Entrevista/ “Está na altura de pôr termo a estigmas e preconceitos”

16 homens conhecidos do público português despiram-se de preconceitos e deixaram-se fotografar na pele de uma mulher. Tudo em prol da igualdade de género. “Na Pele Dela” é um projeto fotográfico, idealizado por Mário César e Maria Lopes, que está em exposição no hub criativo Todos Playground, em Marvila, de 19 a 22 de setembro.

Carlão a fazer croché, Albano Jerónimo a pintar os lábios ou Júlio Sarmento a costurar. Estes são apenas três dos nomes que constam nos quadros que compõem uma coleção de 16 fotografias, em que os homens se predispõem a vestir uma pele que não é a sua, a colocar-se Na Pele Dela.

No projeto, participam ainda Paulo Furtado, Leonaldo de Almeida, Hélio Morais (Linda Martini), Pedro Ramos, Igor Ribeiro, Paulo Bento, Daniel Matos Fernandes, Frederico Miranda, Frederico Mancellos, Paulo Pascoal, Jhon Douglas, Romeo Bastos e Tomás Wallenstein. A iniciativa foi pensada por Maria Lopes, produtora, programadora e DJ, e por Mário César, que se dedica ao mundo da publicidade, do marketing e da fotografia.

Em entrevista ao Link To Leaders, Mário César fala de como surgiu a ideia de criar esta exposição fotográfica e da temática da desgualdade de géneros.

Como surgiu a ideia de criar o projeto fotográfico “Na Pele Dela”?
Em pleno século XXI, infelizmente, ainda nos deparamos com a desigualdade entre géneros nas mais variadas circunstâncias. Foi esta constatação quase diária que desencadeou o processo criativo que se veio a corporizar no projeto “Na Pele Dela” e lhe serviu de mote. Sentimos que está mais que na altura de pôr termo a estigmas e preconceitos e escolhemos a arte, mais concretamente, a fotografia, para expressar esta nossa ânsia por uma transformação das mentalidades.

E em que é que consiste?
“Na Pele Dela” contesta visualmente a dicotomia redutora, simplificada e limitativa das representações de género, perpetuadas ao longo da história e de um modo transversal na sociedade, desconstruindo a perceção do que é feminino e do que é masculino ao desafiar homens a retratar papéis tipicamente atribuídos à mulher (tarefas domésticas, depilação, manicure ou maquilhagem, entre outros).

“Acabámos por ter o privilégio de fotografar 16 personalidades com percursos bastante distintos, mas que se uniram em torno deste ideal que lhes é comum”.

Como fizeram a seleção das 16 figuras públicas que se despiram de preconceitos?
Atendendo à visão que tínhamos para o projeto, sempre pensámos em fotografar homens que fossem caras conhecidas do grande público e que se revissem nesta luta pela igualdade na individualidade, para também mais facilmente chegarmos depois às pessoas e conseguirmos sensibilizá-las e mobilizá-las para a causa.

Acabámos por ter o privilégio de fotografar 16 personalidades com percursos bastante distintos, mas que se uniram em torno deste ideal que lhes é comum: Albano Jerónimo, Carlão, Julião Sarmento, Leonaldo de Almeida, Paulo Furtado (The Legendary Tigerman), Hélio Morais (Linda Martini e Paus), Tomás Wallenstein (Capitão Fausto), Pedro Ramos, Igor Ribeiro (Ghetthoven), Paulo Bento, Daniel Matos Fernandes, Jhon Douglas, Frederico Miranda, Frederico Mancellos, Paulo Pascoal e Romeo Bastos.

“A fotografia tem o poder de tornar um conjunto de memórias estáticas numa projeção futura de algo novo: uma ideia, um sonho ou até uma nova convicção”.

De que forma pode uma fotografia mudar mentalidades?
Acreditamos que a arte é um motor que pode iniciar um novo diálogo. Uma exposição de fotografia sobre a igualdade de género é um convite a conversarmos mais e melhor sobre este tema através de elementos estéticos.  A fotografia tem o poder de tornar um conjunto de memórias estáticas numa projeção futura de algo novo: uma ideia, um sonho ou até uma nova convicção. É isso que estamos a tentar fazer aqui.

Este é um projeto independente paralelo à sua atividade profissional. Pode falar-nos um pouco mais dos desafios que encontrou para conseguir conciliar este projeto com a EatTasty?
Conciliar este projeto com a EatTasty foi muito natural ,porque, felizmente, tenho uma equipa que entende que as paixões de cada um têm um lugar muito importante nas suas vidas e que tudo pode ser gerido com bom senso.

O Mário desde que terminou os seus estudos mergulhou no mundo da publicidade, marketing e fotografia. Qual acha que tem sido o papel da publicidade e do marketing na mudança de mentalidades no que à igualdade de género diz respeito?
Acredito que as marcas estão a começar a perceber que os consumidores, hoje em dia, já não estão apenas em busca do produto em si e exigem muito mais. O consumidor contemporâneo está constantemente à espera de sentir algo diferente e genuíno. Aliás, as melhores campanhas que conheço são as que me contaram uma história sem me mostrar uma única vez o produto.

Neste sentido, o papel do marketing e da publicidade pode, de facto, assumir-se como importantíssimo para colocar a problemática da igualdade de género sob os holofotes, sendo que os resultados têm grande potencial, desde que as marcas o permitam. Acontece que há muito poucas dispostas a “arriscar” o seu posicionamento, ainda que concordem com a urgência de temas como este.

“Acredito que, para muitos portugueses, é já um dado adquirido que os direitos devem ser iguais. A questão, muitas vezes, prende-se ainda com as políticas adotadas pelas entidades patronais”.

Considera que as desigualdades continuam a ser muito visíveis no mercado de trabalho ou os portugueses já começaram a aceitar que não há diferenças e que os direitos devem ser iguais?
Acredito que, para muitos portugueses, é já um dado adquirido que os direitos devem ser iguais. A questão, muitas vezes, prende-se ainda com as políticas adotadas pelas entidades patronais. Contudo, o facto de este ser um tema cada vez mais debatido no espaço público pode vir a alertar as empresas de que algumas políticas não são, nem nunca foram, aceitáveis, pressionando o despoletar da mudança.

Alguns analistas defendem que a igualdade de género é mais fácil de implementar em países escandinavos, graças a uma cultura e história específicas. Concorda?
Os portugueses, dada a sua história e o seu quadro sociocultural, são, na generalidade, mais conservadores. Temos uma democracia muito recente, que ainda nem celebrou o meio século, o que faz com que todo o processo de adaptação e educação para novos contextos seja mais demorado em comparação com sociedades onde a liberdade de expressão já é uma realidade há várias gerações.

A liberdade de expressão e o acesso à informação são fatores essenciais para uma sociedade justa e evoluída, pelo que é compreensível que, em Portugal, as gerações que viveram ou cresceram num regime ditatorial levem mais tempo a compreender a urgência da luta pela igualdade de género.

“É importante que este tema seja visto como uma das prioridades na agenda e que, além da sua regulamentação, sejam definidos métodos de fiscalização”.

A seu ver, quais são os desafios mais importantes, as batalhas a travar, no sentido de chegar à igualdade de género na União Europeia?
Creio que, do ponto de vista político, a maior batalha deverá ser ao nível da legislação laboral. Felizmente, já existem exemplos de boas práticas neste campo em países de todo o mundo, pelos quais a União Europeia se poderá guiar, como a proibição de atribuir salários desiguais a um homem e a uma mulher que se encontrem no mesmo cargo. É importante que este tema seja visto como uma das prioridades na agenda e que, além da sua regulamentação, sejam definidos métodos de fiscalização.

As leis e a educação podem ajudar ao progresso na igualdade de género?
A educação tem o potencial de prevenir que se pense como se pensa hoje. É nesse processo que os mais jovens começam a dar sentido ao mundo e a definir a sua posição face a temas fraturantes como a igualdade de género, pelo que é essencial que pais e professores tenham a capacidade de orientar as futuras gerações, transmitindo-lhes os valores da liberdade de expressão e do respeito pelo próximo, que nunca devem ser esquecidos. Já as leis vêm definir os limites dessa educação. Se estes limites estiverem no sítio certo, é mais provável que caminhemos numa direção mais justa e igualitária.

Carlão: a fazer croché
Jhon Douglas: a posar como uma musa
Tomás Wallenstein: a depilar-se com gilete
Albano Jerónimo: a pintar os lábios
Julião Sarmento: a costurar
Carlão: a fazer croché
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