Entrevista/ “Gostaríamos de criar o primeiro Fundo de Investimento em Portugal dedicado à indústria do gaming”
Criar e desenvolver um cluster nacional de produção de videojogos, e dinamizar do setor das indústrias criativas nacionais são metas que o consórcio eGames Lab gostaria de alcançar, explica Miguel Campos, líder do eGames Lab, em entrevista ao Link to Leaders.
“Desde a criação do eGames Lab, a exposição do setor do gaming nacional tem crescido de forma exponencial. Os demais agentes económicos e políticos aperceberam-se do valor acrescentado que o setor pode trazer para o país”, começou por dizer Miguel Campos a propósito do projeto que lidera.
Com sede na Madeira, o consórcio eGames Lab nasceu há um ano, é composto por 22 entidades, de Portugal continental e Ilhas, e já criou 112 postos de trabalho diretos. Do investimento total de 29 milhões de euros previstos, investiu cerca de pouco mais de 10 milhões, aplicado na criação de laboratórios e unidades de investigação especializada no país e desenvolvimento de diversas atividades de investigação científica em áreas como o blockchain, inteligência artificial ou storytelling.
Como surgiu a ideia de criar o consórcio eGames Lab?
A ideia de criação do eGames Lab nasce com a abertura do maior aviso PRR destinado às empresas portuguesas – o das Agendas Mobilizadoras para a Inovação. O que fizemos foi identificar um mercado com elevado potencial exportador e dimensão que em Portugal ainda não tivesse a pujança e desenvolvimento que poderia ter. Por outro lado, a empresa líder – WOWSystems – e demais parceiros, tinham já experiência no setor do entretenimento e em projetos de I&DT internacionais de investigação e desenvolvimento tecnológico, pelo que entendeu-se como natural apostar numa candidatura e projeto que agregasse um setor ainda pequeno e fragmentado como o da indústria de produção de videojogos portuguesa.
“O principal objetivo passa pela criação e desenvolvimento de um cluster nacional de produção de videojogos (…)”.
E qual o objetivo?
O principal objetivo passa pela criação e desenvolvimento de um cluster nacional de produção de videojogos e pela dinamização do setor das indústrias criativas nacionais mediante a mobilização das várias empresas e agentes nacionais, das associações do setor, pela produção de novos e melhores produtos e serviços, mas, também, a captação e envolvimento de recursos humanos altamente qualificados (em áreas tradicionais e técnicas, tais como informática e design, mas também em formação destes recursos em áreas como marketing, gestão e legal – que estimulem e aumentem a chance de sucesso na chegada a este mercado competitivo), e pela internacionalização do setor, através da dinamização da atividade exportadora, do aumento da visibilidade externa de Portugal como um destino produtor de qualidade nesta área. O objetivo visa, também, criar melhores condições e oportunidades para o setor nacional conseguir formar e reter talento em Portugal.
Quantas empresas fazem parte do eGames e como as descreve?
O consórcio envolve 22 entidades, das quais 14 são empresas. Destas, a grande maioria são micro e pequenas empresas, o que reflete, por si só, a imagem do setor. São empresas que possuem já um perfil exportador, mas cujo grau de experiência em projetos do género (ie. com recurso a fundos europeus) é muito variável.
“(…) o consórcio lançará no mercado internacional não apenas videojogos (…) mas, também, ferramentas que facilitem o desenvolvimento de videojogos e até mesmo a distribuição”.
Todas estão ligadas ao mundo dos videojogos?
A maior parte das empresas atuavam já no setor dos videojogos ou no setor das indústrias criativas e entretenimento. Mas tratando-se de um setor que é bastante transversal, temos empresas que atuam, também, em áreas como o blockchain ou cibersegurança. Por isso, o projeto e o consórcio lançará no mercado internacional não apenas videojogos que incorporem avanços específicos, mas, também, ferramentas que facilitem o desenvolvimento de videojogos e até mesmo a distribuição.
Outro aspeto relevante é o facto de ser um setor que emprega talentos das mais diversas áreas. Obviamente temos as áreas típicas de engenharia informática e design mas, também, áreas como a psicologia, o teatro e a música, áreas que, às vezes, são até consideradas um “parente pobre” na economia e com poucas oportunidades.
Que balanço faz deste primeiro ano de atividade?
Apesar dos desafios que um projeto desta magnitude (relativa à dimensão dos vários parceiros, naturalmente) implica, o balanço é positivo. Temos envolvidos cerca de 200 postos de trabalho qualificado diretos, dos quais 120 são novos postos de trabalho. Existem talentos nacionais que trabalhavam noutras áreas que não as da sua formação ou que estavam a trabalhar fora do país e regressaram “a casa” por via do projeto e das oportunidades que este lhes proporciona.
Por outro lado, desde a criação do eGames Lab, a exposição do setor do gaming nacional tem crescido de forma exponencial. Os demais agentes económicos e políticos aperceberam-se do valor acrescentado que o setor pode trazer para o país. A nível internacional, as nossas presenças constantes nos principais palcos mundiais têm criado uma marca que começa a ser procurada e, o mais importante, o número de empresas portuguesas de desenvolvimento de videojogos tem crescido nestes últimos dois anos e o volume de negócios aumentado de forma significativa.
“Temos, também, explorado novas vias para atração de maior investimento internacional para a indústria portuguesa (…)”.
De que forma têm apoiado a indústria de videojogos em Portugal?
Desde início que a ideia do projeto e do consórcio era a de ser uma entidade orgânica, mutável e aberta a todo o setor. Obviamente em termos de projeto e de candidatura tivemos que criar um consórcio coeso e capaz, mas mesmo em tal fase e através de contactos com as associações nacionais do setor, convidamos todas as empresas que manifestassem interesse, em juntarem-se ao projeto.
Já ao longo da execução, tentamos envolver o setor o máximo possível. Pela primeira vez, Portugal tem sido representado enquanto país, como uma marca, nas principais feiras internacionais do setor. Para tal, associamo-nos à APVP (Associação de Produtores de Videojogos Portugueses) e oferecemos parte do nosso stand a outros estúdios nacionais (não pertencentes ao consórcio) para que pudessem estar presentes nessas feiras, disseminando os seus produtos, gerando valor acrescentado e maior visibilidade internacional. São pequenas ações que podem representar muito num futuro pois, de outra forma, tais estúdios dificilmente teriam essa oportunidade.
Temos, também, explorado novas vias para atração de maior investimento internacional para a indústria portuguesa e estabelecido parcerias com outras entidades europeias, permitindo, a título de exemplo, que Portugal possa, pela primeira vez, participar no European Co-Development Market que junta estúdios europeus com interesses em comum em desenvolverem títulos em colaboração, facilitando o acesso a outros investidores e editoras.
Quanto já investiram até ao momento e em que tipo de projetos?
Do investimento total de 29 milhões de euros previstos, o consórcio investiu cerca de pouco mais de 10 milhões. Este investimento tem sido aplicado, quer na criação de laboratórios e unidades de investigação especializada no país (desde o Funchal a Lisboa e Évora), como, também, no desenvolvimento de diversas atividades de investigação científica em áreas como o blockchain, inteligência artificial ou storytelling e que se traduzem, depois, na criação igualmente aplicado na componente da internacionalização e de criação de visibilidade internacional de Portugal, enquanto destino produtor de qualidade neste setor.
De que forma as parcerias/alianças que têm com a Universidade Carnegie-Mellon, a Amazon Web Services GameTech, a Sony PlayStation e o Alienware, da Dell tem contribuído para o vosso sucesso?
As parcerias previamente estabelecidas e as novas parcerias que temos vindo a estabelecer são sempre um bom indicador do interesse e potencial que este setor apresenta. No caso da Carnegie-Mellon (CMU), tem sido um motor importante na vertente científica e de formação e apoio aos bolseiros de investigação científica que o projeto emprega. Já a Amazon tem providenciado um apoio mais material na facilitação de créditos e acesso a formação específica em serviços que a mesma oferece e que são bastante utilizados em alguns tipos de videojogos. O que sentimos é que este tipo de parcerias também ajuda a criar um sentido de credibilidade e profissionalização do setor, facilitando a abertura de portas no mercado internacional.
“Mais de 10% da população portuguesa joga e as estimativas apontam que o consumo nacional de videojogos atinja os 258 milhões de euros este ano”.
Como caracteriza o mercado de videojogos em Portugal? Como vê a evolução desta indústria no nosso país?
O mercado nacional tem evoluído de forma bastante positiva. Se olharmos para o que os números revelam, verificamos que o volume de negócios gerado passou de uns meros 5.4 milhões de euros, em 2018, para mais de 30 milhões de euros, em 2022, e com um crescimento anual estável superior a 10%. O número de empresas nacionais no setor mais do que triplicou neste período e, consequentemente, o número de postos de trabalho e recursos humanos envolvidos.
Já o consumo de videojogos por parte dos portugueses tem acompanhado a tendência e evolução do setor. Existiu um crescimento significativo com o aumento do consumo durante o período da pandemia, mas este crescimento era já visível e mantém-se. Mais de 10% da população portuguesa joga e as estimativas apontam que o consumo nacional de videojogos atinja os 258 milhões de euros este ano.
Quais são as principais oportunidades de crescimento para os criadores de jogos no mercado global?
Existem diversas oportunidades que as empresas nacionais podem e estão a aproveitar. Sendo um mercado com elevado potencial e elevadas taxas de crescimento, é também um mercado internacional com uma concorrência fortíssima, pelo que todas as oportunidades de diversificação devem ser aproveitadas. Temos já casos nacionais de sucesso, como a Doppio que explora o poder da inteligência artificial aplicada ao áudio e comando por voz para providenciar novas experiências de jogo. Mas, também, com o advento da Web3 existem novos nichos em crescimento e a possibilidade de lançamento de novos marketplaces digitais próprios (e o consórcio tem membros que estão efetivamente a trabalhar nestas duas áreas).
Os novos canais e parcerias que temos estabelecido para fomentar o investimento internacional em Portugal e as sinergias com entidades como a APVP ou a AICEP, são, também, facilitadores para que as empresas portuguesas possam posicionar-se. Por outro lado, Portugal possui excelentes recursos humanos técnicos. Mas algo que nos distingue no mercado é, igualmente, o poder criativo e a rapidez de desenvolvimento.
Infelizmente, a inabilidade no processo de marketing e venda – algo que é transversal a diversos setores económicos do país – é um problema porque, muitas vezes, não conseguimos vender o nosso valor ou percecionar a melhor forma de venda internacional ou a jusante não conseguem perceber da melhor forma as mais-valias, qualidade e retorno de investimento que as empresas tentam transmitir.
Os níveis de financiamento e investimento que se pedem às vezes são muito baixos para a realidade necessária para reter um investidor ou por que tentamos apenas afirmar-nos pela componente do custo mais competitivo, quando o que não falta no setor mundial são mercados com custos de produção extremamente baratos. Mas também neste campo estamos a tentar modificar e a agregar estratégias em conjunto e atualmente muitos dos nossos gestores possuem já uma visão global e uma experiência internacional que, há algumas décadas atrás, era impossível ter pelos mais variados motivos.
Quais os marcos que mais contribuíram para a evolução desta indústria no nosso país?
É um pouco injusto salientar ou comparar marcos numa indústria que tem sido e deve ser construída através de pequenos mas sólidos passos. Podemos destacar algumas aquisições de estúdios nacionais por parte de marcas internacionais, como foi o caso da Funcom ao adquirir a ZPX, ou da Saber Interactive, no Porto, que adquiriu a Bigmoon, ou os investimentos da Miniclip em Portugal. Como, também, podemos destacar a abertura do gaming hub em Lisboa, do laboratório no Funchal e das salas imersivas em Évora, da fundação da APVP e da própria criação e desenvolvimento do eGames Lab e da participação portuguesa nas principais feiras. Mas é, essencialmente, uma evolução feita por pequenas vitórias, por muito esforço e por muito acreditar. Quando um jogo é selecionado para o GDC Pitch, quando um estúdio consegue um contrato de distribuição internacional, quando um pequeno estúdio consegue criar uma comunidade de milhares de seguidores internacionais, são pequenos marcos mas que contribuem, no seu conjunto, para uma grande evolução.
“(…) é preciso criar um regime fiscal e de investimento competitivo em Portugal”.
O que é preciso para que este setor atraia mais investimento estrangeiro?
Por um lado, é preciso continuar o desenvolvimento de produtos, videojogos e serviços com qualidade e valor, bem como, manter as ações de visibilidade internacional nos principais mercados e feiras, organizando novos eventos com potenciais investidores e com os maiores players internacionais da área.
Por outro, é preciso criar um regime fiscal e de investimento competitivo em Portugal. Por exemplo, o Canadá é um dos principais mercados que captam investimento internacional neste setor. Por quê? Por que oferece um regime tributário que devolve em crédito fiscal 40% dos custos com salários das empresas de desenvolvimento de videojogos. Assim, um grande estúdio ou investidor, quando analisa as melhores oportunidades de expansão nesta área, irá com certeza considerar seriamente o Canadá. Ademais porque, tal como Portugal, possui um bom sistema de educação e de recursos humanos qualificados.
Com qual país mais podemos aprender?
Este é um dos poucos setores em que a União Europeia lidera ou, pelo menos, encontra-se muito bem posicionada, pelo que podemos encontrar diversos exemplos positivos em mercados que nos são muito próximos. Temos países com o triplo da nossa dimensão, como a Polónia, mas que apresentavam um perfil semelhante ao nosso, ao nível de custo produção e qualificação de recursos humanos e que hoje em dia são dos principais players internacionais. Como temos também países como a Lituânia, com uma população de apenas 3 milhões de habitantes, mas que em 2022, quando Portugal atingia os 30 milhões de euros, a Lituânia ultrapassava já os 200 milhões.
Que balanço faz da vossa presença no Tokyo Games Show? O que trouxeram desta feira?
À semelhança das presenças nas principais feiras internacionais como a Gamescom (Alemanha) e a GDC (Estados Unidos), a Tokyo Game Show serviu como um primeiro passo para assegurar a visibilidade portuguesa no mercado asiático, o qual representa mais de 50% do mercado mundial. A presença foi bastante positiva e serviu para validar (para o bem e para mal claro) junto dos utilizadores finais, alguns dos conceitos e produtos que o consórcio está a desenvolver no âmbito do eGames Lab. Permitiu também que algumas das empresas fechassem já parcerias para chegada ao mercado em sede pós-projeto e estabeleceu as bases para uma presença mais robusta na edição de 2025, à qual acoplaremos uma presença na Expo 2025 em Osaka.
Quais os planos para o futuro do eGames Lab?
A principal preocupação é continuarmos a execução do projeto nos termos e estratégia definidas, não só cumprindo mas ultrapassando os objetivos a que nos propusemos. Estamos a trabalhar e gostaríamos de criar o primeiro Fundo de Investimento em Portugal dedicado à indústria do gaming, que permita derramar mais investimento no país e nos pequenos produtores nacionais.
Mas o principal legado será deixar um setor mais robusto, com um nível de exportações de volume negócios em constante crescimento, com novos canais internacionais estabelecidos e cuja visibilidade internacional consiga manter-se pós-projeto. Um setor com mais oportunidades e que permita diversificar e alavancar a economia portuguesa.








