Opinião
Foi você que pediu um hub aeroportuário em Portugal?
No contexto de globalização e integração económica, os hubs aeroportuários emergem como centros vitais para o comércio, turismo e negócios internacionais.
Lisboa encontra-se numa encruzilhada estratégica, precisando de expandir e solidificar a sua posição como um hub aeroportuário para competir efetivamente com Madrid, cuja comunidade conta com 6 milhões de habitantes. Madrid que caminha para se tornar o maior aeroporto da Europa, com o recente anúncio, por parte do governo espanhol, de um investimento de 2,4 mil milhões de euros para que o aeroporto de Barajas possa receber 90 milhões de passageiros.
Desde a era dos descobrimentos que Portugal foi sempre um ponto de confluência de culturas e comércio. No mundo moderno esta tradição continua assumindo o transporte aéreo o papel principal. Um hub aeroportuário bem estabelecido, seja em Alcochete ou em Santarém, pode ser um motor de crescimento económico, fomentando o desenvolvimento de negócios, turismo e empregos, e de uma futura cidade aeroportuária que lhe esteja associada e que possa ajudar a criar capacidade de residência e habitação.
No entanto, nas nossas redes, lê-se frequentemente um argumento derrotista e cínico, tão comum no nosso povo, do “já está tudo perdido”, ou nas palavras do Ricardo Monteiro, meu colega colunista aqui no Link to Leaders, “se tivéssemos construído Alcochete ou outro grande aeroporto há cinquenta, quarenta, trinta, vinte ou dez anos tínhamos tirado o ar a Madrid e ganhado um importante hub aeronáutico para Portugal. Portanto, a oportunidade [foi] perdida.”
Contudo, como veremos, não há razões para atirarmos a toalha ao chão – saibamos aproveitar um dos grandes ativos geostratégicos do nosso país: a operação do maior espaço aéreo da Europa ocidental, as FIR (Flight Information Region) de Lisboa e Santa Maria, nos Açores – algo que os americanos nos deram como responsabilidade durante a guerra fria, apesar da pressão de outros parceiros ocidentais para que fosse Espanha a ficar com essa gestão. Isto aliado a uma localização de charneira no roteamento Atlântico, e à proximidade de uma capital europeia que tem um potencial de crescimento não realizado para que a sua zona metropolitana possa passar dos atuais 3 milhões para 5 milhões, e que tem condições geográficas ímpares para tal, a começar por dois gigantescos estuários e infraestruturas portuárias, que permitem uma interface de modalidade navio-contentor com o avião de carga, o que obviamente não é possível em Madrid.
Todos os estudos, bem como a realidade do crescimento do tráfego na Portela, indicam precisamente que continuará a existir um crescimento do tráfego aéreo substancial nas próximas décadas, de acordo com a análise de 2022 realizada pela Confederação do Turismo de Portugal, que já considerando o impacto da diminuição de procura devido à crise global projetava um fluxo anual de 40 milhões de viajantes para o ano de 2035.
Paralelamente, as avaliações conduzidas pelo consórcio Magellan (aeroporto de Santarém) antecipavam um número de passageiros para a futura instalação aeroportuária de 40 milhões em 2032, expandindo-se para 71 milhões até o meio do século. Os números mais recentes referentes ao ano de 2023 apontam para um marco significativo no Aeroporto Humberto Delgado, com um registo de 33 milhões de passageiros, já superando as estatísticas anteriores ao período pandémico de 2019.
Apostar num hub aeroportuário em Portugal como alternativa ibérica a Barajas não é uma responsabilidade histórica, é um dever para com os portugueses que estão para vir, e para com os nossos aliados internacionais.
Um hub aeroportuário na zona de Lisboa ofereceria várias vantagens estratégicas: teria uma localização geográfica privilegiada como porta de entrada para a Europa, África e Américas. Um hub é também um elemento de soberania e é uma necessidade para que Portugal possa competir no cenário ibérico e global. Com investimento privado e público, visão estratégica e um compromisso com a inovação, Lisboa poderia não apenas competir com Madrid, mas também estabelecer um pólo alternativo para a aviação na península ibérica – da mesma forma como na península arábica, onde os aeroportos do Dubai e do Qatar são hubs concorrentes, viáveis, geradores de riqueza, e estão, sensivelmente à mesma distância linear de Lisboa e Madrid.
Considerações sobre Santarém vs. Alcochete.
Não gostaria de entrar na discussão da localização do NAL porque penso que o mais importante é reforçar a importância da sua construção como única forma de viabilizar a lógica de um hub aeroportuário em Portugal, pelas razões anteriormente avançadas. Ainda assim, arrisco-me a deixar algumas notas que não tenho visto serem devidamente consideradas sobre o aeroporto em Santarém face a Alcochete e que também devem ser consideradas na análise relativa à sua localização.
Empreendimento privado
Os promotores do projeto Magellan defendem que se trata de um empreendimento privado, e que os custos de construção do aeroporto serão suportados na quase totalidade pelo consórcio promotor, não onerando o Estado. Ainda que admita, realisticamente, que se deva considerar que para haver igualdade de circunstâncias com Alcochete, o Estado deveria projetar as acessibilidades ferroviárias, inclusive as de TGV, quando o traçado da linha vier a ser definido.
Construção a Norte do Tejo
Caso Alcochete avance, o país ficará, a prazo, sem nenhum aeroporto internacional entre as margens Norte do Tejo e Sul do Douro, que é a zona mais povoada do território nacional, e o Sul do Tejo passaria a contar com três aeroportos internacionais, Alcochete, Beja e Faro: até o relatório da comissão técnica independente considera que esta é uma desvantagem do ponto de vista da coesão territorial. Além disso, a construção a Sul do Tejo tem outra questão de natureza estratégica que tem a ver com o perigo da capital ser decapitada do aeroporto em caso de conflito militar ou ataque terrorista, seja por via da destruição de pontes sobre o tejo (uma situação a que já assistimos na Ucrânia), com ambos os beligerantes a destruirem infraestruturas críticas deste género.
Igualmente em caso de ataque militar, o atual modelo de defesa territorial nacional está assente na defesa do eixo Norte-Sul da península do Tejo, com a primeira linha defensiva entre a Nazaré e o Entroncamento, seguindo a estratégia de defesa em linhas concêntricas do Tejo ao mar implementada pelo General Wellington e que tão bem-sucedida foi durante as invasões napoleónicas, fazendo uso da orografia acidentada do território a Norte de Lisboa. Isto também significa que as infraestruturas a sul do Tejo são consideradas virtualmente indefensáveis e com elevada probabilidade de captura por um beligerante inimigo –situação semelhante ocorreu na batalha de Kiev em 2022, no início do conflito, com a tomada do aeroporto Antonov por forças paraquedistas russas. Infelizmente, este não é um exercício teórico quando se considera a construção de uma infraestrutura estratégica para mais de 100 anos: recordemos que a Ucrânia tem o seu espaço aéreo civil fechado há mais de dois anos.
Alternativa concorrencial à Vinci
O último ponto, e talvez o que tem um impacto mais direto na economia portuguesa, deve-se ao facto da Vinci (empresa francesa que controla a ANA) deter o monopólio das concessões aeroportuárias em Portugal durante 50 anos, i.e. até 2063, cujo investimento deverá estar amortizado ainda antes do final desta década: ou seja, terá mais de 30 anos de rendas monopolistas se o panorama não se alterar – já para não falar da Lusoponte, da qual a Vinci também é acionista, e que detém a concessão das duas travessias atuais sobre o rio Tejo!
É uma situação terceiro-mundista num país europeu – a inexistência de concorrência faz com que a Vinci não tenha grande motivação para construir um hub concorrente à Portela, nem sequer um novo aeroporto em Alcochete pelo custo de 8 mil milhões, numa localização mais distante do que o projeto do Montijo, que seria construído a preço de saldo em cima de uma infraestrutura já existente, e que ainda por cima tinha sido criada ao abrigo das obrigações portuguesas junto da NATO…
Ter um aeroporto novo, fora da área de concessão da ANA, permitiria injetar alguma concorrência no sistema aeroportuário português, e levar à existência de dois aeroportos a funcionar em paralelo: o da Portela, que continuaria a ser a cash-cow da Vinci até ao final do contrato de concessão, e concorrencialmente o aeroporto de Santarém, que cresceria em função do excedente de procura que não fosse comportável pela Portela.
Um hub aeroportuário robusto em Portugal na zona de Lisboa, seja em Santarém ou em Alcochete, é mais do que uma aspiração; é uma absoluta necessidade para que o nosso país possa competir no cenário ibérico e global. Lisboa poderá não apenas competir com Madrid, mas também estabelecer um novo padrão para a aviação no espaço europeu.