Entrevista/ “Estamos a trabalhar em soluções para a recuperação do setor numa fase pós- Covid”
“Nos últimos dois anos, o imobiliário tem batido recordes de investimento, sendo um dos ativos mais atrativos para captar investidores estrangeiros para o país. Não vai ser esta situação que irá apagar Portugal do radar dos investidores internacionais”, revelou o diretor-geral da JLL Portugal em entrevista, deixando um conselho a quem quer comprar casa: “não será o arrendamento uma melhor alternativa?”.
A pandemia afetou transversalmente a economia do país, mas alguns setores estão a ser mais afetados do que outros e o imobiliário é um deles. A par da hotelaria e da restauração, também as atividades de mediação imobiliária ‘vivem’ dos contactos presenciais para a concretização dos seus negócios. Ou pelo menos era essa a realidade até há mais de um mês.
Com o surto a exigir que as pessoas fiquem em casa, o setor viu-se forçado a um ajuste rápido para não perder o rumo, enquanto a atividade não regressa ao seu registo habitual.
É o caso da consultora JLL, que desde março adotou o teletrabalho e que mudou o seu modus operandi e a forma como interage com os clientes e colaboradores. Em entrevista ao Link to Leaders, Pedro Lancastre, diretor-geral JLL Portugal, revelou que acredita que “assim que a crise sanitária abrandar, o setor imobiliário terá um papel decisivo para alavancar outros setores da nossa economia”.
De que forma o setor imobiliário se está a adaptar a este novo contexto de pandemia do Covid-19?
A pandemia de Covid-19 vai levar o setor imobiliário a reinventar-se, tal como a tantos outros setores da nossa economia. Para já, as principais mudanças que sentimos dão-se, sobretudo, a dois níveis. Por um lado, mudámos o nosso modus operandi – a forma como “fazemos negócio” e interagimos com os clientes e colaboradores. O contacto passou a ser feito à distância, com recurso a ferramentas tecnológicas que nos permitem continuar a realizar visitas a imóveis (agora virtuais), a fechar vendas e a agendar reuniões, por exemplo.
Por outro lado, o novo contexto exige aos consultores imobiliários um papel ainda mais ativo e próximo junto de investidores, clientes, potenciais vendedores e compradores. Devido ao know-how que temos no setor e ao acompanhamento que fazemos à forma como outros mercados estão a reagir, estamos a trabalhar em perspetivas e soluções para a recuperação do setor numa fase pós- Covid. Temos equipas a monitorizar tendências, a pensar em serviços alternativos e a divulgar conhecimento que é muito valorizado neste momento.
“A tecnologia é o nosso presente, o recurso que nos tem permitido continuarmos tão ativos na JLL, num acompanhamento diário e permanente aos nossos clientes, mas também a avaliar, realizar visitas e até a vender imóveis. Aliás, já vendemos mais de 20 casas apenas com recurso às novas tecnologias!”
Qual a estratégia da JLL para desenvolver o negócio e manter o nível de serviço aos seus clientes durante este período de isolamento? As novas tecnologias podem ser uma saída para ultrapassar as dificuldades do momento?
Antes de olharmos para o negócio, a primeira prioridade da JLL foi a saúde dos seus colaboradores. É por isso que, mesmo antes de ser decretado o estado de emergência, dissemos às nossas pessoas que passassem a trabalhar a partir de casa. No caso da JLL, como desde 2019 que beneficiávamos de um dia por semana de remote work, esta adaptação viu-se mais fácil, uma vez que os nossos colaboradores estavam já familiarizados com tecnologias colaborativas de trabalho, como o Microsoft Teams, e habituados a gerirem as suas tarefas à distância do escritório, dispondo de todos recursos.
O papel da tecnologia tem sido determinante para enfrentar as adversidades geradas pelo vírus, reinventar parte do negócio e garantir que prestamos o mesmo nível de serviço com os clientes A tecnologia é o nosso presente, o recurso que nos tem permitido continuarmos tão ativos na JLL, num acompanhamento diário e permanente aos nossos clientes, mas também a avaliar, realizar visitas e até a vender imóveis. Aliás, já vendemos mais de 20 casas apenas com recurso às novas tecnologias!
Mas o uso destas ferramentas não é uma novidade na JLL, pois já antes tirávamos muito partido das visitas virtuais, dos renders 3D, das plantas humanizadas, dos vídeos e imagens 360º, do big data, entre outros, pois muitos dos nossos clientes e investidores são internacionais, logo já precisávamos de ter implementados estas tecnologias para fechar negócios e a apresentar serviços à distância.
“(…) o do retalho, em especial o comércio de bens não essenciais, é um dos mais afetados pela pandemia. Na JLL temos registado um abrandamento e adiamento de algumas operações de investimento que estavam previstas para estabelecimentos comerciais”.
O imobiliário no setor dos escritórios e espaços comerciais é uma das vossas grandes áreas de atuação. Estão a registar quebras neste setor?
Olhando para os vários segmentos do imobiliário, o do retalho, em especial o comércio de bens não essenciais, é um dos mais afetados pela pandemia. Na JLL temos registado um abrandamento e adiamento de algumas operações de investimento que estavam previstas para estabelecimentos comerciais. O isolamento social e as medidas de contenção necessárias para combater o vírus levaram ao encerramento de muitos espaços – lojas, restaurantes e centros comerciais – por isso é natural que algumas decisões de investimento tenham ficado em standby até o país voltar à normalidade.
Relativamente ao mercado de escritórios, registou-se uma desaceleração da atividade durante o mês de março em Lisboa, por exemplo, mas no Porto assistimos a um crescimento bastante expressivo, com este mercado em clara expansão. No entanto, só conseguiremos medir com mais precisão o impacto da pandemia quando terminado o mês de abril, porque até aqui temos desempenhos muito distintos, de operações realizadas pré e pós-Covid.
Quantos e quais os tipos de imóveis que mais têm vendido nesta fase?
Na verdade, continuamos a fechar algumas operações em todas os setores do imobiliário. Com menor cadência, é claro, devido ao contexto em que estamos.
Quais os desafios que a pandemia provocada pelo novo coronavírus apresenta para o mercado imobiliário?
A meu ver, esta pandemia irá acelerar algumas tendências e está a obrigar as empresas a reinventarem-se. A digitalização é o presente e será também o futuro, também no imobiliário, no sentido em que capacita o setor de ferramentas que nos permitem agilizar o trabalho, tornando-o mais eficiente e flexível. Mas as novas tecnologias nunca substituirão o papel dos consultores imobiliários, pois a nossa atividade continua a ser muito humana. O desafio que temos pela frente será o de adaptar a natureza da nossa atividade – que prima pelo relacionamento e pela proximidade aos nossos clientes – à realidade do distanciamento social que será o “novo normal” até a situação sanitária estar totalmente resolvida.
Um estudo da MGVM a nível europeu, e que inclui Portugal, diz que “as empresas vão repensar as suas políticas de teletrabalho a partir de casa e alargá-las, com uma redução esperada na procura de escritórios” e que “com a queda da procura por espaços maiores no mercado de escritórios, haverá espaços vazios e as rendas vão baixar”. Quer comentar?
Sem dúvida. Na JLL acreditamos que o segmento de escritórios será um dos mais impactados. O teletrabalho que era uma tendência, veio para ficar para muitas empresas. Se antes havia muitas empresas reticentes sobre esta modalidade, a necessidade de confinamento permitiu mostrar que os colaboradores também conseguem ser produtivos a partir de casa. Até porque os próprios colaboradores confirmam que esta nova forma de trabalhar pode ser uma mais valia para a sua produtividade: 71% considera que o teletrabalho pode contribuir para uma melhoria no seu desempenho profissional, conforme revela um estudo elaborado pela JLL Portugal durante a pandemia.
Contudo, isto não significa escritórios vazios, uma redução da procura ou uma quebra significativa no valor das rendas. O que esperamos que mude, isso sim, é a forma como as empresas pensarão o design e a organização dos seus espaços de trabalho – haverá aquelas que até podem diminuir a área do seu escritório destinada às secretárias, mas investir, por outro lado, em espaços mais flexíveis. Com salas desenhadas de raiz para o trabalho colaborativo, novos espaços de lazer para os trabalhadores, e zonas onde também possível desempenhar as tarefas normais.
O que começou por ser uma solução de recurso para o momento atual pode tornar-se numa nova tendência no que toca ao comportamento dos consumidores?
Sem dúvida. O cliente é cada vez mais digital e isso não é uma exceção no setor imobiliário. No atual contexto, as ferramentas tecnológicas têm permitido à JLL criar oportunidades num momento de crise, mas estamos convencidos que a sua implementação será também um teste-piloto para o futuro. Num mundo cada vez mais globalizado, com clientes de toda a parte do mundo, esta poderá ser uma solução a utilizar com maior frequência em alguns momentos da negociação, pois permitirá poupar tempo aos nossos clientes e investidores, além de otimizar o trabalho das nossas equipas.
“Nos últimos dois anos, o imobiliário tem batido recordes de investimento, sendo um dos ativos mais atrativos para captar investidores estrangeiros para o país”.
Como avalia a importância do setor para a recuperação da economia no pós-Covid?
Assim que a crise sanitária abrandar, o setor imobiliário terá um papel decisivo para alavancar outros setores da nossa economia. Nos últimos dois anos, o imobiliário tem batido recordes de investimento, sendo um dos ativos mais atrativos para captar investidores estrangeiros para o país. Não vai ser esta situação que irá apagar Portugal do radar dos investidores internacionais.
Ainda que não se saiba exatamente com que dimensão esta pandemia atingirá o país, certo é que o vírus não nos levou o clima, o nosso sistema de educação, a nossa hospitalidade, a luz de Lisboa e a beleza do Porto. Fatores estes que continuarão a contribuir para promover o turismo e o imobiliário em Portugal. Assim o é que, uma vez mais, a Forbes nos aponta como um dos melhores locais para viver quando terminar o confinamento da COVID-19.
Mas para isto acontecer, é necessário o Governo continue a incentivar o investimento estrangeiro em Portugal porque este será um grande impulsionador da nossa recuperação económica.
A maioria dos imóveis vendidos a estrangeiros situa-se essencialmente em Lisboa, Porto e Algarve, enquanto, no resto do país, as vendas são menores. De que forma é possível mudar este paradigma para um investimento estrangeiro mais homogéneo?
Investir no estrangeiro significa, muitas vezes, investir à distância. Se o ato de investir já é por si um ato de risco, a distância faz com que o risco aumente já que o “desconhecimento” é maior. Nesse sentido, é natural que quem investe no estrangeiro tenha mais tendência para o fazer nos locais que conhece melhor e onde o fator “desconhecido” é menor.
“(…) quem investe, e sobretudo quem investe noutro país, por norma tem sempre em mente o dia em que vai precisar de desinvestir. E, por essa razão, terá mais tendência para investir nos mercados onde há mais liquidez (…)”.
A somar a isto, há também a questão da liquidez: quem investe, e sobretudo quem investe noutro país, por norma tem sempre em mente o dia em que vai precisar de desinvestir. E, por essa razão, terá mais tendência para investir nos mercados onde há mais liquidez (isto é, onde o número de transações por norma é superior, onde a porta de saída é maior). Lisboa, Porto e o Algarve têm essas características, o que não significa que também não haja excelentes oportunidades noutras zonas do país, sejam elas mais ligadas ao turismo como o Alentejo ou o Douro, ou aos estudantes como Coimbra, Aveiro ou Braga, por exemplo.
De que forma a inovação normalmente associada às start-ups pode ser uma mais-valia para transformação digital e dinamização do setor imobiliário dito mais tradicional?
A inovação tem sido uma das prioridades da JLL. Os nossos clientes estão cada vez mais exigentes e as tendências mostram a necessidade em oferecer serviços mais rápidos e eficientes. As start-ups inovadoras de big data, inteligência artificial, machine learning e business inteligence estão a aumentar e, por consequência, disso também está a aumentar a procura dos consumidores pelo setor. Basicamente estas start-ups, a partir da análise de perfis e de padrões, são capazes de aumentar a taxa de conversão de negócios. O uso de algoritmos de inteligência artificial também pode tornar o processo de venda de imóveis mais prático e eficiente.
Nos últimos anos temos assistido a várias soluções inovadoras como as plataformas que conseguem em tempo real identificar os imóveis que entraram no mercado, as variações de preços, as virtual tours com definições incríveis, o uso de drones para as simulações e foto-montagens. De salientar também que cerca de 70% da população mundial está conectada por meio de dispositivos móveis. Isto significa que as empresas precisam também de adequar os seus serviços a estas plataformas.
Quais as novidades que estão a apresentar ao mercado?
A JLL destaca-se na implementação de ferramentas inovadoras porque sendo uma multinacional beneficia de soluções já implementadas noutros países. Em Portugal temos estado muito atentos às tendências e investimos em ferramentas tecnológicas inovadoras para venda e arrendamento de imoveis. Estudamos o comportamento do consumidor e implementámos websites integrados e responsivos, tour virtuais com as últimas tecnologias do mercado, óculos de realidade aumentada, QR Code, geolocalização e chatbot, para dar alguns exemplos.
“De facto, Portugal é um dos países da Europa onde o rácio propriedade é francamente superior ao de arrendamento. Perto de 75% das famílias são proprietárias e apenas 25% são arrendatárias”.
Que conselhos dá aos mais jovens que querem apostar no setor imobiliário? E a quem quer comprar casa neste momento?
Antes de mais, aconselho que analisem bem: não será o arrendamento uma melhor alternativa? De facto, Portugal é um dos países da Europa onde o rácio propriedade é francamente superior ao de arrendamento. Perto de 75% das famílias são proprietárias e apenas 25% são arrendatárias. Acredito que esta tendência será invertida ao longo dos próximos anos, uma vez que os jovens procuram cada vez mais flexibilidade – mudar de casa de tempos a tempos é algo apetecível nos dias de hoje!
No entanto, para aqueles que decidam pela compra, sugiro que estudem bem o mercado, que compararem preços das diferentes opções e que comecem pequeno: não é preciso começar com muita área, mas sim com uma localização que permita uma mais-valia no futuro. À medida que as necessidades vão aumentando – e se a vida assim o permitir – poderão ir fazendo upgrades.
Respostas rápidas:
O maior risco: Demasiado tempo a tomar decisões.
O maior erro: Alguma decisão que não foi tomada.
A maior lição: Procurar sempre trabalhar naquilo que se gosta e com líderes com os quais nos revemos.
A maior conquista: A minha família – a família de casa e a família da JLL.