresença dos asiáticos (principalmente chineses), a França continental pode orgulhar-se de ter a segunda delegação em número de start-ups representadas, logo atrás dos Estados Unidos.
Os cerca de 180.000 visitantes da CES já conheceram de perto alguns produtos que têm o carimbo francês: um despertador olfativo (SensorWake), um sommelier conectado (D-Vine), um “cérebro musical” que escolhe música de acordo com o ambiente (Prizm) ou ainda um carro elétrico modular e personalizável para montar na garagem, apresentado pela start-up de Essonne, France Craft…
Nove pequenos metros quadrados para convencer
Ao invés de expor numa feira automóvel, a XYT tem preferido mostrar os seus veículos Pixel em Las Vegas para explorar o eco ocupado pelos “concept cars” de marcas como Volkswagen, Ford ou Toyota. Durante 50 anos, a CES começou a cobrir muito mais do que a eletrónica de consumo. “Tornou-se no melhor espaço para identificar inovações de todos os tipos em todo o mundo”, sublinha Thibault Peulen, CEO da agência Cap & Cime PR que, há oito anos, acompanha na CES os jovens empresários selecionados pela Business France.
No caso da XYT, o desafio era não só imaginar uma mensagem simples para transmitir, mas também conseguir apresentar uma inovação bastante volumosa nos nove metros quadrados do Parque Eureka. “Eu e os meus três colegas trouxemos impressões 3D dos nossos modelos à escala de 1/8 na nossa bagagem de mão, para evitar o risco de os colocar no porão”, lembra o cofundador Simon Mencarelli.
O seu produto foi notado acima de todas as expetativas, provavelmente porque se destacava no meio de objetos tão insólitos como meias conectadas ou guarda-chuvas que enviam alertas sobre os próximos aguaceiros para o smartphone do utilizador. “Um ano depois, estamos ainda a gerir a massa de contactos feitos em Las Vegas!”, revela o CEO da XYT.
Os 223.000 m2 da CES (o equivalente a 40 campos de futebol), distribuídos em três grandes pólos, são, por vezes, o local dos mais loucos encontros, que são igualmente potenciais aceleradores na vida das jovens empresas. Veterano do CES – já participou uma dúzia de vezes através das suas duas empresas Violet e Sen.se –, Rafi Haladjian ainda se lembra do destaque que a CNN Worldwide dedicou, em 2006, ao seu coelho falador Nabaztag (o primeiro objeto para o grande público capaz de apresentar os títulos da atualidade, previsões meteorológicas ou condições do trânsito).
“O nosso site recebeu 24.000 encomendas nos dias seguintes, mas nós estávamos em fase de protótipo e não tínhamos nada para vender. Só os poderíamos entregar três meses depois… quando já ninguém queria os nossos produtos”, contou o pioneiro da Internet dos Objetos (IoT) que, aos 55 anos, vai receber o terceiro prémio CES da sua carreira, pelos pequenos sensores de baixo custo, os Sense Peanuts.
Para ele, é claro: “Nenhum outro evento no mundo pode trazer à luz, tão fortemente, os empresários desconhecidos. Quanto mais pequeno você for, mais se salienta entre as start-ups inovadoras do ‘canto dos pobres’, onde os jornalistas especializados vêm explorar para descobrir as pepitas do futuro”, diz.
Éric Carreel, fundador da WiThings – outra estrela francesa da IoT, recentemente vendida à Nokia – , também experimentou os seus quinze minutos de fama, quando apresentou o seu medidor da tensão arterial em 2011, num burburinho indescritível… ao lado de uma empresa que comercializa um sistema de impressão para unhas.
“O cofundador Cédric Hutchings e eu estávamos muito nervosos na véspera da abertura, no nosso hotel Super 8, e questionávamo-nos sobre o melhor momento para distribuir o comunicado de imprensa, de forma a nos diferenciarmos dos concorrentes, o truque para conseguirmos a aprovação da Apple. Todas essas dúvidas foram varridas em poucos minutos, quando uma delegação do líder da indústria, a Omron japonesa, apareceu no nosso stand com as televisões americanas atrás dele. Cédric improvisou uma entrevista enquanto eu empurrava os nossos concorrentes para a saída. Vi nos olhos deles toda a desolação do mundo: nós, pequenos players franceses, tínhamos direito a cobertura internacional!” Mas o CES representa também, para todo o empresário que seja um pouco emotivo e para os colegas de R&D, um momento de stress sem paralelo, “pois ali descobre o progresso dos concorrentes. Saímos de lá completamente vazios”, recorda Eric Carreel.
Um “batismo de fogo” que recompensa
Numa escala menor, Matthew Beucher, presidente da empresa Klaxoon, também deu muito que falar em janeiro de 2016. Quando participou pela primeira vez na CES, apresentou uma nova box que permitia animar as reuniões de forma divertida e eficaz, por meio de pesquisas, questionários e outras mensagens instantâneas.
“Ignorante em marketing”, tinha ouvido falar do Salão a um cliente da Schneider e tinha decidido à última hora concorrer ao Prémio. E em boa hora o fez: a decisão do júri de atribuir uma “Menção Honrosa” à Klaxoon “mudou a vida” da start-up. Após 700 apresentações, muitas vezes destinadas a um público qualificado (do diretor geral de um grande grupo chinês, ao chefe da divisão de produtos da Dell), o engenheiro de telecomunicações acreditou no potencial do B to C (business to consumer) da sua empresa e decidiu aliená-la parcialmente para esse efeito. Tudo para acautelar o seu relacionamento com os clientes-chave: 39 empresas do CAC40, incluindo 5 conhecidas no CES, são agora clientes da Klaxoon!
Mais confortável no pitch “em Inglês” e na arte de “contar uma história complicada em menos de cinco minutos”, depois deste “batismo de fogo”, Matthew Beucher realizou poucos meses depois o seu primeiro levantamento de fundos – 5 milhões de euros recolhidos em business angels franceses de renome (incluindo Xavier Niel) e, uma coisa rara, dois fundos de private equity norte-americanos. Hoje, o empresário espera voltar à CES e receber um novo prémio. Embora esta segunda participação lhe vá custar significativamente mais do que os 10 mil euros de 2016 – a participação foi então parcialmente subsidiada pela Business France.
Como veterano da tecnologia, Rafi Haladjian adverte, no entanto, que a presença perde rentabilidade ao longo dos anos, uma vez que as empresas se sentem obrigadas a embarcar em condições cada vez mais faustosas, para provar a sua boa saúde, face a concorrentes cada vez mais numerosos. “Depois de algumas participações, convém equacionar se gastar à volta de 150 mil euros para ficar em 83º entre as 100 inovações do ano ainda faz sentido, mesmo que isso satisfaça os investidores e lisonjeie o ego dos colaboradores”, salienta Rafi Haladjian, citado pelo Les Echos.